sábado, 31 de dezembro de 2011

O registro de J. C. Zamboni

O professor de literatura na UNESP de Assis José Carlos Zamboni, também ficcionista, cronista e crítico literário, escreve, em seu blog "A gaveta transparente", sobre Perdição, de Luiz Vilela:

17/12/2011. Grato, Luiz Vilela, pelo livro que você mandou (PerdiçãoRecord, 2011, 400 p.). Chegou anteontem, folheei aqui e ali. Sua frase continua límpida, com a absoluta redondez de sempre, discretamente elegante, daquela elegância simples do pobre de antigamente que, aos domingos, botava a roupa de ver Deus e ia à missa.  O paletó e gravata estão bem arranjados, a calça bem cortada e bem dado o laço nos sapatos. Tudo muito limpo; até os palavrões e obscenidades estão alvejadamente limpos aqui.       
Mas essa prosa de ver Deus agora não vai à missa, mas ao culto evangélico. O romance Perdição — e não há nada mais atual — é a história de um cidadão que vira pastor e depois desvira. Em breve, vou lê-lo de verdade.
Original em: http://www.jczamboni.com.br/, ou em 
http://www.jczamboni.com.br/NOTAS78.htm,
post de 17 de dezembro de 2011.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"Perdição" é um dos destaques de 2011


Entretenimento, Correio da Paraíba,
quarta-feira, 28/12/2011

Escritores elegem os destaques na literatura deste ano de 2011

ASTIER BASÍLIO

Este ano, o escritor americano Jonathan Franzen fez com que seu romance, Liberdade, se tornasse um fenômeno, chegando até a, exageradamente, ser classificado pelo The Guardian, como o romance deste século. Foi um dos destaques de 2011, assim o sueco Thomas Transtormer, poeta desconhecido do público brasileiro, vencedor do Nobel de Literatura. A poesia esteve em alta no Brasil. Com o seu Alguma Parte Aguma, Ferreira Gullar ganhou o Jabuti de livro de ficção do ano.  Entre os autores paraibanos, o destaque ficou com José Nêumanne Pinto com o seu ensaio biográfico O que Sei de Lula, durante semanas entre os mais vendidos. 

Para escrever esta retrospectiva literária do ano, conversamos com os escritores Hildeberto Barbosa Filho, W. J Solha, Bruno Gaudêncio, André Ricardo Aguiar e Jairo Cezar.  Os livros locais mais lembrados foram duas coletâneas: Confesso que Li, organizado por Neide Medeiros e Yó Limeira, que traz depoimentos de escritores sobre a descoberta da leitura, e Outros Olhares,  edição do Sebo Cultural, que reúne textos sobre a produção paraibana.

Outros citados foram para Arkaditch, romance de W. J Solha; os livros de contos Babelas, de Wander Shirukaya,  Cântico Voraz do Precipício, de Bruno Gaudêncio, e Despoemas, de Beto Menezes; o livro de ensaios, André Malraux, Entre o Real e o Fantástico, de José Jackson de Carvalho; e os livros de poemas Nós - An Insight, de Carlos Aranha, Poesia sem Pele, de Lau Siqueira, Identidade, de Beto Cardoso, e À Sombra do Soneto, de Hildeberto Barbosa Filho.

Dentre as publicações de âmbito nacional, foram  citadas os romances O Habitante Irreal, de Paulo Scott, Perdição, de Luiz Vilela, Libido aos Pedaços, de Carlos Trigueiro,  e A Rainha do Calçadão - Opus 14, de Esdras do Nascimento.

Quando o assunto foi publicações de autores estrangeiros, foram lembrados: Claraboia, segundo romance de José Saramago, mas publicado só após sua morte, O Silêncio do Túmulo, do islandês Arnaldur Indriasson, História Abreviada da Literatura Portátil, do espanhol Enrique Villa-Matas e a biografia Dante, da escritora Barbara Reynolds.

Este ano, perdemos Moacyr Scliar, que visitou a Paraíba poucos meses antes de morrer. A Academia Brasileira de Letras elegeu, pela segunda vez, uma mulher na presidência, a escritora Ana Maria Machado. Na Paraíba, o destaque ficou para a criação do grupo Caixa Baixa e para descentralização das atividades literárias por meio do Núcleo Blackout, em Campina Grande, além da Flibo, que ano a ano vem resistindo, em Boqueirão.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

PERDIÇÃO: Resenha - 5

Sobre Perdição, de Luiz Vilela


Whisner Fraga
Não escrevo resenhas há três anos e as observações que farei aqui não podem ser consideradas crítica literária, mas somente comentários baseados em minhas leituras. Muito do que vem a seguir pode ser aplicado a qualquer obra de Luiz Vilela, embora eu esteja tratando, especificamente, de Perdição, seu romance recém-lançado.

- Nos textos de Vilela, o narrador não é onipresente - ele sempre sabe de algo porque viu ou porque alguém lhe contou. Ele, portanto, repassa ao leitor a sua mensagem, que, evidente, pode estar corrompida. Isso gera um efeito interessante: nunca se sabe o que é verdade e o que é invenção.

- Os diálogos são o ponto principal da obra de Luiz Vilela. Mas diálogo é algo complicado na literatura. Então, o escritor tem de fazer uma escolha: ou ele transcreve a fala das pessoas, imitando-a em seus menores detalhes como ela é ou considera a fala algo diferente da escrita e por isso adota a norma culta para os diálogos. Luiz Vilela escolhe a segunda opção. Assim, pode parecer estranho que um feirante utilize o pretérito maisque-perfeito, mas não é, pois o diálogo é somente uma representação escrita do que foi dito oralmente, de uma outra maneira, mas com o mesmo significado. Como o narrador não é onipresente, a "transcrição" dos diálogos não precisa ser fidedigna. E mesmo se em alguns casos ele está presente durante o diálogo, não é neste momento que ele passa para o papel o que ouviu.

- A força e a precisão dos diálogos está na voz própria de cada personagem - um padre tem seus cacoetes linguísticos, um pescador idem.

- Para dar um caráter informal e também para amenizar e ao mesmo tempo aumentar a tensão, há piadas, muitas piadas e também ditos populares. De amenidade em amenidade, o leitor prende a respiração, se prepara para a fisgada, pois sabe que a qualquer instante a conversa pode tomar um rumo inesperado.

- A história principal é simples e curta: um pescador se torna pastor, vai para a capital, ganha muito dinheiro com os fiéis e se crê acima de tudo, poderoso. Leva um tombo e se decepciona com o mundo. Só que não se pode escrever 400 páginas sobre isso. Daí que o livro traz muitas personagens secundárias, muitas histórias paralelas.

- Um clássico. 

Publicado originalmente em http://www.cidadedevolvida.blogspot.com/, em 29 de dezembro de 2011.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Entrevistas e depoimentos de Luiz Vilela

Criamos no blog a aba "Entrevistas", na qual relacionamos entrevistas e depoimentos concedidos por Luiz Vilela a jornais, revistas, rádios e tevês.


Essa coleta, como as da Fortuna Crítica, não está isenta de erros e lacunas. Agradecemos contribuições, sejam informando artigos ou entrevistas que não estão em nossos bancos de dados, sejam indicando correções nos dados que registramos.


Para abrir esse novo serviço, inicialmente constam - divididas cada uma em três arquivos - entrevistas que Vilela concedeu às tevês Câmara e Senado, a primeira em 2005, a Inimá Simões, no programa "Sintonia", e a segunda, ao programa "Leituras", comandado por Maurício Melo Júnior, em 2007.


Confira, clicando aqui.

domingo, 25 de dezembro de 2011

"Perdição" é visceral, diz Whisner Fraga

Arquivo de Luiz Vilela

Visceral

Postado em Literatura com as tags , em 24/12/2011 por whisner fraga

Em Ituiutaba, Luiz Vilela me contava do seu novo livro, “Perdição”. O romance está muito bom, forte. Eis um trecho:

     “Então eu vou te dizer uma coisa em que eu acredito. Aliás, uma coisa  não: duas, duas coisas. Três; três coisas.”
       Ele ficou em silêncio, esperando.
      “A primeira: eu acredito que a humanidade só vai realmente progredir o dia em que o último deus for enforcado na tripa do último homem que nele crê.”
       Ele não disse nada.
       “A segunda: esse dia nunca vai chegar.”
       “A terceira?”, ele perguntou.
      “A terceira? A terceira é que, mesmo que esse dia chegasse, a humanidade não progrediria nada; talvez até piorasse.”

Original em http://whisnerfraga.wordpress.com/tag/luiz-vilela/.

Leia a primeira resenha sobre Perdição clicando aqui.

sábado, 24 de dezembro de 2011

PERDIÇÃO: Resenha - 4



PERDIÇÃO, ENTRE A REDE
DA FAMA E O RIO DE LAMA


Luciene Lemos de Campos


O escritor Luiz Vilela (Ituiutaba, Minas Gerais, 1942), formado em Filosofia, tendo atuado como jornalista e alcançado a consagração literária como contista, presenteou-nos, aos leitores brasileiros, neste final de 2011, com um romance grandioso: Perdição.
A obra, em linguagem simples, coloquial, revela, no entanto, profundos conhecimentos linguísticos, filosóficos, religiosos e literários, entre outros. Perdição mescla comédia e tragédia, humor e ironia ácida, mestria na utilização do diálogo e domínio da arquitetura romanesca. Jogos e brincadeiras com as palavras, simplicidade e precisão vocabular, peculiares aos seus contos e presentes em suas novelas, tem neste seu quinto romance nuances novas no âmbito da sua ficção.
Luiz Vilela busca, no repertório de signos socialmente construídos, palavras que desvelam uma sociedade pseudomoralista movida por interesses disfarçados de valores éticos, morais, religiosos e de falsos bons costumes. O autor também delineia, através das falas das personagens, o quanto pensamento e linguagem refletem a realidade de uma forma diferente da percepção daqueles que não conhecem os códigos, seus signos e seus símbolos.
Leo, o protagonista, é amigo de infância do narrador, o jornalista Ramon. O romance avança pelo diálogo de Ramon com diversas personagens que convivem no dia a dia de uma pequena cidade fictícia do interior de Minas (mas poderia ser qualquer cidade do país, até mesmo um bairro distante incorporado a alguma região metropolitana). Ramon ouve as histórias e, ao mesmo tempo, revela que a retórica, os signos e símbolos — as palavras, enfim — desempenham um papel central no comportamento das pessoas, atingindo de forma mais cruel, e irônica, aqueles que não são capazes de decodificá-los.
A trajetória de Leo, no relato feito pelo narrador, enreda-se nas histórias das demais personagens de Perdição e ao fluxo histórico de sua pequena cidade. A narrativa, para tanto, remete a figuras da mitologia local no mesmo passo que dialoga com grandes obras da literatura mundial. E, no âmbito da poética de Luiz Vilela, dialoga com grandes obras da literatura mundial e retoma motivos que são recorrentes na obra do escritor.
Nesse diapasão, surgem no enredo, entre outras e muitas personagens, a dona da pensão, o vendedor do disk-peixe, o dono do jornal, os feirantes e a mulher do protagonista: ela, Gislaine, passará por uma grande transformação e suas atitudes surpreenderão ao leitor.
Também surgem figuras da política local, em dois diferentes momentos históricos, entre os quais pontificam os prefeitos, os vereadores, os vigários e outras personagens da elite de Flor do Campo, pois este é o nome da pequena cidade ficcional criada por Luiz Vilela.
Das personagens da mitologia popular, ganham destaque uma cobra inspirada na Cobra Norato, a Moçalinda e o Jacaré Papudo.
Entre os grandes da literatura mundial, e inúmeros são de algum modo invocados em Perdição, mencionemos aqui, a título de exemplo, Homero, Virgílio e Rostand, além da Bíblia, motivo recorrente ao longo de toda a narrativa.
Quanto aos motivos recorrentes da literatura do próprio Luiz Vilela, observamos que se presentificam, entre muitos outros, o amor, o erotismo, a religião e o riso literário.
Desse conjunto de características que enunciamos, temos a palavra como o centro irradiador da potência da escrita de Vilela. A palavra é um signo verbal por excelência, e Luiz Vilela a emprega magistralmente.
Isso porque Luiz Vilela é um mago que manipula a linguagem e une o clássico, o moderno e o contemporâneo em um enredo com ares de ingênuo, mas profundamente sofisticado em sua aparente simplicidade, pois tempera a fábula encenada com a boa prosa mineira.
Nesse universo, que se vê invadido por modismos globalizados, a reflexão de Vilela é vigorosa, desmistificadora de um Brasil em que a barbárie sucede à barbárie sem nenhum intervalo civilizatório e em que, à pobreza extrema, sucede, sem maturação social, um consumismo desenfreado, irreflexivo.
Ao enredar temas universais como fama, irracionalidade e nulidade humanas, o autor propicia reflexões acerca do “ser alguém” e do “não ser ninguém” em uma sociedade cada vez mais dragada pela rede da fama.
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Nesse contexto, com uma passagem do Apocalipse, Vilela encerra a narrativa: “E deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor.” Isso porque, na Babel-Babilônia da luta pela fama e da guerra pelo dinheiro e pelo enriquecimento, a personagem central de Perdição encontra um rio de lama e um universo de dissolução, prelúdios do seu próprio fim.
Com enredo aparentemente simples e banal, a obra propicia reflexões — inquietas reflexões — acerca da arte de usar as palavras e sobre a religião, o homem, o sexo, a sedução e a hipocrisia, fazendo de Perdição leitura imperdível para quem aprecia a boa literatura.
Nesse sentido, o livro é, também, um belo presente de Natal, por ser um ótimo presente, a qualquer momento do ano, para as pessoas a quem realmente queremos bem.

Luciene Lemos de Campos, Mestre em Estudos Fronteiriços pela UFMS, com o estudo “A mendiga e o andarilho: a recriação poética de figuras populares nas fronteiras de Manoel de Barros” (2010), e ingressante (2012) no Mestrado em Letras da UFMS, Câmpus de Três Lagoas, é professora de Língua Portuguesa na SED/MS; lucienelemos10@yahoo.com.br.


Nota de 27 dez. 2011 - versão anterior e condensada desta resenha foi publicada hoje em:
CAMPOS, Luciene Lemos de. Perdição, um belo romance. Diário Corumbaense, Corumbá, MS, ano V, nº 1148, 27 dez. 2011, p. 2, seção Artigo. Disponível em < http://www.bancadigital.com.br/dcorumbaense/reader2/ >.
 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

PERDIÇÃO: Resenha - 3

ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte.
Seção : Arte e Livros - 22/12/2011 09:40

Escritor mineiro Luiz Vilela volta ao romance com Perdição

A partir da história de um jovem pescador que se torna pastor evangélico, o autor traça um retrato desencantado da sociedade contemporânea



Arte de Alexandre sobre foto de Jair Amaral
Literatura é um negócio complicado, cheio de histórias e maneiras de contar essas histórias. Tem a forma e o conteúdo. E, para alguns poucos escritores, muito bons, a forma é o conteúdo. Em outras palavras, o jeito de narrar está tão ligado ao que é dito no enredo que o leitor se sente dentro das palavras. Luiz Vilela é um desses mestres e seu grande instrumento é o diálogo. Ele não sente falta de nada além de uma conversa, mesmo a mais banal, para apresentar sua visão de mundo. Não precisa de filosofia (embora seja formado em filosofia), de realismo jornalístico (mesmo tendo trabalhado muitos anos em jornais), de conhecimento cosmopolita (sua volta ao interior de Minas se seguiu à experiência de vida em São Paulo, EUA e Espanha) ou de psicologia (ainda que nada passe batido pela sua compulsão pelo detalhe significativo). Ele apenas põe as pessoas falando, ouvindo e se calando. As palavras e os silêncios dão conta do recado.

No ano que vem, Vilela completa 70 anos. Maduro, com uma obra que conta com seis volumes de contos, três novelas e quatro romances, ele está lançando Perdição (Editora Record), que começa a se destacar pelo tamanho. O romance, com 400 páginas, é o mais volumoso de seus livros até agora. Mas a ética e a técnica são as mesmas: o escritor se mantém ligado em gente comum e faz do diálogo seu bisturi para revelar a realidade social e psíquica. São poucos personagens, o enredo se resume em algumas linhas, as conversas são muitas vezes vazias, o humor em alguns momentos beira o mau gosto, mas a sensação de vida real captura o leitor na primeira página. Luiz Vilela produziu um épico da banalidade. Mas atenção: trata-se do nada de que somos feitos.

A história se passa na cidade imaginária de Flor do Campo. Que de flor só tem o nome (e mesmo ele é renegado em favor da pretensão de dar ao município um nome em inglês). A cidade é, como muitas do interior de Minas, habitada por gente simples, muitas pessoas vazias, políticos corruptos, traidores e místicos de toda a natureza. O que destaca Flor do Campo das demais é sua lagoa de águas escuras, que abriga segredos e possíveis monstros. E peixes. O romance, dividido em três partes, começa com “O rapaz dos peixes”, que apresenta os personagens centrais, os amigos Ramon, jornalista que estudou na capital e voltou à cidade natal, e o amigo de infância Leo, pescador que vende seu produto na feira.

O mapa moral da cidade vai sendo apresentado sempre de forma enviesada, por casos antigos e histórias implausíveis. Nesse ambiente, os amigos parecem viver um momento definidor. Se Ramon, mais cético, se basta na ocupação de redator de um jornal do interior, Leo parece alimentar alguma ambição existencial além da vida de pescador. As simbologias da busca, da pescaria, do mergulho, da revelação, tudo vai sendo desenhado à contraluz, por meio das conversas dos amigos, em meio à ironia quase rascante em relação ao provincianismo do meio. O diálogo carrega ainda componentes sociais de classe, mimetizando a fala e a visão de mundo de diferentes estratos sociais. 

O jovem Leo se torna o pastor Pedro. A identificação com o apóstolo, aparentemente imediata, na verdade é construída a partir da elisão de uma parte fundamental da narrativa. Perdição trata da primeira parte da vida do jovem – antes da “conversão” ao credo evangélico – e de seu retorno a Flor do Campo, depois de uma passagem acidentada pelo Rio de Janeiro, uma Babilônia que apenas deixa entrever seus sinais de dissipação na vida destruída que Leo traz na bagagem. Num romance onde tudo se desenrola à frente do leitor, a transformação de Leo em Pedro só é figurada pela voz dos outros e pelas especulações de todos. O rapaz dos peixes volta arrasado e não sabemos o que se passou em sua vida ou toma seu espírito marcado pela ausência de graça. 

As conversas de Ramon com Leo, com o singelo Mosquito (um divertido vendedor de pimentas), com Gislaine (mulher de Leo), com Nenzinha, a dona da pensão que hospeda o pastor em derrocada; todos esses diálogos vão compondo um painel negativo da comunidade: o racismo, a violência, o machismo, a traição, a maldade, a ignorância, o preconceito. Com humor corrosivo, que muitas vezes parece zombar do outro, Ramon desenha um cenário de hipocrisia que vai da política à religião, passando pelas convenções sociais. Ainda que sinceramente voltado para mitigar o sofrimento do amigo, o jornalista, em seu ceticismo, parece não alimentar outra certeza que a derrocada inevitável. Sem nada a oferecer, vira e mexe sua resposta ao interlocutor é um evasivo: “Hum…”. Não por acaso, a última parte do romance ganha o nome de “Ninguém”.

CONTRA A FÉ A religião, que parece concentrar em si grande parte dos pecados da sociedade – na verdade a acusação mais forte não é contra a instituição evangélica ou católica, mas, ainda mais fundo, contra a fé – não se revela apenas em sua institucionalização e exploração do outro. Ela se relaciona com crendices, com a mentira, com a incultura e com a hipocrisia em vários matizes. Erigida sobre falsidades, nada de melhor pode resultar da covardia da crença sem crítica. Ramon gasta suas baterias de sarcasmo em vão. Num território onde é minoria, é incapaz de ferir com a desconfiança que desfecha a certeza que gera tanto sofrimento. Resta o humor. Quase raiva.

Como todo mito de redenção, a tentativa de recuperar a inocência – ou ao menos a dignidade – vem cercada pelo castigo definitivo. Para reviver é preciso morrer. As estações da paixão de Leo vão da traição ao crime, passando pela doença e outras perdas. Os símbolos da consumação estão presentes o tempo todo e o final do romance parece cumprir o desígnio do mito. O rapaz dos peixes radicaliza seu destino.

O grande fascínio da narrativa de Luiz Vilela, um extraordinário exercício de estilo, é dar conta da complexidade humana e política com o recurso fugidio da oralidade. Uma fala tão perfeita que não abre mão de nada que possa sustentar sua credibilidade e verossimilhança, nem mesmo da imperfeição. As pessoas falam como só é possível na literatura. Há uma recriação estética da palavra falada, numa dicção e musicalidade que respeita todos os condicionamentos da cena. O mais impressionante, acima do virtuosismo técnico, é a o fato de diálogos chãos, comezinhos, quase diminutos, realizarem o que há de mais insondável no mistério do homem no mundo. São as pequenezas que nos limitam e definem. Fora do humano, nada mais interessa.

Em seu romance de maturidade, Luiz Vilela está ainda mais cético. Mas não deixa de carregar os mesmos temas que habitaram sua literatura desde sempre: o homem em situação, a falência dos projetos coletivos pela insondável âncora da individualidade, a força irracional do sexo, a recusa a todas as formas de mistificação, a busca desencantada por uma verdade de antemão condenada ao fracasso. O escritor nunca gostou de família, de religião e de convencionalismo. Agora, parece gostar menos. O que faz de sua literatura, além de realizada com extrema destreza, objeto de necessidade ética.
Cinco perguntas para... 
Luiz Vilela
escritor
Conhecido pela narrativa curta, você trabalha em Perdição um texto longo, de dimensões épicas. Como foi a experiência de escrever com um fôlego mais ampliado? Foi exigência da narrativa? 
Sim, foi exigência da narrativa. Perdição começou como um conto, foi crescendo e se transformou numa novela, continuou a crescer e se transformou num romance. Nesse processo, da primeira frase escrita até o ponto final no livro, mais de 10 anos se passaram. Lembro, porém, aqui, que, além dos meus seis livros de contos e das minhas três novelas, já escrevi quatro romances. Portanto, narrativas mais longas não são para mim novidade. E, se tudo sair como espero, o meu próximo romance, já em fase adiantada, deverá ter mais de 500 páginas. Mas, enfim, curtas como os contos, médias como as novelas, ou longas como os romances, o que importa é que as narrativas sejam boas.

Seus diálogos, pela naturalidade e música, parecem feitos para o cinema e a dramaturgia. No entanto, o clima é absolutamente literário. O que você pensa da natureza de cada uma dessas formas de expressão?
Por mais que pareçam, os diálogos da literatura, do cinema e do teatro não são a mesma coisa. Já tive mais de uma dúzia de adaptações de meus contos para o cinema, o teatro e a televisão, e frequentemente alguém diz, me elogiando, que os meus diálogos são muito cinematográficos. É um elogio simpático, mas os meus diálogos são mesmo é literários, pois é literatura o que eu faço, e não cinema ou teatro.
Em Perdição, o humor tem um papel fundamental. A ironia, marca na literatura brasileira desde Machado de Assis, anda em baixa, em nome de uma certa pompa. Para você, o humor é uma forma de crítica?
Sim, o humor é para mim uma forma de crítica, e, a meu ver, a mais poderosa forma de crítica que existe. “Castigat ridendo mores” (“rindo, fustiga os costumes”), conforme à locução latina. Mas não é só isso. Acho o humor fundamental não só na literatura, mas também na vida. Sem o humor não dá. Aproveito aqui para mandar um recadinho aos politicamente corretos: que tal botar um pouco de humor em sua vida? Comecem por rir de si próprios. E aí, então, sintam-se à vontade para rir dos outros. Rir faz bem ao corpo e ao espírito. 
Qual é, para você, o papel da literatura na sociedade da informação, cada vez menos capaz de reflexão? 
Pela sua liberdade, pela sua complexidade e pela sua profundidade, diria que a literatura é hoje, no mundo moderno, o último reduto da inteligência humana. Sem ela, mergulharíamos nas trevas da ignorância, seja esta a ignorância iletrada ou a ignorância eletrônica ou, pior, a reunião das duas, que é o que mais se vê atualmente.

Religião é um problema político no Brasil ou uma manifestação da psicologia do povo?
Num país em que, segundo as pesquisas mais recentes, a quase totalidade das pessoas acredita em Deus e em que, como vimos recentemente pela imprensa, há gente que diz conversar com Nossa Senhora e lota com isso uma igreja, qualquer crítica à religião me parece não apenas inútil, mas, às vezes, temerária. No meu livro, embora ele seja um romance, com histórias e personagens, e não um panfleto contra qualquer coisa, aparecem vários aspectos negativos das religiões. Espero não ser, por isso, linchado. Mas, se for, já aviso que dispenso a missa de sétimo dia. Vão, com o dinheiro, a um boteco e tomem lá, em meu nome, uma cerveja. Combinado?...


domingo, 18 de dezembro de 2011

PERDIÇÃO: Resenha - 2


Miguel Sanches Neto

Divulgação
Divulgação / Luiz Vilela constrói romance baseado na oralidade comum em seus contosLuiz Vilela constrói romance baseado na oralidade comum em seus contos

De peixes e de homens

Publicado em 18/12/2011 | MSN@INTERPONTA.COM.BR

Fiel ao recurso do diálogo, marca de seus contos, Luiz Vilela (Ituiutaba, 1942) escreve agora um romance – Perdição (Record, 2011) – em que quase tudo se passa no interior das conversas que o narrador, o jornalista Ramon, tem com amigos, conhecidos e visitantes de uma cidade mineira fictícia chamada Flor do Campo. O relato desvia a ação para o terreno da oralidade. E este deslocamento cria um efeito muito moderno, o de não conceder certezas ao leitor quanto ao que motiva os acontecimentos. Quase tudo chega ao narrador de forma indireta, pela versão que os personagens criam sobre os fatos, versões em conflito, ora exageradamente falsas ora mais plausíveis.
Nesse sentido, o romance é a história de uma busca. Da busca da verdade sobre a trajetória de um jovem que, inicialmente sem ambição, levando uma vida humilde e honrosa, totalmente ligado à natureza – é um pescador –, vê-se seduzido por um estrangeiro que o convida para ser pastor de uma nova religião. Versão contemporânea da biografia do apóstolo Pedro, este relato mostra o jovem Leonardo no começo e no final da vida. Toda a sua saga como pastor Pedro, no Rio de Janeiro, nos chega ao narrador pela ótica alheia. Ele nunca consegue saber o que se passou de fato, nem quando se encontra com Leonardo, este já intelectualmente transtornado. Tudo são suposições. Diz Ramon sobre a verdade: “Jamais saberíamos” (p.372).
Ramon e Leonardo são amigos de infância, o que move o primeiro deles a tentar compreender o amigo que se aventura num caminho de exploração da ingenuidade humana. Ramon não encontrará nada além das hipóteses, mas o seu interesse, as renúncias que faz em nome do amigo, as longas conversas para tentar extrair alguma informação sobre ele, a preocupação com o seu sofrimento etc., isso é o que ele pode fazer pelo outro.
Nessas longas palestras, que seguem em várias direções, Ramon vai desmascarando a sociedade. A sensação que se tem é de que todos falam muito, inventam coisas, mentem para si mesmos e para os outros, numa prática descarada da hipocrisia. Assim, o fato de o pastor Pedro ludibriar as pessoas não é uma exceção à regra, é apenas a profissionalização deste impulso natural do homem, que promove o engano e se autoengana.
Em contraponto, Ramon ou fica quieto (ele repete constantemente um som que indica uma dúvida silenciosa: “Hum”) ou parte para a ironia. Por isso, há muitos momentos de humor no livro, momentos em que o narrador não resiste a trocadilhos, a zombarias e a ditos espirituosos, colocando em xeque as histórias que lhe são apresentadas como verdadeiras, sejam premonições ou relatos de graças conseguidas, sejam discursos políticos ou histórias forjadas de sucesso. O narrador passa em revista os mitos da cidade com um riso no canto dos lábios.
Muito mais do que desvelar os processos de exploração da fé alheia por conta de religiosos oportunistas, Perdição se fixa na predisposição das pessoas para um tipo de crença ingênua nas coisas mais improváveis: episódios folclóricos, relatos de milagres, maldições de curandeiros, mitificações de pessoas etc.
Num tempo de mentiras, em que só há versões, o romance nos apresenta uma pergunta: crer no quê? Ele parece sinalizar que só nos restam a natureza, os animais e insetos (há vários episódios em que eles são mencionados amorosamente) e uma atitude de amizade cada vez mais rara, mais difícil. O pescador Leonardo se perde ao tornar-se o pastor Pedro, mas em sua trajetória de retorno, que guarda um final trágico, ele restaura a antiga personalidade, integrando-se ao lago de onde vinha o seu sustento. E é como um peixe que ele é retirado das águas por parentes e amigos. Simbolicamente, como uma baleia morta.
Com uma fatura realista, um uso musical da linguagem, num estilo literário da oralidade, Luiz Vilela constrói o seu romance de maturidade, em que banal cotidiano dos personagens se manifesta como tragicomédia.
Serviço:
Perdição, de Luiz Vilela. Record, 400 págs. Romance.

Publicação original em: http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1204539&tit=De-peixes-e-de-homens, Gazeta do Povo, Curitiba, 18 de dezembro de 2011.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Revista "Veja" considera "Perdição" como "imperdível"


(Record, 400 páginas, 39,90 reais) O autor Luiz Vilela desafia o conceito de epopeia ao colocar um pescador prosaico no centro de um épico bíblico. A definição para Perdição foi criada pelo próprio Vilela para explicar a que veio seu novo romance. A alusão ao universo bíblico, no caso, se refere à trajetória do protagonista que deixa a pequena cidade litorânea onde nasceu para ser pastor na cidade grande. O ex-pescador se corrompe ao longo da história e passa a se apropriar da fé alheia para enriquecer. Desmascarado, ele volta ao seu lugar de origem, mas nem lá encontra a tranquilidade que busca.