segunda-feira, 30 de julho de 2012

PERDIÇÃO: Resenha - 15


A SIMPLICIDADE E A PROFUNDIDADE EM PERDIÇÃO, DE LUIZ VILELA


 Janaína Paula Malvezzi Torraca da Silva
Mestranda em Letras, UFMS – Campus Três Lagoas


Perdição
Luiz Vilela
Ed. Record, 2011
400 p.


Quando publicamos um dos capítulos de Perdição no blog do Grupo de Pesquisa Luiz Vilela, fiquei pensando em como ele se encaixaria dentro do romance, em seu todo. Confesso que fiquei ansiosa, esperando. O capítulo falava sobre cowboys, cavalos, orações. Esperei. Valeu a pena.
Toda a obra de Luiz Vilela é recheada de pontos constantes: a religião, o erotismo, a pequenez e a grandiosidade humana; os pequenos e dificultosos problemas que o homem enfrenta no dia a dia. Perdição não é diferente. E é isso que faz esse romance inusitado: Vilela, escritor que ficou conhecido primeiramente por seus contos, em seu último romance impressiona por conduzir uma história longa, aparentemente banal, porém cheia de detalhes.
Leo, ou Leonardo, pescador que vive em pequena cidade do interior mineiro, parte para o Rio de Janeiro. Lá, desenvolve um dom: o de enganar as pessoas, e, consequentemente, a si mesmo. Acaba com sua família, decepcionando esposa e filha. Voltando à sua cidade natal, não consegue ajustar-se novamente à vida local.
No romance, tudo parece simples, banal, sem graça. Mas à medida que as pequenas vidas, na infinita grandeza de cada personagem, vão se enroscando, o leitor vive com sofreguidão e calmaria cada palavra, cada sonho realizado ou não, cada desilusão.
Já o erotismo aparece sutilmente, porém poderoso. Com seres mitológicos que remontam ao imaginário popular, Vilela faz com que busquemos as vontades e medos da nossa infância, da rua onde morávamos, daqueles que nos amedrontavam e nos instigavam. Mas são apenas alusões. O episódio da tentativa de sedução de Ramon tentado pela esposa de Leo é uma das passagens mais quentes da narrativa. Anote-se que Ramon, o narrador, é o melhor amigo de Leo, o protagonista. O subentendido basta para deixar o cheiro de sexo impregnado nas personagens, nas histórias contadas e naquelas que são escamoteadas.
Falas simples e curtas, problemas comuns e passíveis de serem encontrados em qualquer lugar. O diálogo e a simplicidade aparentes são marcas que engrandecem a obra de Luiz Vilela. Sem cair na banalidade, prendem o leitor, como se este mesmo estivesse conversando com as personagens. Os assuntos corriqueiros, o que leva quem os lê a pensar sobre a insignificância da vida e de si mesmo.
É como se o próprio Vilela, com voz calma e suave, contasse a história de um conhecido, uma história que prende do começo ao fim por ser profunda e densa. Mostrou a que veio: rasgar a veia da vida, que poreja de cada palavra deste poderoso romance.

terça-feira, 17 de julho de 2012

PERDIÇÃO: Resenha - 14

PERDIÇÃO, SILÊNCIOS E NUANCES


Anna Caroline Assis Fioravante

Mestranda no Mestrado em Letras da UFMS, Câmpus de Três Lagoas; integrante do GPLV- Grupo de Pesquisa Luiz Vilela;  email - annafioravante_@hotmail.com.



PERDIÇÃO
Luiz Vilela
Romance, 2011
Ed. Record
R$ 39,90


Luiz Vilela (Ituiutaba, MG, 1942) foi consagrado ainda jovem, aos 24 anos, recebendo o Prêmio Nacional de Ficção pelo livro de contos Tremor de Terra (1967). Como romancista, seu reconhecimento deu-se com os livros Os novos (1971) e Entre amigos (1983). No ano de 1968 foi premiado no II Concurso Nacional de Contos do Paraná e em 1974 ganhou o Prêmio Jabuti por O fim de tudo(1973).

Sua maestria está presente nos diálogos, cuja linguagem simples prende o leitor. Em entrevista ao programa Encontros de Interrogação, do Itaú Cultural, em 2011, Luiz Vilela afirmou que seu tema é o ser humano no mundo contemporâneo e sua matéria prima o cotidiano.

Depois de trabalhar no texto por doze anos, Luiz Vilela lançou, em dezembro de 2011, o romance Perdição. A narrativa foi concebida inicialmente como conto, tomou forma de uma novela e se transformou em um romance de quase quatrocentas páginas. Em Perdição, a realidade surge de forma desencantada, o universo social se regula pelas falsas aparências e muitas personagens padecem por falta de informação ou de preparo.

O romance aborda a vida de um jovem pescador conhecido como Leo. Rapaz cheio de indagações, de fala fácil e sedutora, herdada do pai. Convidado por Mistes Jones, líder de uma nova religião, torna-se pastor. O narrador da história é um amigo de Leo, Ramon, formado em Letras e redator-chefe de um jornal.

Leo muda-se da pequena Flor do Campo para o Rio de Janeiro. Pastor Pedro, como passa a ser chamado, realiza supostos milagres e é um sucesso. A partir daí, Leonardo tem sua vida mudada completamente, transformando-se de jovem pescador em um comerciante da fé, enriquecendo-se com a crença alheia.

Porém, em decorrência de um acidente com sua filha, as coisas começam a ruir. Leo entra em decadência moral e física, e retorna a Flor do Campo, onde, na forma de nudez, símbolo de pureza, escolhe, ou se entrega, ao seu destino.

O título das três partes em que o romance está dividido sugere a busca de Leo pelo sentido da vida. No primeiro, “O rapaz dos peixes”, a personagem surge questionando acerca da vida. Procura entender o motivo de ter nascido, e se indaga de qual seria seu papel neste mundo.

No segundo, ”Pastor das almas”, Leo torna-se uma pessoa totalmente diferente do simples pescador de vida pacata, que antes pescava peixes para seu sustento: agora pesca almas e dissemina uma nova religião. Por fim, “Ninguém”: nesta parte, após buscas frustradas, Leo percebe que o mundo é uma realidade inapreensível, cujos caminhos são areia movediça prestes a engolir a todos.

Tudo seria diferente se o jovem pescador não tivesse aceito o abraço de Mister Jones? Esse abraço que, no primeiro momento, parece caridoso, ao lembrar a figura de Jesus Cristo com seus braços abertos?

São vários os abraços no romance, e eles configuram sentidos que se cristalizam. Na figura de Mister Jones o abraço parece como um acolhimento e no de Moçalinda é um convite. Ah, a Moçalinda, a sereia mitológica do lago em que Leo e Ramon pescam... Os braços abertos, os sorrisos convidativos e o deslumbramento causado nas vítimas resultam em corpos boiando no lago.

Seria Mister Jones como a Moçalinda? Leo teria selado seu destino no momento em que aceitou o abraço ….ou seria convite?

É o convite para sua perdição.

A narrativa entremeia nuances e silêncios. Os fatos da vida de Leo surgem nuançados por silêncios, lacunas e contradições. O que se apreende não permite ao leitor discernir quais fatos realmente aconteceram daqueles que são lendas.

O silêncio provoca um vazio de sentidos, mesmo com as pessoas falando muito: quanto mais falam, mais os fatos ficam difusos, inapreensíveis. Ninguém tem certeza da verdade do que falam. Ramon escuta a maioria das conversas e responde com um simples “hum”. Talvez desinteresse, talvez soberba, talvez por não se importar com o pensamento das pessoas, talvez por saber serem informações sem compromisso com os fatos. O tom irônico da personagem, antes de se tornar narradora do romance, passa despercebido aos seus interlocutores.

Com um enredo de fatos triviais e a incerteza do que realmente acontece, pois os acontecimentos parecem tão só impressões de terceiros, Perdição é um romance de nuances e de silêncios perturbadores. Em tempo de certezas mutantes e vazias, nesse nosso tempo, de convicções frouxas e sem lastro, o romance de Luiz Vilela é um testemunho de leitura indispensável.




TRECHO DO ROMANCE

Poucos minutos depois, a chuva despencou. Corremos para debaixo da velha e imensa gameleira, e lá ficamos, sentados nas pedras, meio amuados, esperando a chuva passar - se é que ela passaria...
Foi então que Leo, não muito dado a reflexões, fez uma série de perguntas das quais eu, algum tempo depois e em mais de uma ocasião, me lembraria, pelo seu caráter premonitório.
[...]
Ele começou meio de repente:
“Para que a gente está aqui?”, perguntou.
“No lago?”, eu, por minha vez, perguntei.
“Não, ele disse, “no lago, não: aqui na Terra; aqui no mundo.”
[...]
“Será que eu vou ficar a vida inteira pescando? Será que, se eu fizer 90 anos, eu vou chegar lá arrastando um caniço na mão e uma rede na outra?”
Eu ri.
“Ou será que eu não descobri ainda a minha missão, como você disse? Às vezes Deus não me mostrou ainda qual é ela.”
“Então peça a ele que mostre logo e não fique enrolando.”
Ele riu.
(Luiz Vilela, Perdição, p.13-15).

sexta-feira, 6 de julho de 2012

LUIZ VILELA: 55 ANOS DE FICÇÃO - 6

LUIZ VILELA E ROBERTO DRUMMOND

Em 21 de junho completaram-se 10 anos da morte do escritor mineiro Roberto Drummond, o autor de, entre outros livros, Hilda Furacão, que originou uma das minisséries de maior sucesso da televisão brasileira.
Em 4 de julho de 2002, numa entrevista ao jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, Luiz Vilela disse sobre o escritor: “Roberto para mim foi um grande amigo. Era  amizade que vinha de longos anos, coisa rara no meio literário. Ele dizia  sempre para mim: ‘Vilela, sua festa é minha festa.’ Este espírito de festa  predominou."
Recentemente, lembrando a data, o Estado de Minas, no seu caderno EM Cultura, deu sobre ele uma reportagem de página dupla, reproduzida aqui, neste blog.
Também como uma forma de homenagem, damos abaixo duas crônicas de Roberto relacionadas a Luiz Vilela, uma foto em que os dois escritores e Murilo Rubião aparecem juntos, e a dedicatória a Vilela, escrita na primeira página de Hilda Furacão, por ocasião de um lançamento do livro em Uberaba.