terça-feira, 17 de julho de 2012

PERDIÇÃO: Resenha - 14

PERDIÇÃO, SILÊNCIOS E NUANCES


Anna Caroline Assis Fioravante

Mestranda no Mestrado em Letras da UFMS, Câmpus de Três Lagoas; integrante do GPLV- Grupo de Pesquisa Luiz Vilela;  email - annafioravante_@hotmail.com.



PERDIÇÃO
Luiz Vilela
Romance, 2011
Ed. Record
R$ 39,90


Luiz Vilela (Ituiutaba, MG, 1942) foi consagrado ainda jovem, aos 24 anos, recebendo o Prêmio Nacional de Ficção pelo livro de contos Tremor de Terra (1967). Como romancista, seu reconhecimento deu-se com os livros Os novos (1971) e Entre amigos (1983). No ano de 1968 foi premiado no II Concurso Nacional de Contos do Paraná e em 1974 ganhou o Prêmio Jabuti por O fim de tudo(1973).

Sua maestria está presente nos diálogos, cuja linguagem simples prende o leitor. Em entrevista ao programa Encontros de Interrogação, do Itaú Cultural, em 2011, Luiz Vilela afirmou que seu tema é o ser humano no mundo contemporâneo e sua matéria prima o cotidiano.

Depois de trabalhar no texto por doze anos, Luiz Vilela lançou, em dezembro de 2011, o romance Perdição. A narrativa foi concebida inicialmente como conto, tomou forma de uma novela e se transformou em um romance de quase quatrocentas páginas. Em Perdição, a realidade surge de forma desencantada, o universo social se regula pelas falsas aparências e muitas personagens padecem por falta de informação ou de preparo.

O romance aborda a vida de um jovem pescador conhecido como Leo. Rapaz cheio de indagações, de fala fácil e sedutora, herdada do pai. Convidado por Mistes Jones, líder de uma nova religião, torna-se pastor. O narrador da história é um amigo de Leo, Ramon, formado em Letras e redator-chefe de um jornal.

Leo muda-se da pequena Flor do Campo para o Rio de Janeiro. Pastor Pedro, como passa a ser chamado, realiza supostos milagres e é um sucesso. A partir daí, Leonardo tem sua vida mudada completamente, transformando-se de jovem pescador em um comerciante da fé, enriquecendo-se com a crença alheia.

Porém, em decorrência de um acidente com sua filha, as coisas começam a ruir. Leo entra em decadência moral e física, e retorna a Flor do Campo, onde, na forma de nudez, símbolo de pureza, escolhe, ou se entrega, ao seu destino.

O título das três partes em que o romance está dividido sugere a busca de Leo pelo sentido da vida. No primeiro, “O rapaz dos peixes”, a personagem surge questionando acerca da vida. Procura entender o motivo de ter nascido, e se indaga de qual seria seu papel neste mundo.

No segundo, ”Pastor das almas”, Leo torna-se uma pessoa totalmente diferente do simples pescador de vida pacata, que antes pescava peixes para seu sustento: agora pesca almas e dissemina uma nova religião. Por fim, “Ninguém”: nesta parte, após buscas frustradas, Leo percebe que o mundo é uma realidade inapreensível, cujos caminhos são areia movediça prestes a engolir a todos.

Tudo seria diferente se o jovem pescador não tivesse aceito o abraço de Mister Jones? Esse abraço que, no primeiro momento, parece caridoso, ao lembrar a figura de Jesus Cristo com seus braços abertos?

São vários os abraços no romance, e eles configuram sentidos que se cristalizam. Na figura de Mister Jones o abraço parece como um acolhimento e no de Moçalinda é um convite. Ah, a Moçalinda, a sereia mitológica do lago em que Leo e Ramon pescam... Os braços abertos, os sorrisos convidativos e o deslumbramento causado nas vítimas resultam em corpos boiando no lago.

Seria Mister Jones como a Moçalinda? Leo teria selado seu destino no momento em que aceitou o abraço ….ou seria convite?

É o convite para sua perdição.

A narrativa entremeia nuances e silêncios. Os fatos da vida de Leo surgem nuançados por silêncios, lacunas e contradições. O que se apreende não permite ao leitor discernir quais fatos realmente aconteceram daqueles que são lendas.

O silêncio provoca um vazio de sentidos, mesmo com as pessoas falando muito: quanto mais falam, mais os fatos ficam difusos, inapreensíveis. Ninguém tem certeza da verdade do que falam. Ramon escuta a maioria das conversas e responde com um simples “hum”. Talvez desinteresse, talvez soberba, talvez por não se importar com o pensamento das pessoas, talvez por saber serem informações sem compromisso com os fatos. O tom irônico da personagem, antes de se tornar narradora do romance, passa despercebido aos seus interlocutores.

Com um enredo de fatos triviais e a incerteza do que realmente acontece, pois os acontecimentos parecem tão só impressões de terceiros, Perdição é um romance de nuances e de silêncios perturbadores. Em tempo de certezas mutantes e vazias, nesse nosso tempo, de convicções frouxas e sem lastro, o romance de Luiz Vilela é um testemunho de leitura indispensável.




TRECHO DO ROMANCE

Poucos minutos depois, a chuva despencou. Corremos para debaixo da velha e imensa gameleira, e lá ficamos, sentados nas pedras, meio amuados, esperando a chuva passar - se é que ela passaria...
Foi então que Leo, não muito dado a reflexões, fez uma série de perguntas das quais eu, algum tempo depois e em mais de uma ocasião, me lembraria, pelo seu caráter premonitório.
[...]
Ele começou meio de repente:
“Para que a gente está aqui?”, perguntou.
“No lago?”, eu, por minha vez, perguntei.
“Não, ele disse, “no lago, não: aqui na Terra; aqui no mundo.”
[...]
“Será que eu vou ficar a vida inteira pescando? Será que, se eu fizer 90 anos, eu vou chegar lá arrastando um caniço na mão e uma rede na outra?”
Eu ri.
“Ou será que eu não descobri ainda a minha missão, como você disse? Às vezes Deus não me mostrou ainda qual é ela.”
“Então peça a ele que mostre logo e não fique enrolando.”
Ele riu.
(Luiz Vilela, Perdição, p.13-15).

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