sábado, 19 de novembro de 2016

Três Histórias Fantásticas - uma resenha

O FANTÁSTICO IRÔNICO EM LUIZ VILELA

Rodrigo Andrade Pereira (PG-UFMS)

O teórico da literatura Georg Lukács (1885-1971) afirma que o romance é o único gênero literário em que a ética do romancista converte-se em problema estético da obra. O romancista, novelista e contista Luiz Vilela nos parece estabelecer tal paradigma também no conto. Ele demonstra esse engenho e arte já em seu livro de estreia, Tremor de Terra, do qual saíram os três contos que compõem a coletânea Três Histórias Fantásticas, que acaba de ganhar uma segunda edição, pela Editora do SESI de São Paulo. A primeira edição saiu em 2009, pela Editora Scipione, com prefácio de Sérgio Rodrigues. Integram a antologia os contos “Imagem”, “O buraco” e “O fantasma”.
Vilela, nestas três histórias, todas elas com vasta fortuna crítica e muito elogiadas pela crítica especializada, faz o que há de melhor em sua contística, por meio de um problema estético expõe a sua ética, a sua reflexão filosófica, um olhar aguçado e atento para os problemas mais candentes da sociedade e, consequentemente, do ser humano. O escritor se vale, nesses contos, o que é uma constante que se apresenta em todos os seus livros, de uma verve altamente irônica, em gradações que vão do riso ao sarcasmo; também neles, como nas suas demais obras, verificamos uma profunda reflexão sobre a alma humana, por vezes até didática, acessível, mas sempre encantadora. Não é à toa que o livro, tanto a edição de 2009, quanto essa edição de 2016, foi escolhido pelo PNBE – Plano Nacional Biblioteca na Escola, como obra paradidática para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
Duas dessas histórias foram abordadas no trabalho de conclusão de curso de Fabiano Sorrequia Oliveira, intitulado O fantástico nos contos de Luiz Vilela. Yvonélio Nery Ferreira abordou o conto “O buraco”, no artigoAspectos relevantes sobre memória e identidade no conto "O buraco", de Luiz Vilela”, e o professor Rauer Ribeiro Rodrigues abordou o conto “Imagem” no artigo “O motivo do espelho em contos de Aluísio Azevedo, Machado de Assis , Guimarães Rosa e Luiz Vilela”. Outros estudos sobre os contos podem ser localizados no Blog sobre Luiz Vilela, em registro sobre o lançamento da segunda edição das Três Histórias Fantásticas, disponível na página < http://gpluizvilela.blogspot.com.br/2016/11/sesi-sp-lanca-2a-edicao-das-tres.html >.
A orelha do livro faz a seguinte apresentação dos contos: “Um jovem estranha sua imagem no espelho, sofre com isso, e sai então em busca de sua verdadeira identidade. Outro jovem, que vinha desde menino cavando um buraco no quintal de casa, vai perdendo a sua forma humana, tornando-se cada vez mais solitário. Um terceiro jovem, para fugir do Carnaval, viaja para um lugar deserto e lá, numa casa abandonada, encontra um fantasma. Três histórias surpreendentes, três histórias que, além de entreter, nos levam a pensar sobre os mistérios do ser humano, da vida e do mundo”.
O que nos chama a atenção nessas três histórias, primeiramente, é o narrador. Em todas as três narrativas temos um narrador autodiegético, o que, a nosso ver, contribui bastante com a identificação desses personagens narradores pelo público alvo dessa coletânea, o adolescente entre 13 e 16 anos. Todos os narradores são do sexo masculino, vivendo angústias e medos, a solidão e ─ paradoxalmente ─ o desejo da solidão, a falta de jeito e a ausência de vontade para se comunicar. Esse narrador, com tais características, é, ao nosso ver, um viés do arquinarrador de Luiz Vilela, e apresentam mecanismo narrativo que encontramos muitas vezes em suas outras obras, ao moldar o problema ético dos relacionamentos humanos no fundo estético dos caracteres comuns das personagens que coloca em cena.
São personagens comuns, vivendo dramas cotidianos, em narrativas coloquiais, de linguagem simples. O problema ético em pauta é o drama da vivência em sociedade enfrentado por seres arraigadamente insulares, em narrativas que se constroem na chave estética do fantástico, um subgênero literário de larga tradição, ainda que minoritário diante da avalanche neorrealista umbigocêntrica da maior parte da literatura brasileira, perfil, aliás, que jamais atraiu Luiz Vilela.
Nesses contos, o fantástico se dá pela relação que o narrador protagonista estabelece com algum tipo de “objeto”, algo em se agarra, para superar essa falta de comunicação. No primeiro conto, “Imagem”, um adolescente tem no espelho esse objeto, e é por meio dele que o protagonista irá refletir sobre a sua condição, a sua transição do mundo infantil para o mundo adulto. No segundo conto, “O buraco”, o protagonista “faz” o seu objeto, no caso um buraco no fundo de casa, onde passa a frequentar e por último morar nele, a ponto de se metamorfosear para se adequar àquele ambiente. No terceiro conto, “O fantasma”, o protagonista, o único que inicia a narrativa já na fase adulta, encontra em um fantasma, que, reza a lenda, andava assombrando a casa da fazenda do seu tio, alguém com quem possa conversar sobre as trivialidades da vida, em uma noite chuvosa.
Nas relações com os objetos, das quais nasce o fantástico, há uma forte ironia. Em “Imagem”, o espelho devolve ao protagonista não a sua imagem física, mas uma projeção do modo em que a personagem se vê no mundo que o rodeia ─ desse modo, o espelho se faz derrisão do social e dissolução do eu enunciador. Em “O buraco”, a toca do Zé que se transforma em tatu é abrigo que lhe retira da vida social e familiar, sendo representação do humano como inescapável misantropia. Em “O fantasma”, o fantasma é o homem frágil diante de um mundo perverso, pervertido, caótico, construído por homens sem alma, sem medo, sem inocência.
Em enredos de teor derrisório, irônicos e autoirônicos como esses, Luiz Vilela nunca se deixa levar pelo melodramático, pelo panfletário ou apela ao fantástico infantil-infantilizado dos contos de fada. Até no conto explicitamente marcado por uma retomada antropofágica de Franz Kafka ─ a óbvio no conto “A Metamorfose”, de modo subliminar com relação ao romance O Castelo, mas também e principalmente pela novela “O Covil” ─ , Vilela é dissonante, e entrega algo novo, com uma técnica unicamente sua.
Três histórias fantásticas já é um livro amplamente utilizado nas aulas de leitura com fins de análise textual e gramatical desde a sua primeira edição, em 2009. Registre-se, de passagem, que tal operacionalização da literatura, lida sem aparato literários e para outros fins da disciplina Língua Portuguesa, é um equívoco que afasta os estudantes do texto literário. Entretanto, como as narrativas de Luiz Vilela apresentam forte apelo diante do público infanto-juvenil, a leitura de obras como essa Três Histórias Fantásticas constituem excelente porta de entrada para outras obras literárias de qualidade.
O lançamento de 2009, esgotado, agora ganha, pela Editora do SESI de São Paulo, caprichada edição - e chega com inesgotável fôlego para uma nova geração. 

        Professores, vamos embora formar novos leitores? Luiz Vilela é sempre leitura obrigatória!

OBS.: Outras informações sobre os lançamentos de 2016 de Luiz 
Vilela, aqui e aqui.

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