"E daí?" − Daí
nada.
Luiz Vilela
Rio de Janeiro:
Ed. Record, 2016
Tamas Ribeiro Coelho
de Souza *
Conheço pouco, ou quase nada, do autor,
Luiz Vilela. Lembro vagamente do nome, talvez por causa daquela coleção
paradidática tão famosa na minha adolescência, "Para Gostar de Ler",
que reunia contos de diversos autores brasileiros. Esta ignorância tanto pode
ser uma vantagem ─ evita pré-julgamentos ─ quanto desvantagem ─ cria
expectativas distorcidas ou exageradas.
No caso, foi um pouco dos dois.
Influenciado pelo título do livro, esperava algo como um romance histórico,
cheio de referências a um Rio de Janeiro da época de Machado, talvez uma trama
meio detetivesca, envolvendo segredos e intrigas, conduzida por um investigador
diferente, um professor, um bibliotecário.
Não errei de todo, embora o livro esteja
longe de qualquer uma das duas coisas. Através do ponto de vista de Mac, um
jovem formado em Letras, ficamos sabendo da descoberta da existência de um filho
de Machado de Assis pelo professor Simão, espécie de tutor de Mac. A história é
narrada quase que de uma tomada só, através de um extenso diálogo entre os
dois.
O que poderia ser um problema ─ minhas
expectativas foram quebradas ─ transforma-se em uma prazerosa leitura. A
história é narrada em ritmo bastante ágil: diálogos precisos e curtos,
parágrafos pequenos, descrições breves. Difícil encontrar qualquer informação
ou dado inútil; tudo parece se encaixar. Mesmo dados históricos, não raro
cansativos em romances, no geral meras desculpas para exibição de conhecimento,
aqui cumprem uma função: ajudam a ambientar o leitor, talvez não tão conhecedor
de literatura, a entender a relevância da descoberta. Não tem somente esta
função: o diálogo se dá entre dois profissionais de Letras e o assunto é
literatura, logo é razoável que haja menções e referências à área.
O fato de ser um diálogo quase
ininterrupto também não cansa. Há digressões de Mac, o aluno, que tanto
contribuem para conhecer melhor a personagem quanto ajudam no ritmo da
história. Do mesmo modo, a conversa entre professor e pupilo flui de forma
natural: há piadas bobas, ironias, trocadilhos toscos, apelidos, mudanças de
assunto. Enfim, tudo que faz parte de um bate-papo entre amigos.
É através desse diálogo que conhecemos
melhor os dois: Mac, o aluno, e o professor Simão. O primeiro é jovem,
bem-humorado, parece não estar tão interessado na descoberta do professor,
talvez suspeitando que haja ali delírios ou exageros do velho. Compreende bem o
mestre, ouve-o com paciência, faz diversas perguntas, e abusa das brincadeiras
para descontrair. Simão é quase o oposto: sisudo, bem idoso, leva bastante a
sério sua descoberta e pesquisa. Esforça-se o tempo todo para evitar revelações
sobre sua descoberta, o que acaba virando uma espécie de piada interna entre
ambos.
Há outros detalhes que ajudam a conhecer
melhor as personagens; o professor, às vezes um pouco estereotipado, usa
palavras antiquadas: "erada", "sodalício",
"rubinácea". No entanto, o que mais chama a atenção é a total
ausência de uma linguagem politicamente correta, o que causa uma espécie de
apreensão em Mac, que a todo momento tenta corrigi-lo. O professor abusa de
palavras e comentários que hoje em dia soam preconceituosos.
Nada disso é gratuito, nem o professor é um
velho racista ou homofóbico, como uma leitura enviesada e burra poderia achar.
Na verdade, é só um traço comum de sua avançada idade. O diálogo ─ com seus muitos comentários filosóficos sobre a vida, casos sobre
outras pessoas, digressões do professor que acabam por irritar Mac ─ constroem um personagem idoso verossímil,
com manias, cacoetes e rabugices próprios dos octogenários.
Também
vamos conhecendo melhor Mac, a princípio irônico e condescendente com um velho
professor, e que demonstra carinho real pelo mestre. Seus comentários ao longo
da narrativa, quase como que seus pensamentos expostos em simultaneidade à
cena, evitam o cansaço de um diálogo quase que ininterrupto e nos ajudam a
entender o protagonista.
Assim, entre piadas, comentários
literários e a descrição da descoberta do professor, o enredo se desdobra sem
desgastar o leitor e vai se encaminhando para um final que, bem diferente das
minhas expectativas iniciais, se mostra quase que inevitável pelo andar da
narrativa. E aí fica um porém: a resolução do drama, até por certo inexorável pela
trama que o autor escolheu, se mostra um pouco forçada ─ introduzida quase que
no final, prejudica o desfecho, não pelo anticlímax, mas pela previsibilidade.
Tal aspecto, porém, nem de longe invalida
a leitura da novela, que, partindo de uma premissa muito interessante, chama
certamente a atenção de qualquer leitor, conhecedor de Vilela ou não. Acaba
sendo uma aula de como contar uma história de maneira eficaz, prazerosa, sem
pretensões exageradas, sejam de caráter histórico, filosófico ou moral. Luiz
Vilela parece simplesmente querer reproduzir o diálogo entre dois amigos, entre
um aluno e seu mestre, da forma mais natural possível, o que faz com maestria. Para
os que encontram nisto um demérito, talvez como Luana, a namorada de Mac, que
ao ser informada da descoberta do professor reage com um sonoro "E
daí?", deixo a mesma resposta de Mac: "Daí nada".
* Tamas Ribeiro Coelho de Souza,
Especialista em Lingüística
Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa pela UFF, professor de inglês na empresa
Cultura Inglesa- RJ, tamasrj@gmail.com.
Vilela é assim Prof.Tamas:o arquiteto do diálogo, Vilela, é desconcertante ao construir sua narrativa..Leia os livros ENTRE AMIGOS .GRAÇA . CABEÇA ....Ainda não tive oportunidade de ler O filho de Machado de Assis,.mas acredito que Vilela não foge deassistir seu estilo, mantendo e ampliando.
ResponderExcluirWania Majadas
Profa. Doutora em Teoria Literária