domingo, 20 de novembro de 2016

O filho de Machado de Assis - 7

"E daí?" − Daí nada.


Luiz Vilela
Rio de Janeiro: 
Ed. Record, 2016


Tamas Ribeiro Coelho de Souza *


Conheço pouco, ou quase nada, do autor, Luiz Vilela. Lembro vagamente do nome, talvez por causa daquela coleção paradidática tão famosa na minha adolescência, "Para Gostar de Ler", que reunia contos de diversos autores brasileiros. Esta ignorância tanto pode ser uma vantagem ─ evita pré-julgamentos ─ quanto desvantagem ─ cria expectativas distorcidas ou exageradas.
No caso, foi um pouco dos dois. Influenciado pelo título do livro, esperava algo como um romance histórico, cheio de referências a um Rio de Janeiro da época de Machado, talvez uma trama meio detetivesca, envolvendo segredos e intrigas, conduzida por um investigador diferente, um professor, um bibliotecário.
Não errei de todo, embora o livro esteja longe de qualquer uma das duas coisas. Através do ponto de vista de Mac, um jovem formado em Letras, ficamos sabendo da descoberta da existência de um filho de Machado de Assis pelo professor Simão, espécie de tutor de Mac. A história é narrada quase que de uma tomada só, através de um extenso diálogo entre os dois.
O que poderia ser um problema ─ minhas expectativas foram quebradas ─ transforma-se em uma prazerosa leitura. A história é narrada em ritmo bastante ágil: diálogos precisos e curtos, parágrafos pequenos, descrições breves. Difícil encontrar qualquer informação ou dado inútil; tudo parece se encaixar. Mesmo dados históricos, não raro cansativos em romances, no geral meras desculpas para exibição de conhecimento, aqui cumprem uma função: ajudam a ambientar o leitor, talvez não tão conhecedor de literatura, a entender a relevância da descoberta. Não tem somente esta função: o diálogo se dá entre dois profissionais de Letras e o assunto é literatura, logo é razoável que haja menções e referências à área.   
O fato de ser um diálogo quase ininterrupto também não cansa. Há digressões de Mac, o aluno, que tanto contribuem para conhecer melhor a personagem quanto ajudam no ritmo da história. Do mesmo modo, a conversa entre professor e pupilo flui de forma natural: há piadas bobas, ironias, trocadilhos toscos, apelidos, mudanças de assunto. Enfim, tudo que faz parte de um bate-papo entre amigos.
É através desse diálogo que conhecemos melhor os dois: Mac, o aluno, e o professor Simão. O primeiro é jovem, bem-humorado, parece não estar tão interessado na descoberta do professor, talvez suspeitando que haja ali delírios ou exageros do velho. Compreende bem o mestre, ouve-o com paciência, faz diversas perguntas, e abusa das brincadeiras para descontrair. Simão é quase o oposto: sisudo, bem idoso, leva bastante a sério sua descoberta e pesquisa. Esforça-se o tempo todo para evitar revelações sobre sua descoberta, o que acaba virando uma espécie de piada interna entre ambos.
Há outros detalhes que ajudam a conhecer melhor as personagens; o professor, às vezes um pouco estereotipado, usa palavras antiquadas: "erada", "sodalício", "rubinácea". No entanto, o que mais chama a atenção é a total ausência de uma linguagem politicamente correta, o que causa uma espécie de apreensão em Mac, que a todo momento tenta corrigi-lo. O professor abusa de palavras e comentários que hoje em dia soam preconceituosos.
Nada disso é gratuito, nem o professor é um velho racista ou homofóbico, como uma leitura enviesada e burra poderia achar. Na verdade, é só um traço comum de sua avançada idade. O diálogo ─ com seus muitos  comentários filosóficos sobre a vida, casos sobre outras pessoas, digressões do professor que acabam por irritar Mac ─ constroem um personagem idoso verossímil, com manias, cacoetes e rabugices próprios dos octogenários.
 Também vamos conhecendo melhor Mac, a princípio irônico e condescendente com um velho professor, e que demonstra carinho real pelo mestre. Seus comentários ao longo da narrativa, quase como que seus pensamentos expostos em simultaneidade à cena, evitam o cansaço de um diálogo quase que ininterrupto e nos ajudam a entender o protagonista.  
Assim, entre piadas, comentários literários e a descrição da descoberta do professor, o enredo se desdobra sem desgastar o leitor e vai se encaminhando para um final que, bem diferente das minhas expectativas iniciais, se mostra quase que inevitável pelo andar da narrativa. E aí fica um porém: a resolução do drama, até por certo inexorável pela trama que o autor escolheu, se mostra um pouco forçada  introduzida quase que no final, prejudica o desfecho, não pelo anticlímax, mas pela previsibilidade.
Tal aspecto, porém, nem de longe invalida a leitura da novela, que, partindo de uma premissa muito interessante, chama certamente a atenção de qualquer leitor, conhecedor de Vilela ou não. Acaba sendo uma aula de como contar uma história de maneira eficaz, prazerosa, sem pretensões exageradas, sejam de caráter histórico, filosófico ou moral. Luiz Vilela parece simplesmente querer reproduzir o diálogo entre dois amigos, entre um aluno e seu mestre, da forma mais natural possível, o que faz com maestria. Para os que encontram nisto um demérito, talvez como Luana, a namorada de Mac, que ao ser informada da descoberta do professor reage com um sonoro "E daí?", deixo a mesma resposta de Mac: "Daí nada".

* Tamas Ribeiro Coelho de Souza,
Especialista em Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa pela UFF, professor de inglês na empresa Cultura Inglesa- RJ, tamasrj@gmail.com

Um comentário:

  1. Vilela é assim Prof.Tamas:o arquiteto do diálogo, Vilela, é desconcertante ao construir sua narrativa..Leia os livros ENTRE AMIGOS .GRAÇA . CABEÇA ....Ainda não tive oportunidade de ler O filho de Machado de Assis,.mas acredito que Vilela não foge deassistir seu estilo, mantendo e ampliando.

    Wania Majadas
    Profa. Doutora em Teoria Literária

    ResponderExcluir