A literatura 'já era'?
José Carlos Zamboni
Nos EUA o livro "literário" está em queda, enquanto no Brasil o número de leitores cresceu
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Se nunca foi fácil viver de literatura, as dificuldades aumentaram a partir dos últimos cinquenta anos. Época de mudanças radicais, não somente cessou o que a antiga musa cantava; ela mesma foi substituída por outras, arrastando o público literário para outras praias, sedutoramente audiovisuais. Não deu outra. Os cursos
de Letras viraram cursos de letras... de música; os grandes poetas vivos são astros da MPB; e os romancistas já estão de malas prontas para a sétima arte, que logo será a primeira do ranking, posição que já ocupa nos países ricos.
Um velho jornalista brasileiro, Prudente de Moraes, escreveu em 1968 que, na bagagem liberada para esse “mundo novo”, não estariam o romance e a poesia, instrumentos obsoletos e desnecessários na futura ordem, já que o filme e a canção popular funcionariam infinitamente melhor como veículos da nova mentalidade (O Estado de S. Paulo, “Problemas de amanhã”, 1971, p. 9), ficando aqueles gêneros de museu restritos a uma minoria.
Nosso futurólogo parece perto de acertar, sobretudo quanto aos EUA. Quarenta anos depois, ou seja, há poucos meses, o famoso romancista americano Philip Roth, que sempre ganhou dinheiro com literatura séria, desabafou em recente entrevista: as telas, finalmente, venceram a batalha contra as páginas. Não há mais “a concentração, a solidão, a imaginação que o hábito da leitura exige... Perdemos a guerra. Dentro de vinte anos, a leitura será algo restrito a uma seita. Ler será hobby de uma minoria. Alguns criarão cachorros ou peixes tropicais, e outros lerão” (Folha de S. Paulo, “Mais”, 8/7/2008).
O escritor brasileiro Luiz Vilela, também estreando na década de 1960, teve destino diferente e chegou a outras conclusões. “Se algum dia descobrir que ela não tem mais sentido, eu paro. Por enquanto não descobri”, disse no começo da carreira (Estado de Minas, 29/6/67). Vitorioso em importante concurso literário, de início enfrentou a má vontade dos editores, que ainda o tratavam como estreante. Não poupou também os leitores (alienados), os críticos (anacrônicos) e os próprios escritores, cuja passividade escurecia ainda mais o quadro. [...]
Só em 1986, com quase vinte anos de estrada e nove livros na bagagem, além de antologias, publicações de contos em revistas, palestras em universidades e encontros literários, confessou que já poderia viver dos livros. (“Folhetim”, Folha de S.
Paulo, 20/3/1986). [...]
Na virada do século, com mais alguns títulos no currículo, Vilela via o conto “numa fase ótima, uma fase que faz lembrar a de 70, quando o conto dominou no cenário da literatura brasileira”. Terminou essa mesma entrevista com verdadeiro hino à literatura e ao escritor, à espera de algum Francisco Braga. Em 2004, reafirmou a mesma crença: ao contrário de “tantos vaticínios de que o livro vai morrer, de que a literatura acabou, você vê cadavez mais gente lançando livro”. [...]
Nos EUA, o livro “literário” estava e está em queda; daí a atitude de Roth. No Brasil, ao contrário, durante as últimas décadas – com inchaço demográfico e ensino de massa –, o número de leitores cresceu. O professor FHC jogou pesado em coedições, sempre com grandes tiragens. Eram obras didáticas e paradidáticas, destinadas a bibliotecas escolares, sem contar os livros indicados para vestibular e a literatura infanto-juvenil, também com público certo – para alegria dos escritores e maior, incomparavelmente maior, dos editores.
Se o estilo limpo de Vilela, próximo do coloquial, contribuiu para a reedição de algumas de suas obras em coleções para adolescentes, como já tinha sido responsável por sua boa presença em livros didáticos (que não rendem, mas divulgam o autor), o sucesso, no fundo, se devia à persistência profissional do escritor mineiro que, nas décadas de 1960 e 1970, fazia ouvidos de mercador quando ouvia aqueles sinos da agonia. É um estudo que está por ser feito: sobre a sobrevida da literatura brasileira em consequência do desenvolvimento horizontal da educação.
José Carlos Zamboni é docente da Faculdade de Ciências e Letras, câmpus de Assis, onde leciona Teoria Literária.
A íntegra deste artigo está no “Debate acadêmico” do Portal Unesp, no endereçohttp://www.unesp.br/aci/debate/literatura_ja_era.php
http://www.unesp.br/aci/jornal/247/suplec.php |
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