Luiz Vilela no encerramento da
4ª Semana Luiz Vilela, em
Ituiutaba (MG),
maio/2011. Foto de Pauliane Amaral, pertencente ao Arquivo do GPLV
O SONHADOR E O SOLITÁRIO
Rosana da Silva Araujo
mestranda em Letras na UFMS de Três Lagoas;
integra o GPLV –
Grupo de Pesquisa Luiz Vilela;
Perdição
Luiz Vilela
Romance,
2011
400
páginas
Ed.
Record
R$
39,90
O ficcionista mineiro Luiz Vilela lançou, em dezembro último, Perdição, seu quinto romance. Em Perdição,
o leitor visualiza vários temas característicos da obra de Luiz Vilela, como o
amor, o erotismo e a religião. O enredo, centrado na história de Leo, é narrado
por Ramon, um jornalista que trabalha em um jornal de uma pequena cidade
fictícia de Minas Gerais — Flor do Campo. Leo, pescador e amigo de infância do
narrador, diante da crise com a pesca aceita o convite de um grupo de pastores
para entrar na igreja liderada, no Rio de Janeiro, por Mister Jones.
O enredo — construído a partir da
ascensão e queda de Leo, em sua empreitada religiosa — é marcado por longos e
intensos diálogos, marca registrada de Vilela. Tais diálogos revelam a
realidade dos moradores da cidadezinha como um espelho da sociedade brasileira
na transição do segundo para o terceiro milênio: entre outros temas, sobressaem
a ambição, a angústia, o consumismo, a religião, a política e o individualismo.
Ramon, mesmo se pondo como o melhor
amigo do protagonista, narra a história de Leo com pouca ou quase nenhuma
proximidade, já que quase tudo chega a ele de maneira indireta, através das
especulações e conversas com outros moradores; entre esses estão Mosquito,
vendedor de pimentas na feira, e dona Nenzinha, proprietária da pensão na qual
Leo se hospeda, após retornar do Rio de Janeiro.
Os diálogos constroem pelo menos duas
histórias centrais simultâneas: a do solitário Ramon e a do sonhador Leo.
Ramon, ao narrar à história de Leo, entremostra sua própria vida, seus
pensamentos, sua relação com a sociedade, com os amigos e com as mulheres. Leo,
de pouco estudo formal, é inquieto, inteligente, questionador. É um sonhador,
que corre atrás de seus objetivos, mesmo diante das adversidades.
Ramon, ao buscar notícias de Leo,
deixa evidente sua solidão. Já no inicio da narrativa destaca não desejar se
casar ou ter filhos. São poucos os seus amigos — e entre o narrador e eles há
um fosso quanto à visão de mundo que professam. As diversas visões de mundo,
que assim surgem, geram entrechoque do qual nenhuma versão sobrevive. A
personagem revela outra característica da escrita de Vilela: o humor irônico.
Ramon é iconoclasta, sempre com uma piadinha ácida sobre todas as coisas, com o
que provoca o riso das demais personagens.
Perdição é livro indispensável para todos os
leitores, do estudioso da literatura ao leigo, pela diversidade de temas, pela
leveza da escrita e pela tensão dos diálogos.
Trecho:
Conversa entre Leo e Ramon,
durante
uma pescaria.
“Às vezes eu fico lá, no meio dessa água toda e
dessas matas, fico lá pensando essas coisas...”
Eu balancei a cabeça.
“De vez em quando um pássaro passa, atravessando
o lago, e eu tenho vontade de perguntar: ‘Aonde vais, pássaro? Aonde vais, tão
certo, tão seguro assim de teu destino?’”.
“O quê, hem, rapaz?..., eu disse, admirado.
Ele riu.
“Está virando poeta?”
“De vez em quando me vêm umas inspirações...”,
ele disse, meio envergonhado.
“Muito bem...”
Poís é... Mas”, ele prosseguiu, “eu fico vendo
esses pássaros, e ai eu penso: eu também queria estar assim, lá em cima,
voando, livre, em direção a alguma coisa...”
(VILELA, 2011, p.17-18)