Três integrantes do GPLV
participaram, na semana passada, de 19 a 23 de setembro, do XV ENCONTRO ABRALIC, Associação Brasileira de
Literatura Comparada. o evento
aconteceu no Rio de Janeiro, na UERJ, sob o
título "Experiências literárias, textualidades contemporâneas".
O coordenador do GPLV, Professor
Rauer Ribeiro Rodrigues, apresentou ─ no simpósio “Literatura e
Dissonância” ─ a comunicação “Cartas ao Pai: Vozes Dissonantes em Luiz Vilela e Franz Kafka”, escrita
em coautoria com a pós-doutoranda Eunice Prudenciano de Souza e o doutorando
Rodrigo Andrade Pereira.
No mesmo simpósio, a doutoranda
Pauliane Amaral apresentou a comunicação “A ausência do
narrador e o protagonismo das personagens em “O Que Cada Um Disse”, de Luiz
Vilela: entre cortes e enquadramentos”. Por outro lado, no simpósio “A História Da Literatura Como
Problema: Reflexões Sobre A Crise Permanente Nos Estudos Diacrônicos De
Literatura”, Pauliane Amaral apresentou a comunicação “O advento dos estudos
(auto)biográficos: entre a ascensão do privado e a identidade do autor”. Também
nesse simpósio, Rauer Ribeiro Rodrigues apresentou a comunicação “O conceito
de epifania: dissonâncias críticas”.
Por fim, a doutoranda Elcione
Ferreira Silva, no simpósio “Ficção Brasileira Contemporânea em
Perspectiva Comparatista”, apresentou a comunicação “Os Sentidos Dos Silêncios
Representados Pelas Personagens Protagonistas em Ricardo Ramos e Luiz Vilela”.
Veja, abaixo, os resumos dos
simpósios e das comunicações.
XV ENCONTRO ABRALIC
Simpósio: LITERATURA E DISSONÂNCIA
André
Dias (UFF), Marcos Pasche (UFRRJ)
e Rauer
Ribeiro Rodrigues (UFMS)
Resumo: A proposta do simpósio é examinar a
manifestação da dissonância em diferentes obras literárias das mais variadas
nacionalidades, com vistas a compreender o modo pelo qual alguns autores se
constituíram, através dos discursos literários, como vozes questionadoras de
seus tempos, sociedades e condições existenciais. O tema está associado aos
artistas e intelectuais que analisaram de maneira profunda aspectos primordiais
de diferentes épocas e construíram uma crítica contundente aos mais distintos
valores presentes nessas realidades sociais. A ideia central é abrir espaço
para o diálogo entre pesquisadores que investigam variados autores, cujas obras
expressam inquietações e questionamentos, tanto na esfera social, quanto na
ideológica ou na existencial. O que se espera é que os trabalhos apresentados
no âmbito do Simpósio Literatura e Dissonância discutam, entre outras questões,
o problema teórico do intelectual frente às variadas ideologias, quer sejam
elas hegemônicas ou não, e o problema histórico dos escritores diante do status
quo, manifestado na esfera da política, da moral, dos costumes, da economia,
etc. Mikhail Bakhtin, falando sobre o grande tempo histórico e o trabalho dos
escritores, chama atenção para o seguinte fato: “o próprio autor e os seus contemporâneos
veem, conscientizam e avaliam antes de tudo aquilo que está mais próximo do seu
dia de hoje. O autor é um prisioneiro de sua época, de sua atualidade. Os
tempos posteriores o libertam dessa prisão, e os estudos literários têm a
incumbência de ajudá-lo nessa libertação.” (BAKHTIN, 2003, p. 364). Sendo
assim, ao abordarmos a temática Literatura e Dissonância, temos clareza de que
todo autor, para o bem e para o mal, é antes de tudo um homem de seu tempo.
Desse modo, aos que se ocupam da investigação literária cabe a desafiadora
tarefa de, dialogicamente, atualizarem os diversos discursos literários
produzidos nos mais variados tempos e espaços históricos. Agindo assim, os
estudiosos da literatura contribuirão para manter a vivacidade de distintos autores
e suas obras. Sobre a criação romanesca, o pensador russo adverte que “o
autor-artista pré-encontra a personagem já dada independentemente do seu ato
puramente artístico, não pode gerar de si mesmo a personagem, esta não seria
convincente” (BAKHTIN, 2003, 183-184). Em outras palavras, nenhuma personagem é
fruto do gênio criador de um autor adâmico, pois a matéria de memória da
literatura está no mundo social, local de onde os escritores extraem os motivos
para criar. De maneira análoga, a palavra do outro é fundamental para a tomada
de consciência de si e do mundo, segundo aponta ainda Bakhtin: “como o corpo se
forma inicialmente no seio (corpo) materno, assim a consciência do homem
desperta envolvida pela consciência do outro” (BAKHTIN, 2003, p. 374). Dessa
forma, as premissas bakhtinianas apresentadas aqui fundamentam o
desenvolvimento das nossas reflexões e ajudam a ampliar os sentidos das
análises. O fórum, observada a perspectiva da dissonância no campo dos estudos
literários e do comparativismo, acata propostas que vão desde o enfoque do
ensino da literatura, passando pela questão do trabalho crítico, até chegar à
discussão teórica das experiências literárias e da diversidade de textualidades
contemporâneas. Seja no espaço das territorialidades, cujos limites se esvaem
diante da instantaneidade das comunicações globais, seja no âmbito do regional
esvaziado no mesmo diapasão ─ em que os
conceitos de literatura e de literariedade vigentes nos séculos XIX e XX perdem
sentido com as realizações e as propostas estéticas dos autores do século XXI ─, procura-se o dissonante na antiga ordem
hierarquizada, no recente e finado mundo bipolar ou no universo multilateral
que se instaura. Há que se considerar, ainda, estudos comparativos entre
autores que, mesmo distantes no tempo e no espaço, fixam a seu modo o
questionamento de valores hegemônicos e não hegemônicos. Tais autores,
independente se no espaço da prosa ou no da poesia, acabam por constituir uma
aproximação literária mediada pelo estado de permanente inquietação. Do ponto
de vista da historiografia literária, qualquer que seja o modo analítico
proposto, os problemas se sucedem, pois os últimos anos têm sido de
deslocamentos incessantes dos postulados teóricos. Tais deslocamentos
transformaram os embates com o mundo concreto cada vez mais inglórios,
considerando a acelerada mutabilidade das circunstâncias sociais, políticas,
históricas e das representações simbólicas, no âmbito das artes em geral e da
literatura em particular. Levantar questionamentos, de preferência
contundentes, e, eventualmente, produzir alguma conclusão, ainda que dissonante
e provisória, é o que se espera alcançar com o presente Grupo de Trabalho, cuja
sequência de participações na Abralic, sempre com intensa adesão dos colegas,
indica a importância e a pertinência do debate proposto.
Palavras-Chave: Dissonância; Literatura; Poesia; Prosa
Referências:
BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
DIAS, André. Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes. Niterói, RJ: Editora da UFF, 2012.
SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.
TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
TEZZA, Cristovão. O espírito da prosa: uma autobiografia literária. Rio de Janeiro; Record, 2012.
VARGAS LLOSA, Mário. A verdade das mentiras. Trad. Cordelia Magalhães São Paulo: ARX, 2004.
A AUSÊNCIA DO NARRADOR E O
PROTAGONISMO DAS PERSONAGENS EM “O QUE CADA UM DISSE”, DE LUIZ
VILELA: ENTRE CORTES E
ENQUADRAMENTOS
Pauliane
Amaral (UFMS)
Considerando
que cada autor edifica ao longo de sua obra uma determinada voz, associamos a
do escritor mineiro Luiz Vilela ao protagonismo do discurso direto como
estratagema narrativo. Essa peculiaridade, que transpassa grande parte dos
contos, romances e novelas do autor, é o ponto de partida para uma proposta de
leitura do conto “O que cada um disse”, que integra a coletânea Você Verá (2013) e que apresenta o
discurso direto em uma configuração diferente das já vistas em outras
narrativas do autor. Nesse conto, o diálogo entre as personagens se dá apenas
quando seus depoimentos surgem lado a lado e quando se percebe que essas
personagens se reportam a um mesmo interlocutor. Porém, além do interlocutor,
enunciado apenas por inferências coletadas nas pistas dadas pelo discurso de
cada personagem, há nesse conto o que Rauer Ribeiro Rodrigues – Faces do conto de Luiz Vilela (2006) –
chama de “narrador ausente”, quando há o apagando de qualquer marca de
enunciação do narrador. A ausência do narrador subsumido pelo testemunho gera
um efeito de sentido sui generis: permite às personagens representarem através
de suas falas diferentes esferas sociais, gêneros, faixa etária etc., gerando
na malha textual o que Mikhail Bakhtin chama de heterodiscurso. A dissonância encontrada
nas vozes dessas personagens surge do contraste entre cada “língua comum”, ou
seja, do contraste entre a linguagem falada e escrita em determinado círculo,
segundo a acepção de Bakhtin. Essa forma de narrativa dialoga, por sua vez, com
a linguagem cinematográfica, quando transforma o leitor em espectador, omitindo
(com exceção dos créditos iniciais, que no livro equivaleria ao nome do autor
impresso na capa do livro) a presença do narrador como um mediador, um
intermediário entre as escolhas do autor-criador e a fruição do leitor,
estreitando ao máximo a distância entre essas duas instâncias narrativas.
Prosseguindo com a analogia, podemos comparar os blocos narrativos do conto com
as cenas de um filme que, montadas em determinada sequência, dão ao leitor
instrumentos para apreender as camadas profundas da história. Mas o narrador
desse conto funciona menos como um diretor que orienta a ação dos
atores/personagens e mais como um editor, que seleciona o que será exibido ao
espectador/leitor. Assim, encontramos nesse conto recursos de linguagem também
compartilhados pelo cinema, como enquadramentos, planos, ângulos e movimentos
de câmera, só para citar alguns dos elencados por Marcel Martin em seu clássico
livro A linguagem cinematográfica
(1955). O movimento de edição, por exemplo, em que se selecionam trechos da
fala de cada personagem, remete ao momento do próprio exercício de criação,
àquele momento em que o autor-criador decide o que é essencial ou não ao seu
texto. Assim conjugadas, a força da oralidade da “língua comum” de cada
personagem, acrescidas da ausência de um narrador nos moldes convencionais (e
aqui pensamos nas categorias propostas por Gerárd Genette em 1972 no livro Figures III) e o empréstimo de recursos
da linguagem cinematográfica marca não só uma escolha estética, como um
posicionamento ético do autor-criador, que faz pulsar no texto diferentes vozes
sociais
CARTAS AO
PAI: VOZES DISSONANTES
EM LUIZ
VILELA E FRANZ KAFKA
Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS), Eunice Prudenciano
de Souza (UFMS) e Rodrigo Andrade Pereira (UFMS)
A proposta
deste artigo é estabelecer diálogo comparativo entre o texto epistolar Carta ao Pai (1919), de Franz Kafka, e o
conto, em formato epistolar, “Carta”, da coletânea O fim de tudo (1973), de Luiz Vilela. Observamos, no conto de Luiz
Vilela, a retomada da tradição do pater
families absolutista, paradigmática em Kafka, na clave da dissonância, pois
encena a releitura do acerto de contas fazendo do pai figura que paradoxalmente
oprime na ausência de autoridade, na fraqueza da inação. Para comprovar tal
perspectiva, utilizamos, como base teórica, o ensaio “Tradição e Talento
Individual” (1919), de T. S. Elliot, o livro Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes, de André Dias
(2012), e proposições de Ângela Maria Dias (1981) em O resgate da dissonância: sátira e projeto literário brasileiro.
Referências:
DIAS, Ângela
Maria. O resgate da dissonância: sátira e
projeto literário brasileiro. Rio de Janeiro: Antares; Inelivro, 1981.
DIAS, André.
Lima Barreto e Dostoiévski: vozes
dissonantes. Niterói, RJ: Editora da UFF, 2012.
ELIOT, T. S.
Tradição e talento individual. In: ______. Ensaios.
Trad., introdução e notas de Ivan Junqueira. São Paulo: Art, 1989. p. 37-48.
KAFKA,
Franz. Carta ao Pai. Trad. Modesto
Carone. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
VILELA,
Luiz. O fim de tudo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2016.
Simpósio: Ficção
Brasileira Contemporânea
Em Perspectiva
Comparatista
Anne
Begenat-Neuschaeffer (Aachen, Alemanha)
e Helena
Bonito C. Pereira (UPM)
Resumo: Atualmente, o acompanhamento da produção
literária parece exigir maior atenção por parte dos pesquisadores de teoria,
crítica e historiografia literárias, em razão da migração do espaço crítico dos
periódicos e de toda a mídia impressa para sites e blogs, com variáveis graus
de confiabilidade. A teorização sobre o nosso tempo, no contexto dos avanços
tecnológicos que interferem diretamente na veiculação dos produtos não deixa de
constituir um risco adicional ao desafio de tentar compreender os sentidos da
ficção no mundo contemporâneo. Esta proposta visa discutir aspectos da produção
ficcional brasileira publicada dos anos 70 até a atualidade, à luz da literatura
comparada, que aqui se compreende como território das múltiplas conexões tanto
entre textos de origens culturais diversas, quanto entre textos provenientes de
outras artes que suscitam diálogos com a literatura. A amplitude da proposta
exige delimitações que a tornem compatível com a duração de um simpósio, sem
prejuízo de possíveis desdobramentos no futuro. Dessa forma, a perspectiva
comparatista comporta duas vertentes, uma no sentido temporal e espacial,
abrigando estudos sobre literatura brasileira recente em relação a literaturas
lusófonas, em especial a portuguesa, a angolana e a moçambicana. Em outra
vertente, o simpósio acolherá trabalhos que examinem relações de textos
literários com outras formas artísticas, preferencialmente o cinema e a pintura.
Quanto aos textos ficcionais para discussão, espera-se que, em paralelo à
temática de ordem sócio-político-cultural, neles se identifiquem marcas
estéticas: consciência do fazer literário, reflexões sobre a linguagem,
construções metalinguísticas e intertextuais de vária ordem. Narradores
múltiplos e diferentes pontos de vista tanto podem contribuir para o
fragmentarismo formal, como podem assimilar vozes outrora excluídas. Quanto à
produção recente, não só no Brasil, os romances quase sempre se associam à vida
nas metrópoles, veiculando temas como a perda de identidade e de referências,
desagregação social e violência, em um contexto diferente do que ocorria sob a
repressão de regimes anteriores, mas não menos grave. Por outro lado, ainda há
lugar para a narrativa de caráter intimista, a expressão da subjetividade, a
“escrita do eu”, a autoficção, e ainda para reinvenções, como a do romance
histórico, por meio da metaficção historiográfica. Um romance é uma história
que se conta, portanto estão entre seus componentes essenciais uma trama
instigante em que atuem personagens consistentes, propiciando ao leitor a
possibilidade de reconhecer na ficção seres próximos da realidade humana. Esse
reconhecimento significa uma identificação de assentimento ou de negação, sendo
que esta última redunda no surgimento de anti-heróis, sobretudo no contexto das
metrópoles. Ao lado de espaços e tempos, elementos enriquecedores do conteúdo
narrado, destaca-se como componente essencial nesse conjunto a figura do
narrador, ou melhor, dos narradores. O narrador em 3ª pessoa, que tentava
enunciar de modo imparcial, ausentou-se decididamente da literatura
contemporânea. Hoje encontramos narradores múltiplos, expressando-se por meio
de vozes que se alternam entre 1ª e 3ª pessoa e que mergulham sem hesitar na
interioridade das personagens. São criativos, irônicos e não hesitam em expor o
estatuto da obra de ficção, ou seja, referem-se ao próprio fazer literário ou à
própria obra enquanto produção em andamento. A aguda autoconsciência, face
explícita da reflexividade, é um traço marcante não só da ficção literária,
como também da ficção cinematográfica, da pintura e de outras formas
artísticas. A redução do espaço da literatura no mundo da mídia encontra seu
contraponto nas numerosas “feiras” ou “festas” literárias e nas premiações que,
ano a ano, destacam escritores e obras das literaturas em língua portuguesa.
Mencionem-se, como corpora (sem
exclusividade) para os trabalhos deste simpósio, Cristóvão Tezza, Milton
Hatoum, Elvira Vigna, Luiz Ruffato no Brasil; Gonçalo M. Tavares, Lídia Jorge,
valter hugo mãe em Portugal; José Eduardo Agualusa, Pepetela em Angola; Paulina
Chiziane, Mia Couto, em Moçambique, e tantos outros, contemplados ou indicados
em prêmios (Oceanos, ex-Portugal-Telecom, Prêmio Jabuti, Prêmio Camões etc.) A
possibilidade de aproximar a literatura de outras realizações artísticas
comporta estudo de obras literárias como, por exemplo, Estorvo, Benjamim ou Budapeste, romances de Chico Buarque
recriados no cinema, e ainda, em outra perspectiva, os diálogos da narrativa
literária com a pintura, em Cinzas do
Norte, de M. Hatoum, ou O menino
oculto, de Godofredo de Oliveira Neto. Pretende-se, enfim, neste simpósio,
discutir a ficção contemporânea em perspectiva comparatista, por meio de seus
diálogos no mundo lusófono e em suas interações com outras formas
artísticas.
Palavras-Chave: literatura comparada; literaturas lusófonas; ficção contemporânea.
OS SENTIDOS
DOS SILÊNCIOS REPRESENTADOS
PELAS
PERSONAGENS PROTAGONISTAS EM
RICARDO
RAMOS E LUIZ VILELA
Elcione
Ferreira Silva (UFMS)
Resumo: A proposta desta comunicação é
traçar um paralelo entre a personagem Luzia, da novela Os caminhantes de Santa Luzia (1959), de Ricardo Ramos, com o
protagonista Leonardo, do romance Perdição
(2011), de Luiz Vilela. Os dois comungam de um mesmo padrão religioso, mas
ambos lidam de forma distinta com a palavra: é através do silêncio e, consequentemente,
do repúdio de Luzia à palavra, e da palavra esvaziada de sentido de Leonardo,
que os dois personagens “dialogam”. O silêncio é a construção de um espaço de
busca pelo ser; trata-se de silêncio paralelo à busca pelo sagrado, e a
construção do significado de tal silêncio. A novela Os Caminhantes de Santa Luzia é composta de quinze capítulos. O
drama vivido por Luzia é ambientado no Nordeste brasileiro, mais precisamente
na cidade de Santa Luzia, no estado de Alagoas. Luzia mostra suas chagas, ao
pagar penitência, passando em procissão em vários espaços. A sua marca de maior
percepção é o silêncio que a rodeia, seja nas poucas palavras, seja nas
situações protagonizadas. O romance Perdição
tem como enredo a transformação de um pescador chamado Leonardo, também
conhecido como Leo, em pastor religioso. Casado, é pai de uma menina. Na
adolescência, seu passatempo favorito, se não único, era pescar no lago, com o
melhor amigo, Ramon, que se torna jornalista e é um narrador testemunha. A
partir da trajetória do jovem pescador que se torna pastor, Luiz Vilela traça
um retrato desencantado da sociedade brasileira do início do século XXI. A
tessitura da narrativa é desvelada no silêncio das personagens. Como
fundamentação teórica nos valemos de As
formas do silêncio: no movimento dos sentidos, de Orlandi, (1997), de Imagens e símbolo, de Eliade (1991), de O sagrado e o profano, de Eliade (1992),
e Lima Barreto e o espaço romanesco,
de Osman Lins (1976).
Palavras-Chave:
Luiz Vilela; Ricardo Ramos; Sagrado; Silêncio.
A HISTÓRIA
DA LITERATURA COMO PROBLEMA:
REFLEXÕES
SOBRE A CRISE PERMANENTE NOS
ESTUDOS
DIACRÔNICOS DE LITERATURA
Constantino
Luz de Medeiros (UFMG) e Roberto
Acízelo Quelha
de Souza (UERJ)
Resumo: Desde o
surgimento do conceito moderno de história da literatura, no bojo do
cosmopolitismo e da conscientização histórica que insuflava os espíritos nas
primeiras décadas de 1800, os problemas relacionados à aproximação entre
história, teoria e crítica literárias já eram visíveis a muitos estudiosos.
August Wilhelm Schlegel, em seus Cursos
sobre Literatura Bela e Arte (1801-1804), afirma que a história da
literatura pode ser considerada uma ciência porque trata de um objeto no qual
ocorre um progresso infinito. No entanto, com as diversas ondas de contestação
da história a partir de meados do século XX, o discurso histórico, e nele se
enquadra igualmente o discurso sobre a história da literatura, passa a ser
motivo de desconfiança. O primeiro ataque, ocorrido já nas primeiras décadas de
1900, se dava por motivos estéticos, no âmbito da busca de autonomia por parte
das vanguardas modernistas. Após isso, as correntes críticas de filiação aos
estudos intrínsecos, como o formalismo russo, o estruturalismo, e a
desconfiança pós-estruturalista com as metanarrativas ou narrativas
totalizantes, a partir de 1960, tornam o terreno da história da literatura um
campo minado de radicalismos e distorções. Nesse ambiente, poucos ousam
empenhar-se na defesa da dimensão histórica da literatura, como os estudiosos
da estética da recepção. O panorama atual passa pelo surgimento do materialismo
cultural nos anos de 1980, o avanço dos estudos culturais, marxistas,
feministas, pós-coloniais, nos quais uma das grandes questões que se colocam é
a da representação das vozes oprimidas pelo discurso histórico hegemônico.
Diante de tais perspectivas, ainda seria possível falar em crise da história da
literatura, ou os estudos diacrônicos não fazem mais sentido? Se a história deve
ser lida a contrapelo, como compreendia Walter Benjamin, ou ainda como
constructo social e cultural de um discurso hegemônico, na conceitualização de
Foucault, então como compreender e delinear o que foram os discursos literários
do passado? Em outras palavras, faz ainda sentido estudar a história da
literatura? Esse Simpósio pretende levantar estas e outras questões
concernentes aos estudos diacrônicos de literatura.
Palavras-Chave: História da literatura; Estudos diacrônicos;
Literatura e história; A crise nos estudos de historiografia literária.
O ADVENTO
DOS ESTUDOS (AUTO)BIOGRÁFICOS: ENTRE
A ASCENSÃO
DO PRIVADO E A IDENTIDADE DO AUTOR
Pauliane
Amaral (UFMS)
Resumo: Se
considerarmos que toda ficção tem origem no processo de observação e criação de
um homem, entenderemos que toda literatura nasce de uma experiência individual.
No entanto, a reflexão sobre esse processo de apreensão e transformação da
experiência individual através da literatura ganhou novo impulso após a segunda
grande guerra, quando houve uma popularização dos testemunhos dos sobreviventes
do holocausto, como mostra Beatriz Sarlo no livro Tempo passado (2007). A emergência dos relatos, acrescida da
valorização do espaço privado, que acompanhou o nascimento do romance e o
início da idade moderna da literatura, proporcionaram condições ideais para a
criação de narrativas que refletem sobre as fronteiras entre a verdade e a imaginação.
Na literatura brasileira contemporânea são diversos os exemplos de livros que
jogam com o que Philippe Lejeune chamou de “pacto autobiográfico”, a exemplo
dos romances O filho eterno (2007),
de Cristovão Tezza, e Divórcio
(2013), de Ricardo Lísias. Hoje, o que vemos é o desmembramento da ficção
autobiográfica em outras subcategorias, como a autoficção. Essas novas designações
parecem tentar acompanhar o jogo performático dos autores contemporâneos, que emulam
uma aproximação entre a imagem do homem e a do criador. O que nos cabe
questionar nesse ponto de inflação e, poderíamos dizer, de saturação da ficção
autobiográfica é a pertinência da criação de novas nomenclaturas para
classificar as variantes do (auto)biográfico na literatura contemporânea.
Assim, refazemos o percurso de críticos ─ como Lejeune, Bourdieu, Gusdorf e Paul de Man ─ que se voltam para o estudo de narrativas em que
podemos vislumbrar um “pacto autobiográfico”, mostrando que pensar a ficção
autobiográfica na contemporaneidade é pensar a definição do espaço público e
privado, assim como a determinação da identidade do autor.
Palavras-chave: Autoria. Ficção autobiográfica. Historiografia literária. Identidade.
O CONCEITO
DE EPIFANIA: DISSONÂNCIAS CRÍTICAS
Rauer
Ribeiro Rodrigues (UFMS)
Os
dicionários informam que epifania tem origem no Grego, sendo formada pelo
prefixo EPI-, “sobre”, e PHAINEIN, “mostrar, aparecer”, significando
“manifestação, aparecimento dramático”. A palavra tem seu uso vincada pelo
campo semântico do religioso, em particular em páginas católicas, que não
recuperam o sentido original, pagão. Na antiguidade, o dia dedicado ao deus
Dionísio era o Dia da Epifania. Na Wikipédia, o verbete aglutina essas
vertentes: "é uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência
de algo. Também pode ser um termo usado para a realização de um sonho com
difícil realização. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para
indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e
agora consegue ver a imagem completa". O termo é aplicado quando um
pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser divino em natureza
(este é o uso em língua inglesa, principalmente, como na expressão "I just
had an epiphany", o que indica que ocorreu um pensamento, naquele
instante, que foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase
sobrenatural)". Os sentidos indicados decorrem de dicionários disponíveis
na internet e de outros sites. Nessa busca, também anotamos epifania se
referindo, no âmbito da literatura, a iluminação na vida da personagem e à
transformação íntima experimentada por leitores. Destaca-se, também, certo
sentido filosófico de haver uma compreensão da “essência das coisas” (em <
http://www.significados.com.br/epifania/ >). Temos, pois, uma visão do senso
comum quanto ao vocábulo. O significado do conceito, no âmbito da crítica
literária brasileira, incorporou essa ampla, diversificada e pouco precisa
dimensão que a palavra tomou em sua bimilenar trajetória. O conceito de
epifania literária foi proposto por James Joyce, a partir da leitura de Tomás
de Aquino, sendo bastante preciso. No Brasil, ampliou-se o sentido, visando
contemplar certo modo de narrar construído por Clarice Lispector. Na sequência,
passou a designar os mais diversos movimentos em que algo se desvela em um
texto literário. Ou seja, a partir de determinado momento, a epifania na
historiografia e na crítica literatura brasileira deixou de ser o conceito
joyceano e passou a ser a palavra do senso comum, pouco caracterizadora de um
modo de narrar. Tal circunstância retira a grandeza e especificidade de autores
como Clarice Lispector no concerto dos grandes autores da literatura mundial,
banaliza o conceito, empobrece os estudos literários e não permite que
visualizemos a riqueza do modo de narrar de outros grandes autores da
literatura brasileira. Em dissonância, pois, com a crítica, propomos, neste
artigo, que a epifania dramática, “auditiva”, de James Joyce, siga sendo
chamada de epifania, e que a assim chamada “epifania” visual de Clarice
Lispector receba outra denominação, assim como a “epifania” reflexiva de
narrativas intimistas (como a presente no conto “Tremor de terra”, de Luiz
Vilela) receba uma terceira denominação. Enfim, defendemos que os movimentos
narrativos específicos sejam especificados por denominação única, menos
genérica, para que os estudos literários descrevam de modo mais completo e mais
amplo a riqueza da literatura produzida no Brasil.
Abaixo, fotos dos integrantes do GPLV na Abralic:
Rauer, Marcos Pasche e André Dias, coordenadores do Simpósio "Literatura e Dissonância", com duas monitoras da Abralic |
Felipe Figueira (UFF), André Ramos (UFRRJ), Maria Clara Gonçalves (Unicamp) e Pauliane Amaral |
Pauliane Amaral (UFMS) durante sua fala, no Simpósio "Literatura e Dissonância" |
Elcione com integrantes do Simpósio "Ficção Brasileira Contemporânea Em Perspectiva Comparatista"; sentada, à direita, Helena Bonito C. Pereira, uma das coordenadoras |
Roberto Acízelo (UERJ), Rauer e Joana Muylaert (UFU), no Simpósio "A História da Literatura Como Problema: Reflexões Sobre a Crise Permanente nos Estudos Diacrônicos de Literatura"; (veja detalhes aqui) |
Rauer, ao coordenar uma mesa do Simpósio "Literatura e Dissonância" |
Fonte das fotos, aqui.
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