terça-feira, 27 de setembro de 2016

Pesquisadores do GPLV apresentam comunicações na ABRALIC

Três integrantes do GPLV participaram, na semana passada, de 19 a 23 de setembro, do XV ENCONTRO ABRALIC, Associação Brasileira de Literatura Comparada. o evento aconteceu no Rio de Janeiro, na UERJ, sob o título "Experiências literárias, textualidades contemporâneas"

O coordenador do GPLV, Professor Rauer Ribeiro Rodrigues, apresentou no simpósio “Literatura e Dissonância” a comunicação “Cartas ao Pai: Vozes Dissonantes em Luiz Vilela e Franz Kafka”, escrita em coautoria com a pós-doutoranda Eunice Prudenciano de Souza e o doutorando Rodrigo Andrade Pereira.

No mesmo simpósio, a doutoranda Pauliane Amaral apresentou a comunicação “A ausência do narrador e o protagonismo das personagens em “O Que Cada Um Disse”, de Luiz Vilela: entre cortes e enquadramentos”. Por outro lado, no simpósio “A História Da Literatura Como Problema: Reflexões Sobre A Crise Permanente Nos Estudos Diacrônicos De Literatura”, Pauliane Amaral apresentou a comunicação “O advento dos estudos (auto)biográficos: entre a ascensão do privado e a identidade do autor”. Também nesse simpósio, Rauer Ribeiro Rodrigues apresentou a comunicação “O conceito de epifania: dissonâncias críticas”.

Por fim, a doutoranda Elcione Ferreira Silva, no simpósio Ficção Brasileira Contemporânea em Perspectiva Comparatista”, apresentou a comunicação “Os Sentidos Dos Silêncios Representados Pelas Personagens Protagonistas em Ricardo Ramos e Luiz Vilela”.

Veja, abaixo, os resumos dos simpósios e das comunicações.

 

XV ENCONTRO ABRALIC


André Dias (UFF), Marcos Pasche (UFRRJ)
e Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS)

Resumo: A proposta do simpósio é examinar a manifestação da dissonância em diferentes obras literárias das mais variadas nacionalidades, com vistas a compreender o modo pelo qual alguns autores se constituíram, através dos discursos literários, como vozes questionadoras de seus tempos, sociedades e condições existenciais. O tema está associado aos artistas e intelectuais que analisaram de maneira profunda aspectos primordiais de diferentes épocas e construíram uma crítica contundente aos mais distintos valores presentes nessas realidades sociais. A ideia central é abrir espaço para o diálogo entre pesquisadores que investigam variados autores, cujas obras expressam inquietações e questionamentos, tanto na esfera social, quanto na ideológica ou na existencial. O que se espera é que os trabalhos apresentados no âmbito do Simpósio Literatura e Dissonância discutam, entre outras questões, o problema teórico do intelectual frente às variadas ideologias, quer sejam elas hegemônicas ou não, e o problema histórico dos escritores diante do status quo, manifestado na esfera da política, da moral, dos costumes, da economia, etc. Mikhail Bakhtin, falando sobre o grande tempo histórico e o trabalho dos escritores, chama atenção para o seguinte fato: “o próprio autor e os seus contemporâneos veem, conscientizam e avaliam antes de tudo aquilo que está mais próximo do seu dia de hoje. O autor é um prisioneiro de sua época, de sua atualidade. Os tempos posteriores o libertam dessa prisão, e os estudos literários têm a incumbência de ajudá-lo nessa libertação.” (BAKHTIN, 2003, p. 364). Sendo assim, ao abordarmos a temática Literatura e Dissonância, temos clareza de que todo autor, para o bem e para o mal, é antes de tudo um homem de seu tempo. Desse modo, aos que se ocupam da investigação literária cabe a desafiadora tarefa de, dialogicamente, atualizarem os diversos discursos literários produzidos nos mais variados tempos e espaços históricos. Agindo assim, os estudiosos da literatura contribuirão para manter a vivacidade de distintos autores e suas obras. Sobre a criação romanesca, o pensador russo adverte que “o autor-artista pré-encontra a personagem já dada independentemente do seu ato puramente artístico, não pode gerar de si mesmo a personagem, esta não seria convincente” (BAKHTIN, 2003, 183-184). Em outras palavras, nenhuma personagem é fruto do gênio criador de um autor adâmico, pois a matéria de memória da literatura está no mundo social, local de onde os escritores extraem os motivos para criar. De maneira análoga, a palavra do outro é fundamental para a tomada de consciência de si e do mundo, segundo aponta ainda Bakhtin: “como o corpo se forma inicialmente no seio (corpo) materno, assim a consciência do homem desperta envolvida pela consciência do outro” (BAKHTIN, 2003, p. 374). Dessa forma, as premissas bakhtinianas apresentadas aqui fundamentam o desenvolvimento das nossas reflexões e ajudam a ampliar os sentidos das análises. O fórum, observada a perspectiva da dissonância no campo dos estudos literários e do comparativismo, acata propostas que vão desde o enfoque do ensino da literatura, passando pela questão do trabalho crítico, até chegar à discussão teórica das experiências literárias e da diversidade de textualidades contemporâneas. Seja no espaço das territorialidades, cujos limites se esvaem diante da instantaneidade das comunicações globais, seja no âmbito do regional esvaziado no mesmo diapasão em que os conceitos de literatura e de literariedade vigentes nos séculos XIX e XX perdem sentido com as realizações e as propostas estéticas dos autores do século XXI , procura-se o dissonante na antiga ordem hierarquizada, no recente e finado mundo bipolar ou no universo multilateral que se instaura. Há que se considerar, ainda, estudos comparativos entre autores que, mesmo distantes no tempo e no espaço, fixam a seu modo o questionamento de valores hegemônicos e não hegemônicos. Tais autores, independente se no espaço da prosa ou no da poesia, acabam por constituir uma aproximação literária mediada pelo estado de permanente inquietação. Do ponto de vista da historiografia literária, qualquer que seja o modo analítico proposto, os problemas se sucedem, pois os últimos anos têm sido de deslocamentos incessantes dos postulados teóricos. Tais deslocamentos transformaram os embates com o mundo concreto cada vez mais inglórios, considerando a acelerada mutabilidade das circunstâncias sociais, políticas, históricas e das representações simbólicas, no âmbito das artes em geral e da literatura em particular. Levantar questionamentos, de preferência contundentes, e, eventualmente, produzir alguma conclusão, ainda que dissonante e provisória, é o que se espera alcançar com o presente Grupo de Trabalho, cuja sequência de participações na Abralic, sempre com intensa adesão dos colegas, indica a importância e a pertinência do debate proposto. 

Palavras-Chave: Dissonância; Literatura; Poesia; Prosa

Referências:

BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Cia das Letras, 2002. 

DIAS, André. Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes. Niterói, RJ: Editora da UFF, 2012.

SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989. 

TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. 

TEZZA, Cristovão. O espírito da prosa: uma autobiografia literária. Rio de Janeiro; Record, 2012. 

VARGAS LLOSA, Mário. A verdade das mentiras. Trad. Cordelia Magalhães São Paulo: ARX, 2004.


A AUSÊNCIA DO NARRADOR E O PROTAGONISMO DAS PERSONAGENS EM “O QUE CADA UM DISSE”, DE LUIZ
VILELA: ENTRE CORTES E ENQUADRAMENTOS

Pauliane Amaral (UFMS)

Considerando que cada autor edifica ao longo de sua obra uma determinada voz, associamos a do escritor mineiro Luiz Vilela ao protagonismo do discurso direto como estratagema narrativo. Essa peculiaridade, que transpassa grande parte dos contos, romances e novelas do autor, é o ponto de partida para uma proposta de leitura do conto “O que cada um disse”, que integra a coletânea Você Verá (2013) e que apresenta o discurso direto em uma configuração diferente das já vistas em outras narrativas do autor. Nesse conto, o diálogo entre as personagens se dá apenas quando seus depoimentos surgem lado a lado e quando se percebe que essas personagens se reportam a um mesmo interlocutor. Porém, além do interlocutor, enunciado apenas por inferências coletadas nas pistas dadas pelo discurso de cada personagem, há nesse conto o que Rauer Ribeiro Rodrigues – Faces do conto de Luiz Vilela (2006) – chama de “narrador ausente”, quando há o apagando de qualquer marca de enunciação do narrador. A ausência do narrador subsumido pelo testemunho gera um efeito de sentido sui generis: permite às personagens representarem através de suas falas diferentes esferas sociais, gêneros, faixa etária etc., gerando na malha textual o que Mikhail Bakhtin chama de heterodiscurso. A dissonância encontrada nas vozes dessas personagens surge do contraste entre cada “língua comum”, ou seja, do contraste entre a linguagem falada e escrita em determinado círculo, segundo a acepção de Bakhtin. Essa forma de narrativa dialoga, por sua vez, com a linguagem cinematográfica, quando transforma o leitor em espectador, omitindo (com exceção dos créditos iniciais, que no livro equivaleria ao nome do autor impresso na capa do livro) a presença do narrador como um mediador, um intermediário entre as escolhas do autor-criador e a fruição do leitor, estreitando ao máximo a distância entre essas duas instâncias narrativas. Prosseguindo com a analogia, podemos comparar os blocos narrativos do conto com as cenas de um filme que, montadas em determinada sequência, dão ao leitor instrumentos para apreender as camadas profundas da história. Mas o narrador desse conto funciona menos como um diretor que orienta a ação dos atores/personagens e mais como um editor, que seleciona o que será exibido ao espectador/leitor. Assim, encontramos nesse conto recursos de linguagem também compartilhados pelo cinema, como enquadramentos, planos, ângulos e movimentos de câmera, só para citar alguns dos elencados por Marcel Martin em seu clássico livro A linguagem cinematográfica (1955). O movimento de edição, por exemplo, em que se selecionam trechos da fala de cada personagem, remete ao momento do próprio exercício de criação, àquele momento em que o autor-criador decide o que é essencial ou não ao seu texto. Assim conjugadas, a força da oralidade da “língua comum” de cada personagem, acrescidas da ausência de um narrador nos moldes convencionais (e aqui pensamos nas categorias propostas por Gerárd Genette em 1972 no livro Figures III) e o empréstimo de recursos da linguagem cinematográfica marca não só uma escolha estética, como um posicionamento ético do autor-criador, que faz pulsar no texto diferentes vozes sociais


CARTAS AO PAI: VOZES DISSONANTES
EM LUIZ VILELA E FRANZ KAFKA

Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS), Eunice Prudenciano de Souza (UFMS) e Rodrigo Andrade Pereira (UFMS)

A proposta deste artigo é estabelecer diálogo comparativo entre o texto epistolar Carta ao Pai (1919), de Franz Kafka, e o conto, em formato epistolar, “Carta”, da coletânea O fim de tudo (1973), de Luiz Vilela. Observamos, no conto de Luiz Vilela, a retomada da tradição do pater families absolutista, paradigmática em Kafka, na clave da dissonância, pois encena a releitura do acerto de contas fazendo do pai figura que ­­paradoxalmente oprime na ausência de autoridade, na fraqueza da inação. Para comprovar tal perspectiva, utilizamos, como base teórica, o ensaio “Tradição e Talento Individual” (1919), de T. S. Elliot, o livro Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes, de André Dias (2012), e proposições de Ângela Maria Dias (1981) em O resgate da dissonância: sátira e projeto literário brasileiro.

Referências:

DIAS, Ângela Maria. O resgate da dissonância: sátira e projeto literário brasileiro. Rio de Janeiro: Antares; Inelivro, 1981.

DIAS, André. Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes. Niterói, RJ: Editora da UFF, 2012.

ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. In: ______. Ensaios. Trad., introdução e notas de Ivan Junqueira. São Paulo: Art, 1989. p. 37-48.

KAFKA, Franz. Carta ao Pai. Trad. Modesto Carone. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

VILELA, Luiz. O fim de tudo. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.


Simpósio: Ficção Brasileira Contemporânea
Em Perspectiva Comparatista

Anne Begenat-Neuschaeffer (Aachen, Alemanha)
e Helena Bonito C. Pereira (UPM)

Resumo: Atualmente, o acompanhamento da produção literária parece exigir maior atenção por parte dos pesquisadores de teoria, crítica e historiografia literárias, em razão da migração do espaço crítico dos periódicos e de toda a mídia impressa para sites e blogs, com variáveis graus de confiabilidade. A teorização sobre o nosso tempo, no contexto dos avanços tecnológicos que interferem diretamente na veiculação dos produtos não deixa de constituir um risco adicional ao desafio de tentar compreender os sentidos da ficção no mundo contemporâneo. Esta proposta visa discutir aspectos da produção ficcional brasileira publicada dos anos 70 até a atualidade, à luz da literatura comparada, que aqui se compreende como território das múltiplas conexões tanto entre textos de origens culturais diversas, quanto entre textos provenientes de outras artes que suscitam diálogos com a literatura. A amplitude da proposta exige delimitações que a tornem compatível com a duração de um simpósio, sem prejuízo de possíveis desdobramentos no futuro. Dessa forma, a perspectiva comparatista comporta duas vertentes, uma no sentido temporal e espacial, abrigando estudos sobre literatura brasileira recente em relação a literaturas lusófonas, em especial a portuguesa, a angolana e a moçambicana. Em outra vertente, o simpósio acolherá trabalhos que examinem relações de textos literários com outras formas artísticas, preferencialmente o cinema e a pintura. Quanto aos textos ficcionais para discussão, espera-se que, em paralelo à temática de ordem sócio-político-cultural, neles se identifiquem marcas estéticas: consciência do fazer literário, reflexões sobre a linguagem, construções metalinguísticas e intertextuais de vária ordem. Narradores múltiplos e diferentes pontos de vista tanto podem contribuir para o fragmentarismo formal, como podem assimilar vozes outrora excluídas. Quanto à produção recente, não só no Brasil, os romances quase sempre se associam à vida nas metrópoles, veiculando temas como a perda de identidade e de referências, desagregação social e violência, em um contexto diferente do que ocorria sob a repressão de regimes anteriores, mas não menos grave. Por outro lado, ainda há lugar para a narrativa de caráter intimista, a expressão da subjetividade, a “escrita do eu”, a autoficção, e ainda para reinvenções, como a do romance histórico, por meio da metaficção historiográfica. Um romance é uma história que se conta, portanto estão entre seus componentes essenciais uma trama instigante em que atuem personagens consistentes, propiciando ao leitor a possibilidade de reconhecer na ficção seres próximos da realidade humana. Esse reconhecimento significa uma identificação de assentimento ou de negação, sendo que esta última redunda no surgimento de anti-heróis, sobretudo no contexto das metrópoles. Ao lado de espaços e tempos, elementos enriquecedores do conteúdo narrado, destaca-se como componente essencial nesse conjunto a figura do narrador, ou melhor, dos narradores. O narrador em 3ª pessoa, que tentava enunciar de modo imparcial, ausentou-se decididamente da literatura contemporânea. Hoje encontramos narradores múltiplos, expressando-se por meio de vozes que se alternam entre 1ª e 3ª pessoa e que mergulham sem hesitar na interioridade das personagens. São criativos, irônicos e não hesitam em expor o estatuto da obra de ficção, ou seja, referem-se ao próprio fazer literário ou à própria obra enquanto produção em andamento. A aguda autoconsciência, face explícita da reflexividade, é um traço marcante não só da ficção literária, como também da ficção cinematográfica, da pintura e de outras formas artísticas. A redução do espaço da literatura no mundo da mídia encontra seu contraponto nas numerosas “feiras” ou “festas” literárias e nas premiações que, ano a ano, destacam escritores e obras das literaturas em língua portuguesa. Mencionem-se, como corpora (sem exclusividade) para os trabalhos deste simpósio, Cristóvão Tezza, Milton Hatoum, Elvira Vigna, Luiz Ruffato no Brasil; Gonçalo M. Tavares, Lídia Jorge, valter hugo mãe em Portugal; José Eduardo Agualusa, Pepetela em Angola; Paulina Chiziane, Mia Couto, em Moçambique, e tantos outros, contemplados ou indicados em prêmios (Oceanos, ex-Portugal-Telecom, Prêmio Jabuti, Prêmio Camões etc.) A possibilidade de aproximar a literatura de outras realizações artísticas comporta estudo de obras literárias como, por exemplo, Estorvo, Benjamim ou Budapeste, romances de Chico Buarque recriados no cinema, e ainda, em outra perspectiva, os diálogos da narrativa literária com a pintura, em Cinzas do Norte, de M. Hatoum, ou O menino oculto, de Godofredo de Oliveira Neto. Pretende-se, enfim, neste simpósio, discutir a ficção contemporânea em perspectiva comparatista, por meio de seus diálogos no mundo lusófono e em suas interações com outras formas artísticas. 

Palavras-Chave: literatura comparada; literaturas lusófonas; ficção contemporânea.


OS SENTIDOS DOS SILÊNCIOS REPRESENTADOS
PELAS PERSONAGENS PROTAGONISTAS EM
RICARDO RAMOS E LUIZ VILELA

Elcione Ferreira Silva (UFMS) 

Resumo: A proposta desta comunicação é traçar um paralelo entre a personagem Luzia, da novela Os caminhantes de Santa Luzia (1959), de Ricardo Ramos, com o protagonista Leonardo, do romance Perdição (2011), de Luiz Vilela. Os dois comungam de um mesmo padrão religioso, mas ambos lidam de forma distinta com a palavra: é através do silêncio e, consequentemente, do repúdio de Luzia à palavra, e da palavra esvaziada de sentido de Leonardo, que os dois personagens “dialogam”. O silêncio é a construção de um espaço de busca pelo ser; trata-se de silêncio paralelo à busca pelo sagrado, e a construção do significado de tal silêncio. A novela Os Caminhantes de Santa Luzia é composta de quinze capítulos. O drama vivido por Luzia é ambientado no Nordeste brasileiro, mais precisamente na cidade de Santa Luzia, no estado de Alagoas. Luzia mostra suas chagas, ao pagar penitência, passando em procissão em vários espaços. A sua marca de maior percepção é o silêncio que a rodeia, seja nas poucas palavras, seja nas situações protagonizadas. O romance Perdição tem como enredo a transformação de um pescador chamado Leonardo, também conhecido como Leo, em pastor religioso. Casado, é pai de uma menina. Na adolescência, seu passatempo favorito, se não único, era pescar no lago, com o melhor amigo, Ramon, que se torna jornalista e é um narrador testemunha. A partir da trajetória do jovem pescador que se torna pastor, Luiz Vilela traça um retrato desencantado da sociedade brasileira do início do século XXI. A tessitura da narrativa é desvelada no silêncio das personagens. Como fundamentação teórica nos valemos de As formas do silêncio: no movimento dos sentidos, de Orlandi, (1997), de Imagens e símbolo, de Eliade (1991), de O sagrado e o profano, de Eliade (1992), e Lima Barreto e o espaço romanesco, de Osman Lins (1976).

Palavras-Chave: Luiz Vilela; Ricardo Ramos; Sagrado; Silêncio.


A HISTÓRIA DA LITERATURA COMO PROBLEMA:
REFLEXÕES SOBRE A CRISE PERMANENTE NOS
ESTUDOS DIACRÔNICOS DE LITERATURA

Constantino Luz de Medeiros (UFMG) e Roberto
Acízelo Quelha de Souza (UERJ)

Resumo: Desde o surgimento do conceito moderno de história da literatura, no bojo do cosmopolitismo e da conscientização histórica que insuflava os espíritos nas primeiras décadas de 1800, os problemas relacionados à aproximação entre história, teoria e crítica literárias já eram visíveis a muitos estudiosos. August Wilhelm Schlegel, em seus Cursos sobre Literatura Bela e Arte (1801-1804), afirma que a história da literatura pode ser considerada uma ciência porque trata de um objeto no qual ocorre um progresso infinito. No entanto, com as diversas ondas de contestação da história a partir de meados do século XX, o discurso histórico, e nele se enquadra igualmente o discurso sobre a história da literatura, passa a ser motivo de desconfiança. O primeiro ataque, ocorrido já nas primeiras décadas de 1900, se dava por motivos estéticos, no âmbito da busca de autonomia por parte das vanguardas modernistas. Após isso, as correntes críticas de filiação aos estudos intrínsecos, como o formalismo russo, o estruturalismo, e a desconfiança pós-estruturalista com as metanarrativas ou narrativas totalizantes, a partir de 1960, tornam o terreno da história da literatura um campo minado de radicalismos e distorções. Nesse ambiente, poucos ousam empenhar-se na defesa da dimensão histórica da literatura, como os estudiosos da estética da recepção. O panorama atual passa pelo surgimento do materialismo cultural nos anos de 1980, o avanço dos estudos culturais, marxistas, feministas, pós-coloniais, nos quais uma das grandes questões que se colocam é a da representação das vozes oprimidas pelo discurso histórico hegemônico. Diante de tais perspectivas, ainda seria possível falar em crise da história da literatura, ou os estudos diacrônicos não fazem mais sentido? Se a história deve ser lida a contrapelo, como compreendia Walter Benjamin, ou ainda como constructo social e cultural de um discurso hegemônico, na conceitualização de Foucault, então como compreender e delinear o que foram os discursos literários do passado? Em outras palavras, faz ainda sentido estudar a história da literatura? Esse Simpósio pretende levantar estas e outras questões concernentes aos estudos diacrônicos de literatura.

Palavras-Chave: História da literatura; Estudos diacrônicos; Literatura e história; A crise nos estudos de historiografia literária.


O ADVENTO DOS ESTUDOS (AUTO)BIOGRÁFICOS: ENTRE
A ASCENSÃO DO PRIVADO E A IDENTIDADE DO AUTOR

Pauliane Amaral (UFMS) 

Resumo: Se considerarmos que toda ficção tem origem no processo de observação e criação de um homem, entenderemos que toda literatura nasce de uma experiência individual. No entanto, a reflexão sobre esse processo de apreensão e transformação da experiência individual através da literatura ganhou novo impulso após a segunda grande guerra, quando houve uma popularização dos testemunhos dos sobreviventes do holocausto, como mostra Beatriz Sarlo no livro Tempo passado (2007). A emergência dos relatos, acrescida da valorização do espaço privado, que acompanhou o nascimento do romance e o início da idade moderna da literatura, proporcionaram condições ideais para a criação de narrativas que refletem sobre as fronteiras entre a verdade e a imaginação. Na literatura brasileira contemporânea são diversos os exemplos de livros que jogam com o que Philippe Lejeune chamou de “pacto autobiográfico”, a exemplo dos romances O filho eterno (2007), de Cristovão Tezza, e Divórcio (2013), de Ricardo Lísias. Hoje, o que vemos é o desmembramento da ficção autobiográfica em outras subcategorias, como a autoficção. Essas novas designações parecem tentar acompanhar o jogo performático dos autores contemporâneos, que emulam uma aproximação entre a imagem do homem e a do criador. O que nos cabe questionar nesse ponto de inflação e, poderíamos dizer, de saturação da ficção autobiográfica é a pertinência da criação de novas nomenclaturas para classificar as variantes do (auto)biográfico na literatura contemporânea. Assim, refazemos o percurso de críticos como Lejeune, Bourdieu, Gusdorf e Paul de Man que se voltam para o estudo de narrativas em que podemos vislumbrar um “pacto autobiográfico”, mostrando que pensar a ficção autobiográfica na contemporaneidade é pensar a definição do espaço público e privado, assim como a determinação da identidade do autor.

Palavras-chave: Autoria. Ficção autobiográfica. Historiografia literária. Identidade.


O CONCEITO DE EPIFANIA: DISSONÂNCIAS CRÍTICAS

Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS)

Os dicionários informam que epifania tem origem no Grego, sendo formada pelo prefixo EPI-, “sobre”, e PHAINEIN, “mostrar, aparecer”, significando “manifestação, aparecimento dramático”. A palavra tem seu uso vincada pelo campo semântico do religioso, em particular em páginas católicas, que não recuperam o sentido original, pagão. Na antiguidade, o dia dedicado ao deus Dionísio era o Dia da Epifania. Na Wikipédia, o verbete aglutina essas vertentes: "é uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo. Também pode ser um termo usado para a realização de um sonho com difícil realização. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa". O termo é aplicado quando um pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser divino em natureza (este é o uso em língua inglesa, principalmente, como na expressão "I just had an epiphany", o que indica que ocorreu um pensamento, naquele instante, que foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural)". Os sentidos indicados decorrem de dicionários disponíveis na internet e de outros sites. Nessa busca, também anotamos epifania se referindo, no âmbito da literatura, a iluminação na vida da personagem e à transformação íntima experimentada por leitores. Destaca-se, também, certo sentido filosófico de haver uma compreensão da “essência das coisas” (em < http://www.significados.com.br/epifania/ >). Temos, pois, uma visão do senso comum quanto ao vocábulo. O significado do conceito, no âmbito da crítica literária brasileira, incorporou essa ampla, diversificada e pouco precisa dimensão que a palavra tomou em sua bimilenar trajetória. O conceito de epifania literária foi proposto por James Joyce, a partir da leitura de Tomás de Aquino, sendo bastante preciso. No Brasil, ampliou-se o sentido, visando contemplar certo modo de narrar construído por Clarice Lispector. Na sequência, passou a designar os mais diversos movimentos em que algo se desvela em um texto literário. Ou seja, a partir de determinado momento, a epifania na historiografia e na crítica literatura brasileira deixou de ser o conceito joyceano e passou a ser a palavra do senso comum, pouco caracterizadora de um modo de narrar. Tal circunstância retira a grandeza e especificidade de autores como Clarice Lispector no concerto dos grandes autores da literatura mundial, banaliza o conceito, empobrece os estudos literários e não permite que visualizemos a riqueza do modo de narrar de outros grandes autores da literatura brasileira. Em dissonância, pois, com a crítica, propomos, neste artigo, que a epifania dramática, “auditiva”, de James Joyce, siga sendo chamada de epifania, e que a assim chamada “epifania” visual de Clarice Lispector receba outra denominação, assim como a “epifania” reflexiva de narrativas intimistas (como a presente no conto “Tremor de terra”, de Luiz Vilela) receba uma terceira denominação. Enfim, defendemos que os movimentos narrativos específicos sejam especificados por denominação única, menos genérica, para que os estudos literários descrevam de modo mais completo e mais amplo a riqueza da literatura produzida no Brasil.

Acesse aqui o Portal da Abralic.


Abaixo, fotos dos integrantes do GPLV na Abralic:

Rauer, Marcos Pasche e André Dias, coordenadores do Simpósio
"Literatura e Dissonância", com duas monitoras da Abralic
Felipe Figueira (UFF), André Ramos (UFRRJ), Maria
Clara Gonçalves (Unicamp) e Pauliane Amaral
Pauliane Amaral (UFMS) durante sua fala, no
Simpósio "Literatura e Dissonância"
Elcione com integrantes do Simpósio "Ficção Brasileira Contemporânea Em Perspectiva
Comparatista"; sentada, à direita, Helena Bonito C. Pereira, uma das coordenadoras
Roberto Acízelo (UERJ), Rauer e Joana Muylaert (UFU), no Simpósio "A História da Literatura
Como Problema: Reflexões Sobre a Crise Permanente nos Estudos 
Diacrônicos de Literatura"; (veja detalhes aqui)
Rauer, ao coordenar uma mesa do Simpósio
"Literatura e Dissonância"
Fonte das fotos, aqui.

domingo, 25 de setembro de 2016

"TEXTO" FAZ 50 ANOS

          Em setembro de 1966 foi lançado, em Belo Horizonte, o número 1 da publicação literária de vanguarda Texto, criada por três jovens escritores mineiros: Luiz Vilela, então com 23 anos, Henry Corrêa de Araújo, com 26, e Luís Gonzaga Vieira, com 28.
        O papel usado era o papel de cor alaranjada, americano, que vinha protegendo as chapas de Raio-X. Os escritores iam, de porta em porta, aos consultórios médicos, pedindo-o. Depois selecionavam os melhores papéis e imprimiam a quantidade apurada, pagando do próprio bolso. Eram quatro páginas, no formato de um caderno, uma página para cada um dos três autores e a primeira página funcionando como capa, trazendo uma frase extraída do texto de cada um. Assim foram feitos três números.
      Animados pela recepção local e pela repercussão, que logo ultrapassou as fronteiras do Estado, os três jovens resolveram, a partir do número 4, ampliar a publicação, abrindo-a a outros jovens escritores da capital. Mudaram, com isso, o seu formato para tabloide e a impressão para o papel branco, de jornal. Nesse formato, mais dois números foram feitos. E então, no primeiro semestre de 1967, devido a  dificuldades, Texto acabou.
  Abaixo, damos uma foto dos três autores juntos (da esquerda para a direita, Vieira, Vilela e Henry), as capas dos três primeiros números de Texto, a apresentação do número 4 e um comentário de Nelson Werneck Sodré, na Revista Civilização Brasileira, reproduzido no 6º e último número de Texto.



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

NAS LIVRARIAS, O FILHO DE MACHADO DE ASSIS

Na Livraria da UERJ, chegando agora da editora, o lançamento de Luiz Vilela, O Filho de Machado de Assis, quarta novela do escritor e seu 32° livro individual: além de quatro novelas, o escritor já lançou cinco romances, sete coletâneas de contos e dezesseis antologias.

Capa
O Filho de Machado de Assis
Luiz Vilela, Ed. Record

127 p.
Contracapa de O filho de Machado de Assis
O enredo apresenta um professor universitário, Simão Serapião, que informa ter encontrado evidências de que o escritor Machado de Assis, contrariando o que escrevera o narrador de Memórias póstumas de Brás Cubas, teve, de fato, um herdeiro. Narrativa instigante, do início ao fim, atiça a curiosidade do leitor sobre a descoberta que pode mudar para sempre o universo machadiano.

A Editora Record anunciou que o livro chegaria às livraria somente no dia 23 de setembro - mas, com sorte, você pode estar entre os felizardos que conseguem antes o seu exemplar.

domingo, 11 de setembro de 2016

SLMG em prosa, verso e experimentações

LITERATURA

Longevidade em prosa, verso e experimentações

“Suplemento Literário de Minas Gerais” completa 50 anos de trajetória, reunindo trabalhos de novos e consagrados


PUBLICADO EM 11/09/16 - 03h00
CARLOS ANDREI SIQUARA

Uma visita aos arquivos da Imprensa Oficial de Minas Gerais torna evidente as diversas relações que o “Suplemento Literário de Minas Gerais”, por meio de sua equipe de editores, críticos e redatores, construiu ao longo do tempo. Num conjunto de fotos históricas, é possível identificar a presença das escritoras Lúcia Machado de Almeida, Clarice Lispector, Adélia Prado, Laís Correa de Araújo Ávila, entre outros autores como Décio Pignatari, Affonso Ávila e Murilo Mendes, que deixaram contribuições ao periódico e tiveram os seus textos publicados ali.
Essas imagens, portanto, recordam a ampla rede de colaboradores criada em torno do projeto, concebido pelo escritor Murilo Rubião e que agora completa cinco décadas de existência. Junto desses nomes consagrados, aparecem, em parte desses registros, os rostos de novatos na época, como Humberto Werneck, que, ao lado de Jaime Prado Gouvêa – atual diretor da publicação –, Sérgio Sant’Anna e Luiz Vilela, entre outros, figuravam como os mais jovens escritores a ter suas criações impressas nas páginas do “Suplemento”.

A aproximação entre diferentes gerações é, assim, um dos principais legados da linha editorial defendida por Rubião e que se mantém desde 1966, permitindo a convivência entre veteranos e estreantes. “É uma honra dividir o espaço das páginas com Murilo Rubião, Guimarães Rosa, além de outros mais recentes, podendo, assim, fazer parte da história do ‘Suplemento Literário’, que é uma das publicações mais importantes do país”, diz a mineira Marcela Dantés, que teve seus contos publicados pela primeira vez no “Suplemento” em 2015 e neste mês viaja para Portugal, onde participará de uma residência literária com duração de três meses.

Essa abertura ao que vem sendo produzido de mais recente no cenário literário pode ser identificada em diferentes momentos da trajetória do impresso. Vale lembrar a seção, mantida por Vilela, Werneck, Gouvêa e Sant’Anna, que se debruçava sobre “os novos” da literatura brasileira, entre as décadas de 60 e 70.

“Nós começamos esse trabalho primeiro escrevendo sobre os mineiros. Quando achamos que isso havia se esgotado, nós passamos a fazer contato com os novos de toda a parte e publicamos matérias com Moacyr Scliar e Caio Fernando Abreu, por exemplo. No total, nós mostramos 30 entrevistas”, diz Gouvêa.

Outra relevante e emblemática seção foi a “Roda Gigante”, produzida por Laís Correa de Araújo Ávila, que, entre 1966 e 1969, de acordo com a estudiosa Haydée Ribeiro Coelho, trouxe comentários sobre variados autores, contemplando desde os canônicos aos novos artistas e os poetas de vanguarda, além de reunir “entrevistas com importantes intelectuais, críticos e escritores do Brasil e de outras plagas”, sublinha ela no artigo “Roda Gigante: Um Texto Paradigmático”.

Um panorama da diversidade de temas e linguagens abordadas pelo “Suplemento”, desde a sua origem, poderá ser visto na próxima edição comemorativa dos seus 50 anos e que deverá ficar pronto em outubro. De acordo com Gouvêa, a ideia é rememorar acontecimentos importantes, como a primeira vez que os escritos de Julio Cortázar (“Todos os Fogos o Fogo”) e Gabriel Garcia Márquez (“A Prodigiosa Tarde de Baltazar”) saíram no “Suplemento” em português. Em relação ao texto do primeiro, Angelo Oswaldo, atualmente secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, mas na época editor do “Suplemento Literário”, entre 1971 e 1973, ouviu do próprio autor como foi ler os seus escritos em língua portuguesa.

“Cortázar e a mulher, Ugné Karvelis, estavam vindo ao Brasil, em fevereiro de 73, e queriam conhecer muito Ouro Preto. Ênio Silveira, que era editor dele no país, me pediu para ajudá-lo, e eu fui, com Roberto Drummond e Mauro Santayana, encontrar Cortázar. Nós ficamos o dia inteiro conversando, e Cortázar me contou que a primeira vez que ele se leu em português foi no ‘Suplemento Literário’ que recebia em Paris”, conta Oswaldo.

Além desse conto de Cortázar, o volume especial, antecipa Gouvêa, vai trazer também os primeiros poemas que circularam no “Suplemento”. “Vamos mostrar alguns versos que marcam o início dessa trajetória. São escritos de Libério Neves, Murilo Mendes, entre outros nomes, o que vai oferecer um apanhado do que veio a público nestes 50 anos”, afirma o escritor.

Outro destaque será uma entrevista que o crítico Antonio Candido deu para Helvécio Ratton e que é ainda inédita em texto. Numa das partes do diálogo, o pesquisador ressalta o caráter diplomático de Rubião. “Antonio Candido fala, por exemplo, como Murilo Rubião, tinha uma grande capacidade de liderança. Ele mesmo ficava assustado como nas reuniões Rubião conseguia reunir escritores que tinham pontos de vista muito distintos, o que causava muita briga. Mas ele tinha a habilidade de apaziguar os ânimos durante os encontros”, conta João Barile, coordenador de promoção e articulação literária do “Suplemento”.

LINGUAGENS

Do uso da palavra às artes visuais

Dentre as expressões que surgiam no “Suplemento Literário de Minas Gerais”, a poesia, o conto e os ensaios apareciam em maior volume, embora convivessem com a crítica de teatro, de cinema e de artes plásticas. Esse caráter multidisciplinar que caracteriza a publicação, desde a sua origem, nutriu escritores, além de artistas, como Márcio Sampaio, Liliane Dardot e Lucas Raposo – este último, inclusive, foi o diagramador responsável por desencaixotar as colunas de texto, valorizando a liberdade de criação.

Assim, se nas páginas do periódico autores eram convidados a explorar novas possibilidade no universo das letras, o mesmo era oferecido a quem transitava mais pelas imagens. A pesquisadora Viviane Maroca observa como no caso dos primeiros uma das formas literárias mais problematizadas ali foi o conto, que frequentemente era abordado por meio de textos ficcionais e teóricos.

“A partir de 1968, há consistentemente mais escritos sobre o conto. Houve uma série organizada por Luis Gonzaga Vieira, por exemplo, em que ele tratava do conto. Ao longo de seis números, que foram publicados em seis semanas, ele quase fez um manifesto a partir da análise dos textos que vinha acompanhando. Vieira começou a notar que em quase todos os contistas havia um discurso contra a repressão. Ele, então, defendia que não deveria haver regras, cada um faria o conto como quisesse”, diz.

A artista plástica Liliane Dardot, ilustradora do “Suplemento” recorda que tinha total liberdade. “Eu ainda era estudante de belas artes na época e fazia o que queria, a partir dos textos que me mandavam. Normalmente, só me davam uma indicação do espaço da página”, recorda.

O poeta e artista plástico Sebastião Nunes, aliás, lembra-se que volta e meia a diagramação da página era alvo de reclamação. “Havia um pessoal mais conservador que achava que o ‘Suplemento’ era um antro de subversivos e eles implicavam com algumas coisas. Eles não gostavam de uma página inteira apenas para um poemas de seis versos com ilustração e, algumas vezes, ameaçavam fechar o ‘Suplemento’”, pontua Nunes.

CONVIVÊNCIA

Criatividade e parcerias no dia a dia da redação

Diferentemente de hoje, em que existem uma diversidade de blogs, entre outras plataformas, há 50 anos, quando surgiu o “Suplemento Literário”, o espaço para se veicular conteúdos ligados à arte e à literatura dependia muito dos jornais impressos. O escritor, jornalista e ex-editor do periódico Fabrício Marques observa, a partir deste retrato, a importância do projeto criado por Murilo Rubião, responsável por agregar intelectuais e artistas ao longo de décadas.

“Houve gerações que se aglutinaram em torno do ‘Suplemento’, o que possibilitou também a formação de leitores. A política editorial, ao contemplar consagrados e novos, permitiu que as pessoas tivessem acesso aos clássicos e ao que estava sendo produzido no calor da hora”, observa Marques. O resultado disso era um volume bastante heterogêneo, o que refletia as escolhas de Rubião. Este, enquanto atuou diretamente no “Suplemento”, inclusive, tentou criar um clima ameno, apropriado para estimular a verve criativa da equipe.

“Murilo nos dava liberdade total e deixava que todo mundo que estava começando ali, entre escritores e artistas, pudessem produzir livremente. O dia a dia era bastante lúdico e qualquer traço muito acadêmico não combinava com a gente”, acrescenta Jaime Prado Gouvêa, atual editor do “Suplemento Literário”.

A redação logo se tornou um ponto de encontro no qual convergiam todos os interessados nos movimentos artísticos da época. “Emílio Moura, por exemplo, ia para lá todo fim de tarde conversar com Murilo Rubião, e os caras mais novos, como Sérgio Sant’Anna e Jaime Prado Gouvêa, também procuravam participar dessas conversas. Algo muito legal que acontecia em Belo Horizonte naquela geração é que o pessoal da música, do cinema, da literatura, das artes plásticas, todos conversavam e muitos desses diálogos aconteciam ali”, afirma João Barile, coordenador de promoção e articulação literária do “Suplemento”.
FOTOS DOS PRIMEIROS TEMPOS DO SLMG:
Convivência. Da esquerda para a direita: Luís Gonzaga Vieira, Adão Ventura, Márcio Sampaio, Sérgio Tross, Fernando Brant, Sérgio Sant’Anna, Valdimir Diniz e Luís Márcio Vianna na redação do “Suplemento”


Lúcia Machado de Almeida visita a redação do “Suplemento Literário”


O poeta Murilo Mendes ao lado de Laís Correa de Araújo Ávila e Angelo Oswaldo



Adélia Prado é recebido por Murilo Rubião


Clarice Lispector entrevistada por Humberto Werneck


Diálogos. Humberto Werneck ao lado do escritor paulista João Antonio e do autor mineiro Manoel Lobato

Encontro. Angelo Oswaldo, na época editor do “Suplemento”, e 
Julio Cortázar em visita a Ouro Preto, em 1973