segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Vilela é, desde a estreia, um dos nossos maiores escritores

Raimundo Carrero

PDFImprimir

A simplicidade da escrita na obra de Vilela


Escrito por Raimundo Carrero
  
Seg, 05 de Janeiro de 2015 00:00
DivulgaçãoDivulgação

A simplicidade é um dos maiores desafios do ficcionista. Alguns autores fingem uma sofisticação vaidosa que não é outra coisa senão a máscara da incompetência. Existem aqueles que não sabem sequer contar uma história, por mais singela que seja. No entanto, simplicidade não significa mediocridade, linearidade ou pressa de relatório. Até porque há quem confunda narrativa com alinhamento de fatos e de informações.

Por isso percebe-se, com a maior clareza, que os narradores contemporâneos procuram escrever boas frases que resultam em bons textos, em até ótimos textos, mas esquecendo que a ficção lida com o humano, com o questionamento humano e não somente com boas palavras, o que exige maior atenção com o personagem. A pulsação narrativa começa com o personagem e não somente com a palavra, com a frase, com o parágrafo.

O mineiro Luiz Vilela é um dos raros brasileiros que consegue conciliar a qualidade do texto com o caráter do personagem, o que resulta na simplicidade com sofisticação. Aí está a questão. Sofisticar não significa apenas criar situações esquisitas, que foram chamadas de vanguarda, de forma a entortar a cabeça do leitor ou a ferir os olhos.

A sofisticação — assunto que tratei no meu livro A formação do escritor, Editora Iluminuras, São Paulo, 2010 — surge desta aproximação do texto com o espírito do personagem, que leva ao tempo psicológico do leitor. Podemos observar, por exemplo, este breve texto do conto “A feijoada”, que dá título ao livro — Sesi-SP Editora — 2014:

“Ao acabar, limpou, com o resto da cerveja, o gosto da boca. Encostou-se então à cadeira e respirou fundo: sentia-se cheio, quase empanzinado. Comera demais. Se desse um arroto; um arrotozinho só... E então sentiu que ele vinha, ia chegando: Oohhhh...., arrotou com vontade.”

Narrativa precisa, correta, justa, com uma boa sequencia de frases na variedade da pontuação — pontos, dois pontos, reticência, em que se verifica o ritmo interior do personagem — que aliás, nem tem nome —, de forma a se integrar no tempo psicológico do leitor, ele próprio já agora na expectativa do texto.

A onomatopeia, finalmente, faz o leitor viver com o personagem. Daí a eficiência da narrativa construída na simplicidade com sofisticação. Esta é a razão por que Luiz Vilela é, desde a sua estreia, um dos nossos narradores mais eficientes. E por isso mesmo, um dos nossos maiores escritores.

Além do mais, destaque-se que há , hoje, sobretudo no Brasil, a instalação do que costumamos chamar de estética individual – ou seja, a estética ficcionista que reduz o texto a um único personagem, ou, quando muito, a dois ou três personagens, o que faz com que críticos e até leitores chamem a literatura ficcional de decadente. Absoluta falta de compreensão do fenômeno literário. Não há aí nenhuma decadência, mas uma mudança sistemática de foco narrativo.

A literatura ficcional começa, por exemplo, com a epopeia e chega ao momento supremo com o romance do século 19, o conhecido século de ouro da ficção com russos, franceses e ingleses disputando a sua melhor qualidade com Dostoiévski, Tolstoi, Vitor Hugo, Zola, Dickens e outros devastando as almas dos personagens e dando sobretudo ao romance a totalidade do ser. A partir de Flaubert a ficção passa a ser mais artística, mais elaborada, mais próxima da poesia. Escritores do porte de Flaubert, Maupassant e Techov transformam pequenas histórias em enredos notáveis, com personagens particularizando o texto ficcional, concentrando em si mesmos a densidade da história. Tudo de acordo com a ciência nova e decisiva — a psicologia. Os grandes romances, então, foram perdendo a importância e a totalidade do ser concentrou-se em poucos personagens e, portanto, reduzindo a importância do enredo mirabolante e com um tempo enorme.

Foi sem dúvida um grande susto e chegou-se a proclamar o fim do romance. Os equívocos foram pouco a pouco desfeitos até que chegamos ao romance absolutamente técnico ou de vanguarda como se convencionou chamar. Vindo ainda à ficção episódica — isto é, reduzida a um ou dois episódios, quase sem enredo, quase sem intriga, mas agora mostrando-se inteira no ser, contando até com a influência decisiva da tragédia grega ou do teatro de Shakesperare, com longos monólogos e solilóquios. Assim o conto ganhou força e foi transformado em poema. É o que acontece, hoje, no Brasil, sobretudo com autores do nível e do porte de Luiz Vilela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário