sábado, 10 de janeiro de 2015

“Contos eróticos”, primor de obra de um dos maiores contistas brasileiros


       Marinaldo Custódio, no caderno "DC Ilustrado" do Diário de Cuiabá deste sábado, no artigo "Pornografia é que vende", cita os Contos Eróticos, de Luiz Vilela, como "um primor de obra", mas que se livrou do livro, após lê-lo, porque "depois do desfrute tenho que me livrar rapidinho" do que vicia, e sexo e pornografia, segundo o articulista, viciam. Reproduzimos, logo abaixo, os três parágrafos que mencionam Luiz Vilela e, em seguida, todo o artigo de Marinaldo Custódio

       Tenho uma natural atração pela literatura e as demais artes eróticas (como todos os seres humanos, suponho), mas também tenho com elas uma relação bastante problemática. Por isso, certa vez, quando contava a um amigo que havia colocado internet em casa e ele me veio sugerindo uns bons sites e canais eróticos, logo descartei: não quero nem saber desses endereços; não posso, não quero, tenho medo, muito medo. Até cito como exemplo disso o livro “Contos eróticos”, de Luiz Vilela, um primor de obra, da pena de um dos maiores contistas brasileiros de todos os tempos. Comprei-o e o li inteirinho, alguns contos mais de uma vez, como aquele, incestuoso, da sobrinha que vai visitar o tio no hospital. Mas logo depois dei um jeito de me livrar dele. Botei na Banca do Sodré (oh saudades de um tempo bom!) pra vender, ou o troquei no Bazar do Livro. A exemplo de outras obras (livros e filmes, sobretudo), depois do desfrute tenho de me livrar rapidinho delas. Senão vira vício, e ser viciado em sexo não é bom. Em pornografia, pior ainda. 

      Por outro lado, porém, nada tenho contra obras com boas pitadas de erotismo desde que elas não sejam feitas só disso, ou seja, que não tenham sido feitas por autores/autoras que, ao fazê-las, o fizeram pensando só naquilo. Também, em caso contrário, impossível ter em casa obras geniais como “As mil e uma noites” ou “Decameron”, de Giovanni Boccaccio, por exemplo, pois, afinal, as expressões eróticas, e mesmo um pouco de pornografia, fazem parte da vida, inseparáveis que são da existência humana. Fora isso, esporadicamente até andei me permitindo curtir clássicos do erotismo puro como “A filosofia na alcova”, do Marquês de Sade e “A Vida Sexual de Catherine Millet”, de autoria da própria, e a safadeza entre brejeira e escrachada de um Charles Bukowski, em “Mulheres”, por exemplo. Mas, tirando este último que continua em minha biblioteca, meio que escondidinho, os outros tiveram o mesmo destino que o referido livro do Vilela.

     Decididamente, prefiro continuar viciado em programas culturais mais inofensivos como reler mil vezes “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo, “O Alienista”, de Machado de Assis, “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto, “Tarde da noite” ou “Luz sob a porta”, de Luiz Vilela. É só pintar na minha frente que começo e leio tudo de novo! Não tem nem choro!  


Leia agora, reproduzido do Diário de Cuiabá de hoje, o artigo em sua íntegra:

Pornografia é que vende

Literatura erótica hoje consumida largamente no mundo transita muitas vezes de livro para filme ou vice-versa

MARINALDO CUSTÓDIO
Da Redação
 
    A frase-título não é minha. Eu a ouvi em recente conversa com o amigo Marínio, da Livraria Janina, quando com ele conversava a propósito de umas resenhas de livros que pretendo escrever para o jornal, nesta nova fase que iniciamos em 2015. Citei alguns títulos e autores de cabeça, falei de leituras recentes minhas de grandes escritores, como o “Alabardas, Alabardas (Espingardas, Espingardas)”, de José Saramago, e o sensacional “A festa da insignificância”, de Milan Kundera. Ele apenas balançou a cabeça, piscando os olhos espertos, num muxoxo. Falei, então, desses escritores que arrebentam a boca do balão, mundialmente, escrevendo livros depois adaptados para filmes e séries de televisão ou, no caminho inverso, de roteiros de cinema e TV que depois se transformam em livros de astronômico sucesso em todo o mundo. Até citei o caso de escritoras de grande sucesso atual como Cassandra Clare, Judith Rumelt e Kiera Cass, referidas na matéria “Quem disse que jovem não lê?”, da Folha de S.Paulo, como exemplos de autoras que vendem muito (muito!) e que são recebidas em grandes cidades do mundo como São Paulo e Rio de Janeiro na condição de celebridades de altíssimo porte, a exemplo de estrelas de cinema como Angelina Jolie, ou do rock, como um Bono Vox, por exemplo. 


    Foi aí, então, que ele disparou: “Está certo, isso aí vende bem, sim. Mas se você quer saber, mesmo, o que vende hoje, eu te digo logo: o que vende (mais) hoje em dia é pornografia!”. 

    Fiquei pensando então nessa trilha aberta (?!) por essas Brunas Surfistinhas da vida, esses “Cinquenta tons de cinza”, de E.L. James, esses “Beber, jogar, f@#er”, de Andrew Gottlieb, que, aliás, não li. Ou melhor: quase não li, pois no da Bruna Surfistinha dei uma boa olhada, li uns trechos, quando o comprei para minha sobrinha Renata, juntamente com “Anjos e demônios”, de Dan Brown. 

    Lembre-se, a propósito, que dentre os livros que fazem grande sucesso mundial e depois viram filme, vem aí mais um lançamento de impacto: o blockbuster “Cinquenta tons de cinza”, dirigido por Sam Taylor-Johnson, com Jamie Dornan, Dakota Johnson e Jennifer Ehle, entre outros, com lançamento previsto para 12 de fevereiro de 2015. Ao que tudo indica, pra arrebentar agora também na telona. 

    Tenho uma natural atração pela literatura e as demais artes eróticas (como todos os seres humanos, suponho), mas também tenho com elas uma relação bastante problemática. Por isso, certa vez, quando contava a um amigo que havia colocado internet em casa e ele me veio sugerindo uns bons sites e canais eróticos, logo descartei: não quero nem saber desses endereços; não posso, não quero, tenho medo, muito medo. Até cito como exemplo disso o livro “Contos eróticos”, de Luiz Vilela, um primor de obra, da pena de um dos maiores contistas brasileiros de todos os tempos. Comprei-o e o li inteirinho, alguns contos mais de uma vez, como aquele, incestuoso, da sobrinha que vai visitar o tio no hospital. Mas logo depois dei um jeito de me livrar dele. Botei na Banca do Sodré (oh saudades de um tempo bom!) pra vender, ou o troquei no Bazar do Livro. A exemplo de outras obras (livros e filmes, sobretudo), depois do desfrute tenho de me livrar rapidinho delas. Senão vira vício, e ser viciado em sexo não é bom. Em pornografia, pior ainda. 

    Por outro lado, porém, nada tenho contra obras com boas pitadas de erotismo desde que elas não sejam feitas só disso, ou seja, que não tenham sido feitas por autores/autoras que, ao fazê-las, o fizeram pensando só naquilo. Também, em caso contrário, impossível ter em casa obras geniais como “As mil e uma noites” ou “Decameron”, de Giovanni Boccaccio, por exemplo, pois, afinal, as expressões eróticas, e mesmo um pouco de pornografia, fazem parte da vida, inseparáveis que são da existência humana. Fora isso, esporadicamente até andei me permitindo curtir clássicos do erotismo puro como “A filosofia na alcova”, do Marquês de Sade e “A Vida Sexual de Catherine Millet”, de autoria da própria, e a safadeza entre brejeira e escrachada de um Charles Bukowski, em “Mulheres”, por exemplo. Mas, tirando este último que continua em minha biblioteca, meio que escondidinho, os outros tiveram o mesmo destino que o referido livro do Vilela. 

    Decididamente, prefiro continuar viciado em programas culturais mais inofensivos como reler mil vezes “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo, “O Alienista”, de Machado de Assis, “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto, “Tarde da noite” ou “Luz sob a porta”, de Luiz Vilela. É só pintar na minha frente que começo e leio tudo de novo! Não tem nem choro! O mesmo vale para programas televisivos como “Profissão Repórter”, de Caco Barcelos: se começo a ver, vou até o fim. Ou ouvir “Lágrima de amor” ou “Só primavera”, de Beto Guedes, vezes sem conta. 

      Assim, neste início de ano, sugiro, sim, a leitura de um livro “que vende pouco”, o já citado “A festa da insignificância”, do tcheco Milan Kundera. E vejam que curioso: seu primeiro tópico (ou capítulo) fala precisamente de uma certa parte do corpo feminino que vive a atrair nossos olhares e outras gulas nossas pelos séculos dos séculos: não entrepernas de mulher, mas a sedução feminina concentrada no meio do corpo: no umbigo. 

   Alain pensa sobre o umbigo (A festa da insignificância, de Milan Kundera) 

      Era o mês de junho, o sol da manhã surgia das nuvens e Alain caminhava lentamente por uma rua parisiense. Ele observava as moças que, todas, mostravam o umbigo entre a calça de cintura muito baixa e a camiseta cortada muito curta. Estava encantado, encantado e até mesmo perplexo: como se o poder de sedução delas não se concentrasse mais nas coxas, nem na bunda, nem nos seios, mas naquele pequeno buraco redondo situado no meio do corpo: o umbigo. 

     Isso o incitou a refletir: se um homem (ou uma época) vê o centro da sedução feminina nas coxas, como descrever e definir a particularidade dessa orientação erótica? Improvisou uma resposta: o comprimento das coxas é a imagem metafórica do caminho, longo e fascinante (é por isso que as coxas devem ser longas), que leva à realização erótica; de fato, pensou Alain, mesmo no meio do coito, o comprimento das coxas empresta à mulher a magia romântica do inacessível. 

     Se um homem (ou uma época) vê o centro da sedução feminina na bunda, como descrever e definir a particularidade dessa orientação erótica? Improvisou uma resposta: brutalidade; alegria; o caminho mais curto em direção ao objetivo; objetivo ainda mais excitante porque duplo. 

     Isso o incitou a refletir: se um homem (ou uma época) vê o centro da sedução feminina nos seios, como descrever e definir a particularidade dessa orientação erótica? Improvisou uma resposta: santificação da mulher; a Virgem Maria amamentando Jesus; o sexo masculino ajoelhado diante da nobre missão do sexo feminino. 

      Mas como definir o erotismo de um homem (ou de uma época) que vê a sedução feminina concentrada no meio do corpo: no umbigo? 

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