O escritor Luiz Vilela nasceu em Ituiutaba, Minas Gerais, em 31 de dezembro de 1942. Completa hoje, portanto, 70 anos. Publicou, até o momento, seis coletâneas de contos, três novelas e cinco romances. Para 2013, programa uma nova coletânea de contos. Seu livro mais recente, o romance Perdição, saiu em dezembro de 2011. Acaba de receber, como melhor narrativa publicada no Brasil naquele ano, o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2012, honraria que já premiou autores dos mais importantes de literatura brasileira em todos os tempos. Marcando as sete décadas de vida do escritor e o primeiro ano do romance, o Grupo de Pesquisa Luiz Vilela publica resenha sobre o Perdição.
A resenha é do coordenador do GPLV, Rauer Ribeiro Rodrigues, que - em 4 de dezembro de 2011 - publicou a primeira resenha sobre o romance, "A divina Perdição - o épico bíblico de Luiz Vilela", que pode ser lida aqui. A seguir, um resumo da resenha. Na sequência, uma foto do escritor, o novo artigo de Rauer sobre o romance, e um pequeno trecho do Perdição.
Resumo: O escritor Luiz Vilela, que nasceu em Ituiutaba, MG, em 1942, lançou, em 2011, seu quinto romance, Perdição. Em quase quatrocentas páginas, Ramon, o narrador, relata a vida de Leonardo, um pescador conhecido como Leo, seu amigo de infância. Leo aceita convite para ingressar em uma nova religião, muda-se para o Rio de Janeiro e se torna o Pastor Pedro. Tendo sucesso na atividade, ganha dinheiro e impressiona a todos quanto retorna à pequena Flor do Campo, dirigindo seu carro e trajando terno e gravata. Após muitas informações não comprovadas e versões as mais desencontradas sobre as atividades do Pastor Pedro no Rio, inclusive algumas que garantem que ele foi para o exterior, Leo, em estado de penúria, retorna para sua cidade natal. Qualificado por Luiz Vilela como "épico de inspiração bíblica", em Perdição a pequena Flor do Campo é metonímia do Brasil. Romance polifônico, em que as personagens são desnudadas pelo narrador iluminista e cético, as páginas de Perdição destilam desencanto no laivo amargo de um tempo em que nem a esperança faz mais sentido.
Palavras-Chave: Ficção e História; Literatura Brasileira; Polifonia.
GPLV / Pauliane Amaral – maio 2011
O escritor Luiz Vilela, durante a 4ª Semana Luiz Vilela, em Ituiutaba, MG DE LUIZ VILELA, PERDIÇÃO, METONÍMIA DE BRASIL
Rauer
Ribeiro Rodrigues *
Há um ano
saiu, pela Editora Record, o romance Perdição, de Luiz
Vilela, que acaba de receber o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2012 de melhor
narrativa de 2011. No romance, o ficcional tem por referência a
história de nosso tempo, das tramoias nos gabinetes palacianos de prefeitos
desajeitados e sem prumo às angústias, frustrações e alegrias cotidianas das
pessoas comuns.
Luiz Vilela disse, certa vez, apreciar Heráclito, em virtude de o
filósofo pré-socrático afirmar que o ouro está nas profundezas. Vilela entende
que, diante de um texto literário, o leitor deve cavar sempre, pois assim sairá
gratificado da leitura. Os livros do escritor evidenciam tal concepção, muito
embora, em Luiz Vilela, a profundidade seja construída com a capa de uma
simplicidade enganosa.
O escritor —
que nasceu em Ituiutaba, MG, em 1942 — despontou em 1967, ao ganhar, em
Brasília, o Prêmio Nacional de Ficção. Daí para cá, recebeu diversos outros
prêmios, foi adotado em vestibulares, traduzido em diversos países e adaptado
para teatro, cinema e TV. A crítica elogia a concisão, o coloquialismo, a
maestria do diálogo e o vigor da linguagem, o que é alcançado sem pirotecnias
ou truques.
Perdição, lançado no final de 2011, é o
quinto romance do escritor. Vilela é também autor de seis coletâneas de contos
e três novelas. Publicou quase duas dezenas de antologias. Trabalhou, em seu
último romance, mais de uma década. Resultou, desse lapidar incessante,
amplificar ao limite os recursos linguísticos e narrativos de seu repertório,
para — com ainda menos — expressar mais.
Mas, ao
contrário da exigência de cavar sempre, o leitor sai gratificado tanto da
leitura despretensiosa quanto do estudo compenetrado. Isso porque, como em toda
a sua obra, Vilela opta por palavras do dia-a-dia, por diálogos corriqueiros,
por questões cotidianas. As soluções empreendidas não deixam à mostra os
andaimes, o leitor mergulha na obra, vivencia as pequenas dores, vitórias e
dramas das personagens.
Contracenam,
em Perdição,
mandatários políticos e populares anônimos de uma pequena cidade, Flor do
Campo. O narrador é o jornalista Ramon, formado em Letras, espírito racional e
humanista. Uma mistura de Voltaire com Diderot. Satírico, se manifesta de modo
claro no convívio com as muitas personagens humildes do romance. O mote da
narrativa é a trajetória do pescador Leonardo, conhecido como Leo.
Convidado
para ser pastor de uma nova igreja, Leo vai para o Rio de Janeiro, torna-se o
Pastor Pedro, passa a viver com luxo e, devido ao seu novo status, ao carro, ao terno e à
gravata, impressiona a todos quando visita Flor do Campo. Depois de uma cena
patética com a filha, percebe que sua vida é uma farsa, mergulha nas drogas e
termina de modo trágico. Não há, felizmente, juízo moral dessa trajetória.
Talvez
pudesse o romance, em vez de trinta e três capítulos em quatrocentas páginas,
ter quarenta e quatro capítulos em seiscentas páginas. Talvez algumas
personagens, como o excêntrico e interessante Barroso, pudessem aparecer em
mais capítulos. Talvez a procura pelo protagonista perdendo-se no Rio de
Janeiro merecesse o relato de alguém à sua procura, sem encontrá-lo, como em
uma descida aos infernos.
Isso, sem o
romance perder suas sombras e seus silêncios, sem que esse mais —mantendo a
sobriedade e as ambiguidades da narrativa — signifique menos. Teríamos outras
nuances em temas como o da viagem, o do filho que sai de casa, o da queda
inexorável, o da vida que se faz ruínas, o do retorno trágico em trajes do
século XXI, aprofundando o indecidível sobre o qual o romance se afirma.
Talvez,
também, pudesse Perdição conter outros gêneros textuais ou
estratégias narrativas, em vez do idioleto de Vilela, fixado com predominância
do diálogo. Tal variação, quando surge, dá força e vigor ao discurso romanesco,
na maior parte esgarçado pela reiteração do diálogo, ainda que naturais e
verossímeis. Exemplo disso é o clímax do romance, encenado pela voz interposta
de uma reportagem de televisão.
Parece
haver, assim considerando, insistência em um único modo de conduzir a
narrativa, por cenas dialogadas em que o dito tem menor importância do que o
silenciado, em sintonia com a obra anterior de Vilela, ainda que agora a fábula
seja nova. Talvez tenha faltado o assombro do abismo, o mergulho no incerto, a
reinvenção de procedimentos, a virgindade desbravada, a conquista de um novo
modo de dizer.
“Às vezes”,
diz o protagonista, “o que ficou para trás é o que está pela frente. [...] o
que está pela frente é o que ficou para trás. [...] o que está embaixo é o que
está em cima; e o que está em cima, o que está embaixo. [...] Às vezes o começo
é o fim, e o fim, o começo” (Vilela, Perdição,
p. 247-248). Talvez não tenha sido mimetizada na trama textual tal cambiante
instabilidade do enredo, em que nada se firma como certo.
O narrador
entremeia à trajetória do protagonista uma miríade de acontecimentos banais da
cidade. Iluminista, seu olhar desesperançado desvela as personagens por suas
falas, no mais desimportantes. Cético, sem compartilhar das crendices dos
conterrâneos, o narrador, para nos valermos de uma metáfora, eviscera e desnuda
as emoções das demais personagens, ainda que as motivações do protagonista
permaneçam em sombras.
Vilela
afirmou que Perdição é um épico de inspiração
bíblica. Como pode ser épico, no retrato de pessoas simples, na tragédia de
vidas secundárias, no enredo de miudezas, nas histórias sem glória que se
sucedem? Uma leitura apressada diria ser epopeia do banal, elogio da
mediocridade ou aglomerado de crendices rodeando entrecho previsível. Tal
parecer se origina de profundo engano.
Se a vida
encenada é medíocre, vulgar, previsível, sensaborona, agarrada a patuás, o
romance de Vilela — sem escapismos — desvela a irrelevância do nosso modo de
viver. A arte do escritor é, com tal argamassa, manter o pique por quatrocentas
páginas que prendem até o dolorido final, mesmo sem que o leitor tenha motivo
para se apaixonar por personagens tão comuns, tão próximas, tão gente como a
gente.
A construção
do romance — em sua linguagem coloquial, simples, e suas personagens triviais —
é presidida por engenho e arte: técnica, conhecimento, talento, experiência,
estudo. A simetria da divisão da narrativa, com onze capítulos em cada uma de
suas três partes, não revela, por si só, a cuidadosa sequência de fatos, ainda
mais que alguns parecem — embora não sejam — alheios ao relato da vida de Leo.
O que
significam as remissões intertextuais (e não só à Bíblia), a tragédia do
protagonista e, implícitas a cada passo, as tragédias cotidianas? Discernir
tais questões deve ser o primeiro passo para cavar as profundezas. Decifrar o
mediano de previsível banalidade, o segundo. E o terceiro, determinar o
significado dos eventos sem (aparente) ligação direta com o núcleo central da
narrativa.
Na verdade, Perdição é um épico que revela o Brasil do
início do terceiro milênio, o Brasil profundo, sangrado por uma elite
gananciosa, por políticos corruptos, por falta de ação geral das personagens e
pelo desengajado modo de ser dos intelectuais. A obra de Luiz Vilela é um
retrato do qual nenhum dos retratados deve se orgulhar, pois revela a alienação
em que todos vivem: uns, por inconsciência; outros, por comodismo.
Em Perdição, Vilela
constrói o portentoso edifício de uma epopeia que nos revela em nossa
insignificância humana, em nossa brasilidade ridícula, em nossa civilização
decadente e em nossa mediocridade pessoal. Tudo compõe um painel do descompasso
de um país que não sabe o que fazer com a própria grandeza. Tudo reflete o
ocaso de uma civilização sem vislumbre quanto ao seu futuro, se é que há algum
futuro.
A tragédia
de Leo, a mesquinharia de sua esposa, a ganância de Mister Jones e seus
pastores, a ignorância dos feirantes, a crendice da dona da pensão, a cultura
inútil do dono do jornal, o iluminismo, satírico e sem consequências, do
jornalista narrador: nada resta — no desencanto com que o olhar épico vê a cidade
de Flor do Campo, metonímia do Brasil — a não ser o laivo amargo da Perdição.
* Rauer Ribeiro Rodrigues
Doutor em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara, faz estágio pós-doutoral na UERJ, sob supervisão do prof. Roberto Acízelo de Souza, com pesquisa sobre o conto de Machado de Assis; professor de literatura brasileira e teoria da literatura no Câmpus de Corumbá da UFMS, coordena o Grupo de Pesquisa Luiz Vilela (acesse o blog do GPLV em http://gpluizvilela.blogspot.com/) e atua no Mestrado em Letras, no Câmpus de Três Lagoas, e no Mestrado em Estudos de Linguagens, no Câmpus de Campo Grande; escritor, tem sete livros de ficção publicados, e outros sete prontos por publicar; rauer.rauer@uol.com.br.
PERDIÇÃO
Luiz Vilela
Ed. Record, 2011
R$ 39,90
400 p.
Trecho do romance
(Luiz
Vilela, Perdição, p. 247-248)
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