domingo, 23 de dezembro de 2012

"A cabeça" - conto é mencionado em diversos estudos

O conto "A cabeça", que integra o livro homônimo, lançado há dez anos — em julho de 2002 — pela Cosac & Naify, é analisado ou mencionado em diversos estudos. 

Reproduzimos abaixo trechos de alguns desses estudos.

Rinaldo de Fernandes, no Jornal Rascunho, de maio de 2010, in < http://rascunho.gazetadopovo.com.br/o-conto-brasileiro-do-seculo-21/ >:
  • Um conto como A cabeça, do mineiro Luiz Vilela, vale por toda uma série de textos de brutalidade, não só pela (mais que insólita) situação narrada, mas também por sua alta qualidade estética, notadamente a costura dos diálogos. A matriz narrativa dos (bons) autores citados são certamente os textos de Rubem Fonseca. Paulo Lins, Patrícia Melo, Marçal Aquino e Ferréz são — algo não muito difícil de perceber — epígonos do autor de A coleira do cãoFeliz Ano NovoPasseio noturno e O cobrador, entre outras obras-primas da literatura brutal. Nos contos de Rubem Fonseca, que privilegia a primeira pessoa, vale especialmente a tessitura do narrador, o ponto de vista violento (e incrivelmente verossímil) adotado por ele. A cabeça, escrito em terceira pessoa, é um conto que, no que se refere à vertente violenta, ao que tudo indica, não tem matriz em nossa literatura. É original. E sua originalidade, ao invés do narrador, reside especialmente na profunda ironia dos diálogos. Isto é um achado de Vilela (e o diálogo é, certamente, um dos recursos mais notáveis desse autor — é só conferir, nesse sentido, a novela Bóris e Dóris, de 2006). Manhã quente de domingo. Uma rua de um bairro distante do centro. Aí é encontrada uma cabeça humana. Logo se juntam em torno dela alguns populares — “o homem de terno e gravata”, “o da bicicleta”, “o baixote”, “o gordo”, “o barbicha”, “a moça”, “a ruiva”, “dois meninos”… A cabeça do morto desconhecido é, de repente, identificada pela “moça” como sendo a de uma conhecida — “A Zuleide lá do salão”. Mas a sua amiga, a “ruiva”, rejeita a hipótese: “Que isso, menina? Você está é doida!”. O conto (exemplo primoroso, em certos passos, da chamada função fática), cujas falas vinham se tecendo em torno de questões como o odor dos defuntos, Deus, o homem, a vida (“Deus uma cagada, o homem uma cagada, a vida uma cagada”, resume em determinado momento um dos personagens), passa então a se desenvolver em torno da questão de gêneros, pois um dos curiosos ali presentes, “o gordo”, acredita que o crime envolveu adultério: “A mulher estava chifrando o cara, e aí ele — sssp!…” (“sssp!” é o gesto de cortar a cabeça, conforme indica o narrador). A reação da “ruiva”, preocupada com a reputação feminina, é intempestiva: “Como você pode falar uma coisa dessas sem saber de nada?”. Homens e mulheres, a partir daqui, tornam mais tensos os diálogos (em que é visível a carga machista e preconceituosa da fala dos homens). No final, os meninos ficam imaginando uma bola da cabeça. Um diz: “Dá vontade de dar um balão”; o outro emenda: “Aí eu corro lá pra frente e mato no peito”. A brutalidade de nossas relações está em tudo neste conto de Vilela. Está na cabeça cortada e atirada na rua. Nos diálogos, repito, beirando o deboche, e tão espontâneos, dos populares. No choque de uma visão masculina das coisas com uma visão feminina. Na forte ironia do narrador, que expõe tudo isso com uma sutileza tal, que termina nos assombrando e exigindo, inevitavelmente, uma reflexão acerca da natureza da violência que nos cerca. E a ironia, no caso, torna-se talvez a forma mais eficiente de abordagem de questão tão grave de um tempo.

Geraldo Majella de Souza, em Reflexos dos confrontos suburbanos na narrativa de Dalton Trevisan, Tese defendida na UFMG em 2009, disponível em < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-7XRG6X/tese_completa_e_revisada.pdf?sequence=1 >:
  • O sentido da contribuição que essa reflexão poderá trazer às leituras críticas dos textos de Trevisan se relaciona com a conjunção expressiva de dois tipos de violência que encontram sua representação na ficção concisa do escritor curitibano. Villaça exemplifica essa relação usando o famoso “Uma vela para Dario”, não sem antes chamar a atenção para o conto “A cabeça”, de Luiz Vilela.
  • A história de Vilela apresenta a violência numa forma banalizada e dialógica com o conto citado de Trevisan: “No conto, diante da cabeça decepada, abandonada no asfalto, as falas das personagens se enquadram numa desqualificação generalizada, evocando o lado bovino do homem” (VILLAÇA, 2004, 65).
  • Nesse conto, as pessoas deparam com uma cabeça decepada de seu corpo e abandonada na rua. O repúdio é a expressão dos transeuntes, e o evento perde, aos poucos, o sentido assustador e cruel, transformando-se em motivo de piada. Cada pessoa isola a cabeça do contexto e a dessacraliza, enxergando nela o signo que lhe interessa. Nessa ocorrência, ela se transforma em apenas um elemento utilitário. Similar reificação se representa em “Uma vela para Dario”, segundo Villaça (2004, 66).
  • A cabeça decepada do conto de Vilela perde o vínculo com o todo, desfigurando-se de concepções morais e ontológicas para suscitar metáforas corriqueiras, irônicas ou simplesmente lúdicas. Dessa mesma forma, Dario também é visto, mesmo diante da morte: é apenas um corpo com seus objetos. Esses objetos revertem o sentido altruísta que a história poderia ter e justificam a banalização da violência em um corpo que se assume tão objeto quanto seus adornos e valores roubados. Importante notar que se “A cabeça” é fragmento da violência, a partir da qual se chega à crueldade do ato, já no conto “Uma vela para Dario”, a crueldade no corpo completo é a potência em si. É o inteiro que transborda metonimicamente na parte violentada.
  • Referência: VILLAÇA, Nízia.  Cemitério de mitos: Uma leitura de Dalton Trevisan. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984. Artigo de Villaça que trata do conto "A cabeça" está em < http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/publicacoes/nvillaca_7.pdf >. 


Rauer Ribeiro Rodrigues, em Faces do conto de Luiz Vilela, tese disponível na aba Fortuna Crítica deste blog:
  •  [...] exercício virtuosístico da escrita, uma cristalização do estilo e das fixações temáticas de Vilela. Uma cabeça no meio da rua, curiosos, o sol estalando. Já chamaram “os home”? A resposta é um chiste: “Se quando é um corpo inteiro eles já demoram pra aparecer, que dirá quando é só uma cabeça...” Os personagens são identificados por características fisionômicas ou corporais: é o gordo, o barbicha, o de óculos, o de terno e bíblia que está voltando do culto.
  • No universo desindividualizado de “A cabeça”, a cabeça ganha nome: “É a Zuleide!”, grita uma moça, espalhafatosa. Aí, inicia-se uma discussão: os homens questionam se a mulher não tivera a cabeça decepada por haver traído o marido. Um outro pergunta pelo picolezeiro ou pipoqueiro. A moça fala e gesticula defendendo a honra da... cabeça. E os cabelos ruivos da moça que fala e gesticula deslocam-se, sozinhos, apartados dela e de sua gesticulação. Chegam meninos “vestidos com a camisa de seu time”: a cabeça? É uma bola de futebol com a qual eles farão o gol da conquista do campeonato. É a inversão, a subversão completa de valores, uma das formas de manifestação do riso literário.
  • Nós, leitores, diante desse mundo de cabeça para baixo, nos perguntamos: esse ajuntamento é circo ou festa? É gozo ou sátira?
  • [...]
  • Conto paradigmático de todas as considerações que fizemos da contística de Luiz Vilela é o conto-título de sua última coletânea, A cabeça. Trata-se de um conto que reúne em si o enfraquecimento do narrador quase até à ausência, com predominância do diálogo e o debate, incisivo e em curtas trocas de palavras, dos principais temas de Vilela: a religião, o conflito amoroso, a incomunicabilidade entre os homens, a infância e a velhice, a morte, a violência humana.
  • As estratégias semionarrativas também se multiplicam nesse conto de poucas páginas (AC, p. 123-132): é o riso literário percorrendo gradações que vão do cômico ao satírico; é a sintaxe de transformação dos atores se dando em ritmo veloz, em poucas pinceladas, para logo em seguida se passar para outra cena; são as notações descritivas, rápidas e sintéticas, como que emoldurando a seqüência de cenas ligadas pelo motivo comum da cabeça cortada que apareceu no meio da rua; é a série de isotopias temáticas decorrendo de valores modais sendo realizados em rápida sucessão; é o leitor, atônito, patemizado pelo absurdo da cena, que é vista de modo plácido e jocoso pelos circunstantes. Um personagem (o autor estaria nele explicitado?) como que desiste desse mundo sem alma: “a prosa está boa, mas...” (AC, p. 132) – o conto fecha-se, o enunciador parte, e o leitor, desconsolado com o mundo, fecha o livro.


Algumas considerações sobre a coletânea A cabeça:
“Luiz Vilela confirma ser um dos maiores contistas do país com A cabeça, livro em que mostra raro domínio da técnica do diálogo.” - Almir de Freitas, Bravo!.

            “Dez contos magistrais: sim, existe grande escritor fora do eixo Rio-SP e dos holofotes da mídia.” - Luiz Roberto Guedes, Trip
“Os diálogos mais parecidos com a vida que a literatura brasileira já produziu.” - Sérgio Rodrigues, Jornal do Brasil.

            “O livro de Luiz Vilela tem uma grande importância não porque seja um livro extraordinário, mas porque pisa fundo, e com finíssimo sarcasmo, no centro da ferida de nosso meio literário.” - José Castello, O Estado de S. Paulo.

“Esses contos proporcionam uma surpresa ao leitor: relembrar o poder que frases perfeitamente triviais têm para seduzir, coagir e enganar.” - Carlos Graieb, Veja.

“São textos construídos em cascatas de conversas que se sucedem e surpreendem, logo no início, no meio ou no fim, ao desnudarem desejos e comportamentos humanos que costumam ser camuflados, escondidos como sujeira ou um corpo morto, debaixo do tapete imaculado da sala.” - Cecília Costa, O Globo.

“O tema preferido de Luiz Vilela é o contato humano.” - Francesca Angiolillo, Folha de S.Paulo.

“Na busca da fluência de uma escrita enxuta, Vilela cria uma musicalidade que envolve o leitor aos poucos, à medida que seus personagens costuram conversas reveladoras. São situações prosaicas, mas que captam o fluxo da vida sob o véu das aparências.” - Ivan Cardoso, Istoé.

              “Habitante de um território único em nossa ficção, o mineiro Luiz Vilela é dono de um estilo cristalino como a água de um rio de montanha.” - Miguel Sanches Neto, Rascunho.

“O maior fabricante de diálogos da literatura brasileira.” - Paulo Paniago, Correio Braziliense.
           
“Mesquinharias, sonhos, devaneios, ganância, devassidão, corrupção, violência — um amplo painel construído com um vigor incomum na literatura nacional.” - Néri Pedroso, A Notícia.

“Uma prosa cortante.” - Roberto Nicolato, A Gazeta.

“As narrativas, aparentemente despretensiosas, são sofisticadas armadilhas, armadas pela ironia ou pelo humor, que prendem o leitor e o levam a refletir sobre a vida e sobre o que fazemos dela.” - Francisco de Morais Mendes, O Tempo.

“Vilela, com sua prosa límpida e fluente, é mesmo um excelente contador de histórias. Será necessário mais do que isso?” - Mário Pereira, Diário Catarinense.

“Sua literatura é uma grande invasão à mente e ao coração daqueles que sabem se entregar à voz do escritor. Invasão elaborada com vozes, silêncios e artimanhas literárias dignas de um mestre.” - Valéria Lamego, Veredas.

“Um soco no estômago do formalismo e um tapa na inconsequência moral da classe média.” - João Paulo Cunha, Estado de Minas.

“A inconfundível habilidade de Luiz Vilela em retratar o meandro das conversas e o subentendido dos diálogos está mais uma vez presente em seu novo livro, A cabeça.” - Maurício Moreira, Weblivros.

“Vilela, assim, mostra-se um contista absolutamente contemporâneo, revelador de recalques, temores e truculências que assustam e paralisam o nosso tempo — um tempo que parece não ter passado e que não se permite nenhum futuro.” - Haroldo Ceravolo Sereza, estadao.com.br.

“Os diálogos precisos, fartamente estudados e traduzidos, encontram um lugar de destaque nesses novos textos.” - Whisner Fraga, Brasília Literária.

            “O ritmo dramático apresenta sequências onde o aleatório e o ‘nonsense’ se somam a uma certa crueldade cínica e perversa.” - Nízia Villaça, Rio Letras
“Eis a fala mansa de um ficcionista que impressiona exatamente pelo modo imperturbável — e impecável — com que cria contos.” - Paulo Bentancur, www.bestiario.com.br.

            “Vilela faz de seus contos a geometria do silêncio.” - Rogério Pereira, Jornal do Estado.

“Os personagens de Vilela são sujeitos que, numa falsa tranquilidade, escondem tormentos.” - Cláudia Chalita Azevedo, Scripta.

            “Textos densos e fortes, que criticam com veemência a mediocridade humana.” - Alécio Cunha, Hoje em Dia.

            “Os dez contos deste livro evidenciam a maestria de Vilela no domínio da tessitura narrativa, com diálogos bem armados, não-ditos reveladores e situações cheias de ambiguidade, acidez e humor.” - Bravo! Edição 100 — O Ranking do Melhor da Cultura em Oito Anos.
  
Biobibliografia atualizada de Luiz Vilela está disponível na aba Vilela. E uma relação de estudos sobre sua obra encontra-se na aba Fortuna Crítica.

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