sábado, 30 de junho de 2012

PERDIÇÃO: Resenha - 13


PERDIÇÃO, DE LUIZ VILELA: UM
ÉPICO IRÔNICO E COMPASSIVO


Pauliane Amaral

Graduada em Comunicação Social, mestranda em  Estudos de 
Linguagens na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 
e integrante  do Grupo de Pesquisa Luiz Vilela. 
Email: paulianeamaral@gmail.com.


VILELA, Luiz. Perdição. Rio de
Janeiro: Record, 2011. 400 p.

Perdição, lançado em dezembro de 2011, é o mais recente romance do escritor mineiro Luiz Vilela, que dedicou cerca de doze anos à escrita do livro. Com vinte e cinco livros publicados, entre contos, novelas, romances e antologias, a trajetória do escritor, iniciada ainda aos 24 anos com o lançamento do livro de contos Tremor de terra (1967), com o qual venceu o conceituado Prêmio Nacional de Ficção, ganha mais uma obra prima.

Do seu lançamento até agora, Perdição gerou repercussão entre críticos literários e estudiosos, como o Professor Rauer Ribeiro Rodrigues, que estuda a obra de Luiz Vilela há mais de dez anos. Rauer afirma que “o romance de Luiz Vilela exala uma esperança desesperançada”. Jornais e revistas também deram seu parecer sobre o livro, a exemplo da Revista Veja, que em nota intitulada “Perdição”, no blogImperdível, afirma que “Luiz Vilela desafia o conceito de epopeia ao colocar um pescador prosaico no centro de um épico bíblico”.

Desde 1967, Vilela recebeu muitos outros prêmios, foi adotado em vestibulares, traduzido em diversos países e adaptado para teatro, cinema e TV. A crítica elogia, na sua obra, a concisão, o coloquialismo, a maestria do diálogo e o vigor da linguagem. A força de suas narrativas é alcançada sem pirotecnias ou truques. A linguagem de sua obra é simples, mas temas complexos latejam sob a superfície dos acontecimentos banais.

Começou a escrever aos treze anos, depois de aprender a ler sozinho e sempre estar, desde a primeira infância, com um livro na mão. Mudou-se aos quinze anos de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, onde nasceu, para Belo Horizonte. Formou-se em Filosofia, mas nunca buscou o diploma. Trabalhou por quase um ano em São Paulo, como jornalista. Passou uma temporada nos Estados Unidos e outra na Europa. Ao retornar ao Brasil, fundou uma editora. Foi passar o Natal com a família e decidiu residir em Ituiutaba, considerando o interior o melhor lugar para se dedicar integralmente à literatura. Teve um filho e, depois, cuidou da mãe, que faleceu aos 106 anos, em 2011.

Declarou certa vez: “Eu só escrevo quando a necessidade de escrever é tão natural e tão imperiosa como a fome, a sede, o sono”. Já dissera, antes, que escrever era consequência do que vivia, do que pensava, do que via e do que fazia. Daí, concluiu: “a contribuição que um escritor pode dar à realidade de seu país é contar tudo o que viu”.

Assim é Luiz Vilela, seu jeito de ser, sua obra e o Perdição.

Desde a novela Bóris e Dóris  (2006), Vilela não publicava nenhum livro inédito. Perdição, com sua inspiração bíblica, discute a mercantilização da fé em tempos em que tudo virou comércio. Marcado pelo uso predominante do diálogo, um dos traços característicos da ficção de Luiz Vilela, o livro narra a história do pescador Leo, que, seduzido pelo líder religioso Mister Jones, se torna pastor.

O romance é permeado por um tom de ceticismo: o narrador Ramon, amigo de Leo, tem postura cautelosa, para não dizer crítica, frente aos temas religiosos, tão presentes em país no qual mais de 90% das pessoas pertencem a alguma religião, conforme o Censo de 2000, época em que se passa o enredo do romance.

Mas, no fim, Perdição trata do homem, de sua ambição, sua ignorância, sua irracionalidade, suas taras, sua corrupção, seus sonhos, seus desalentos – e de outras questões, comuns a todos nós.

O livro, dividido em três partes – “O rapaz dos peixes”, “Pastor das almas” e “Ninguém” –, prende o leitor no fluxo contínuo de acontecimentos que traçam um panorama de nossa sociedade. No universo do romance, algumas personagens partem em busca de redenção, transformando, muitas vezes, a fé em subterfúgio para o comércio, enquanto outros, como o narrador Ramon, criam um contraponto ao misticismo que o rodeia. Daí decorre que Perdição é um épico irônico e compassivo, cético, niilista, porém com uma ponta de crença no humano.

Nesse mundo de inversão de valores, o pescador Leo, incapaz de realizar milagre que cure a própria filha, vê desvelada sua impotente condição terrena, agora mais miserável que nunca. Para o crítico literário e escritor Miguel Sanches Neto, “o romance é a história de uma busca”, uma busca concluída com o fim trágico do pescador, o que nos remete às limitações da existência humana e da inútil pretensão que temos em transcender nossa própria natureza imperfeita.

Publicado originalmente na Revista Linha d'água, do Programa de Pós-Graduação em
Filologia e Língua Portuguesa da USP - Universidade de São Paulo. Confira em:
http://www.revistas.fflch.usp.br/index.php/linhadagua/article/view/464/445.
   

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