POR QUE ESCREVO FICÇÃO
Luiz Vilela
Seria curioso, para
dizer o mínimo, que uma pessoa há mais de 20 anos fazendo um determinado tipo
de coisa, ao ser indagada por que o faz, responda que não sabe por quê. Pois é
mais ou menos isso o que acontece comigo. Há mais de 20 anos que escrevo
ficção, mais de 20 anos em que não fiz nem pensei em fazer outra coisa, e, no
entanto, toda vez que alguém me pergunta por que o faço, me sinto terrivelmente
embaraçado. O que responder? Se respondo que não sei, recebo de volta um ar de
incredulidade, ou, pior, um ar de aborrecimento, como se eu estivesse apenas me
descartando da pergunta. "Como não sabe? Não é possível", dizem
essas pessoas.
É possível sim, digo
eu. E por que não? Há tanta coisa que fazemos sem saber por quê. Há mesmo coisas
que fazemos durante a vida inteira e não sabemos por quê. Entretanto, isso não nos impede de fazê-las. Talvez
até se desse o contrário: saber é que nos impediria. Se eu, por exemplo, depois
de muito pensar, chegasse à conclusão de que escrever ficção é uma grande
besteira? Teria de dependurar as chuteiras; seria difícil, ou mesmo impossível
continuar a escrever depois disso. Ou, talvez, eu já tenha chegado a uma
conclusão maior: a de que, afinal de contas, tudo é besteira — e, besteira por
besteira, escrever ficção não é a pior delas.
Eu poderia, apesar de
tudo, dar uma resposta positiva. Não só uma: poderia dar duas, três, poderia
dar até dez respostas. Poderia, por exemplo, dizer que escrevo para modificar
o mundo — não é o que todo escritor diz hoje? Poderia falar sobre o processo
histórico, a missão da literatura, a responsabilidade do escritor — poderia
falar horas sobre isso, se quisesse. Mas não quero: não sou um intelectual; sou
apenas um contador de histórias.
É claro que, como qualquer
outra pessoa com um mínimo de consciência e de sensibilidade, eu não aceito o
mundo que está aí — esse mundo com tanta miséria, tanta injustiça, tanta
opressão — e desejaria de todo o coração fazer alguma coisa para modificá-lo. Como
escritor, eu sei que a literatura pode ser uma importante arma nessa luta — não
esquecendo, porém, que, assim como o inferno, a subliteratura está cheia de
boas intenções — e ficaria muito feliz se soubesse que meus livros ajudaram, um
pouco que seja, o mundo a se tornar melhor. Mas é por isso que eu escrevo? E se
eu soubesse que meus livros não alteraram uma vírgula na face da Terra?
Deixaria de escrever?
Talvez eu pudesse
dizer que escrevo simplesmente para dar prazer às pessoas. Acho bom — que autor
não acha? — quando alguém me conta que gostou de um escrito meu. Por mais
simples que seja o comentário dessa pessoa, se é sincero e espontâneo, me
deixa mais contente do que os comentários da crítica — especialmente hoje,
quando a crítica parece se dividir entre a leviandade jornalística e a empolação
universitária. Um dos melhores comentários que já recebi sobre um livro meu
veio do tipógrafo que o estava imprimindo, no Rio: contou-me ele que na
sexta-feira, após o expediente, quando todo o mundo partia para o fim de semana,
ele permaneceu na gráfica sozinho batendo o livro — porque não queria parar,
porque queria ler até o fim.
Algumas pessoas já me
disseram: “Não entendo nada de literatura, mas gostei muito de seu livro.”
Ótimo. Gostou? Não gostou? É o que importa — é o que, pelo menos, a mim importa.
Mas, por mais importante que isso seja, às vezes também me sinto totalmente
indiferente a que as pessoas gostem ou não gostem do que escrevi — e até de
que o leiam. Já cheguei mesmo à conclusão de que, ainda que não houvesse
leitores, eu provavelmente continuaria escrevendo. Aliás, quando estou
escrevendo, é como se do outro lado da máquina de escrever ninguém existisse.
Creio, então, que a
melhor resposta que eu poderia dar seja essa: escrevo ficção por uma
necessidade de contar histórias, não importa a quem nem para quê. Uma
necessidade que surgiu na adolescência e que, com o tempo, se tornou tão vital
quanto comer e dormir, e, em certas circunstâncias, até mais. Hoje, não consigo
me imaginar vivendo sem escrever. Parar de escrever seria uma espécie de morte —
seria realmente morrer. Assim, sabendo ou não sabendo por quê, escrever ficção
é o que eu faço e é o que eu certamente farei até o fim de minha vida.
Este depoimento, lido pelo autor em Brasília, no Teatro Galpãozinho, em 18 de abril de 1978, foi publicado na edição especial de nº 1000 do Suplemento Literário de Minas Gerais - SLMG, em 30 de novembro de 1985. Para mais informações, clique aqui.