sexta-feira, 30 de março de 2012

LUIZ VILELA: 55 ANOS DE FICÇÃO - 1


POR QUE ESCREVO FICÇÃO

                                                                                                       Luiz Vilela

Seria curioso, para dizer o mínimo, que uma pessoa há mais de 20 anos fazendo um determinado tipo de coisa, ao ser indagada por que o faz, responda que não sabe por quê. Pois é mais ou menos isso o que acontece comigo. Há mais de 20 anos que escrevo ficção, mais de 20 anos em que não fiz nem pensei em fazer outra coisa, e, no entanto, toda vez que alguém me pergunta por que o faço, me sinto terrivelmente embaraçado. O que responder? Se respondo que não sei, recebo de volta um ar de incredulidade, ou, pior, um ar de aborrecimento, como se eu estivesse apenas me des­cartando da pergunta. "Como não sabe? Não é possível", dizem essas pessoas.
É possível sim, digo eu. E por que não? Há tanta coisa que fazemos sem saber por quê. Há mesmo coisas que fa­zemos durante a vida inteira e não sabemos por quê. Entre­tanto, isso não nos impede de fazê-las. Talvez até se desse o contrário: saber é que nos impediria. Se eu, por exemplo, depois de muito pensar, chegasse à conclusão de que escrever ficção é uma grande besteira? Teria de dependurar as chu­teiras; seria difícil, ou mesmo impossível continuar a es­crever depois disso. Ou, talvez, eu já tenha chegado a uma conclusão maior: a de que, afinal de contas, tudo é besteira — e, besteira por besteira, escrever ficção não é a pior delas.
Eu poderia, apesar de tudo, dar uma resposta positiva. Não só uma: poderia dar duas, três, poderia dar até dez res­postas. Poderia, por exemplo, dizer que escrevo para modifi­car o mundo — não é o que todo escritor diz hoje? Poderia falar sobre o processo histórico, a missão da literatura, a responsabilidade do escritor — poderia falar horas sobre isso, se quisesse. Mas não quero: não sou um intelectual; sou apenas um contador de histórias.
É claro que, como qual­quer outra pessoa com um mínimo de consciência e de sensibi­lidade, eu não aceito o mundo que está aí — esse mundo com tanta miséria, tanta injustiça, tanta opressão — e desejaria de todo o coração fazer alguma coisa para modificá-lo. Como escritor, eu sei que a literatura pode ser uma importante arma nessa luta — não esquecendo, porém, que, assim como o inferno, a subliteratura está cheia de boas intenções — e ficaria muito feliz se soubesse que meus livros ajudaram, um pouco que seja, o mundo a se tornar melhor. Mas é por isso que eu escrevo? E se eu soubesse que meus livros não altera­ram uma vírgula na face da Terra? Deixaria de escrever?
Talvez eu pudesse dizer que escrevo simplesmente para dar prazer às pessoas. Acho bom — que autor não acha? — quando alguém me conta que gostou de um escrito meu. Por mais simples que seja o comentário dessa pessoa, se é sin­cero e espontâneo, me deixa mais contente do que os comentá­rios da crítica — especialmente hoje, quando a crítica pa­rece se dividir entre a leviandade jornalística e a empola­ção universitária. Um dos melhores comentários que já recebi sobre um livro meu veio do tipógrafo que o estava impri­mindo, no Rio: contou-me ele que na sexta-feira, após o ex­pediente, quando todo o mundo partia para o fim de semana, ele permaneceu na gráfica sozinho batendo o livro — porque não queria parar, porque queria ler até o fim.
Algumas pessoas já me disseram: “Não entendo nada de literatura, mas gostei muito de seu livro.” Ótimo. Gostou? Não gostou? É o que im­porta — é o que, pelo menos, a mim importa. Mas, por mais importante que isso seja, às vezes também me sinto totalmente indiferente a que as pessoas gostem ou não gostem do que es­crevi — e até de que o leiam. Já cheguei mesmo à conclusão de que, ainda que não houvesse leitores, eu provavelmente con­tinuaria escrevendo. Aliás, quando estou escrevendo, é como se do outro lado da máquina de escrever ninguém existisse.
Creio, então, que a melhor resposta que eu poderia dar seja essa: escrevo ficção por uma necessidade de contar his­tórias, não importa a quem nem para quê. Uma necessidade que surgiu na adolescência e que, com o tempo, se tornou tão vital quanto comer e dormir, e, em certas circunstâncias, até mais. Hoje, não consigo me imaginar vivendo sem escrever. Parar de escrever seria uma espécie de morte — seria realmente morrer. Assim, sabendo ou não sabendo por quê, escrever ficção é o que eu faço e é o que eu certamente farei até o fim de minha vida.

Este depoimento, lido pelo autor em Brasília, no Teatro Galpãozinho, em 18 de abril de 1978, foi publicado na edição especial de nº 1000 do Suplemento Literário de Minas Gerais - SLMG, em 30 de novembro de 1985. Para mais informações, clique aqui.

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