PERDIÇÃO: SÍNTESE DE UMA
COSMOVISÃO EM EVOLUÇÃO
João Assis de Oliveira
Existe
vasta riqueza crítica sobre a obra de Luiz Vilela — todos bem o sabem; cada uma
diz um pouquinho da própria verdade pessoal (sintomática) ao destacar esta ou
aquela, digamos assim, tendência evolutiva no incrível percurso de Luiz Vilela.
Assim,
pode-se tomar Perdição como um adequadíssimo mostruário (e até monstruário —
veja-se o Papudo [monstro do lago que é cenário do romance]) do que
se disse acima. Existe, no romance, um pouco do muito que havia já no início da
mímese da vida a que se propôs Vilela em sua arte.
(AVISO aos
navegantes: não se pretende aqui fazer PSICOLOGISMO, sempre vão porque
barato; muito menos PSICANALISAR uma obra — seria isso possível?!).
O que
importa aqui é destacar, em Perdição, o alcance de um
ponto (no sentido mesmo do que se faz com um doce) a partir do qual
o narrador (com seu tanto de autor) parece dizer algo assim: está aqui o que
pude alcançar do mistério que é a vida; eis aí meu deslumbramento e
também meu descontentamento com ela. Fala-se muito de Deus no que escrevi; mas
o diabo está bem mais presente aí — ele está nas entrelinhas, como o de João
Guimarães Rosa esteve pelas veredas, no meio dos redemoinhos do sertão.
A
propósito, ser tão solitário — por exigência mesmo da arte em que se meteu a aprontar
—, o escritor paga o seu alto preço (pois não quis a loucura e nem o suicídio).
E se escolheu viver, o Simbólico cobra dele a honestidade e a franqueza de sua
mímese, pois o autor corre perigosamente por entre esses dois outros riosinhos,
todos os três indo acabar na lagoa — no Estige — em que se meteu Leonardo, e
onde o narrador só quis dar uma olhada, felizmente — possivelmente,
este último deve ter aprendido com Nietzsche que lidar
com monstros é estar sempre à beira do precipício (que seja de uma
lagoa), em que não se deve olhá-lo muito demoradamente, sob pena de também
em um monstro se transformar...
Pois bem,
todo este preâmbulo é apenas para dizer da beleza de um percurso honesto, de
uma cosmovisão autêntica, de um testemunho quase evangélico, de um vivenciar o
suprerreferido mistério. Veja-se se não é verdade: da compaixão quase
competentemente animal dos belíssimos contos “A chuva nos telhados antigos” e “Piabinha”,
por exemplo, passa-se — por via, certamente, de um longo, prazeroso e não menos
doloroso percurso — passa-se à tão humana, mordaz e bem escrita ironia presente
aos borbotões via fala de Ramon no Perdição.
Mas não
nos iludamos, nós leitores, pois que atos falhos sempre existirão, desde que se
trate de humanos. Ramon parece tão seguro de si, no relato ora em análise — que
exaustivamente ironiza tudo, com humor cáustico, no lugar e na hora certa — e
desvelando, por isso, sua tão peculiar cosmovisão! Porém, quando comparece o
Inconsciente, ele e Leo (particularmente este) levam cada um sua bordoada;
note-se isto nas conversas aparentemente triviais à beira da lagoa em que se
metem a pescar (ops! É "metem" mesmo, pois há um erotismo sutil e
inconsciente pairando toda a cena... Eh, esse negócio de duplas fiéis de
pescadores é muito suspeito... Nada contra; apenas constata-se o fato aqui).
Perdição, então, está repleto de uma mestria
que aqui se propõe chamar de SÍNTESE. Mas, felizmente, ele foi escrito
(quero acreditar nisso) para se afastar, por mais um tempinho ainda, daquilo
que é a verdadeira síntese: a morte — essa "indesejada das gentes"
que percorre incólume a obra em questão. Vilela pega seu Ramon (ou é pego por
ele) e o faz revelar os rodeios, tão peculiares e cheios de cuidado — que o
distanciam do Estige por mais tempo. Já Leonardo acaba por voltar a fazer parte
da sopa original e milenar (ou da lagoa) de onde surgiu a vida — ah, a
misteriosa vida.
Que venha
mais Vilela, a enganar pelo máximo de tempo possível a inexorável morte — de
nossa parte, resta agradecer-lhe pelo relato de mais essa bela rasteira nessa
danada de foice tão afiada e fatal.
É mesmo
verdade o que o próprio autor de Perdição certa feita disse: "As
grandes alegrias e as grandes tristezas são sempre solitárias". Agora, com
o Perdição, foi
a vez das "grandes alegrias" — felizmente!
Perdição, não — Redenção, isso sim!
João
Assis de Oliveira é médico; foi professorde
língua portuguesa, redação e literatura; éalma
inquieta, apaixonada por literatura; na
Ituiutaba natal, foi jovem livreiro
língua portuguesa, redação e literatura; éalma
inquieta, apaixonada por literatura; na
Ituiutaba natal, foi jovem livreiro
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