segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

LUIZ VILELA AOS 70 ANOS

O escritor Luiz Vilela nasceu em Ituiutaba, Minas Gerais, em 31 de dezembro de 1942. Completa hoje, portanto, 70 anos. Publicou, até o momento, seis coletâneas de contos, três novelas e cinco romances. Para 2013, programa uma nova coletânea de contos. Seu livro mais recente, o romance Perdição, saiu em dezembro de 2011. Acaba de receber, como melhor narrativa publicada no Brasil naquele ano, o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2012, honraria que já premiou autores dos mais importantes de literatura brasileira em todos os tempos. Marcando as sete décadas de vida do escritor e o primeiro ano do romance, o Grupo de Pesquisa Luiz Vilela publica resenha sobre o Perdição.

A resenha é do coordenador do GPLV, Rauer Ribeiro Rodrigues, que - em 4 de dezembro de 2011 - publicou a primeira resenha sobre o romance, "A divina Perdição - o épico bíblico de Luiz Vilela", que pode ser lida aqui. A seguir, um resumo da resenha. Na sequência, uma foto do escritor, o novo artigo de Rauer sobre o romance, e um pequeno trecho do Perdição.

Resumo: O escritor Luiz Vilela, que nasceu em Ituiutaba, MG, em 1942, lançou, em 2011, seu quinto romance, Perdição. Em quase quatrocentas páginas, Ramon, o narrador, relata a vida de Leonardo, um pescador conhecido como Leo, seu amigo de infância. Leo aceita convite para ingressar em uma nova religião, muda-se para o Rio de Janeiro e se torna o Pastor Pedro. Tendo sucesso na atividade, ganha dinheiro e impressiona a todos quanto retorna à pequena Flor do Campo, dirigindo seu carro e trajando terno e gravata. Após muitas informações não comprovadas e versões as mais desencontradas sobre as atividades do Pastor Pedro no Rio, inclusive algumas que garantem que ele foi para o exterior, Leo, em estado de penúria, retorna para sua cidade natal. Qualificado por Luiz Vilela como "épico de inspiração bíblica", em Perdição a pequena Flor do Campo é metonímia do Brasil. Romance polifônico, em que as personagens são desnudadas pelo narrador iluminista e cético, as páginas de Perdição destilam desencanto no laivo amargo de um tempo em que nem a esperança faz mais sentido. 
Palavras-Chave: Ficção e História; Literatura Brasileira; Polifonia.


  GPLV / Pauliane Amaral – maio 2011
O escritor Luiz Vilela, durante a 4ª Semana Luiz Vilela, em Ituiutaba, MG






DE LUIZ VILELA, PERDIÇÃO, METONÍMIA DE BRASIL


Rauer Ribeiro Rodrigues *




Há um ano saiu, pela Editora Record, o romance Perdição, de Luiz Vilela, que acaba de receber o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2012 de melhor narrativa de 2011. No romance, o ficcional tem por referência a história de nosso tempo, das tramoias nos gabinetes palacianos de prefeitos desajeitados e sem prumo às angústias, frustrações e alegrias cotidianas das pessoas comuns.
Luiz Vilela disse, certa vez, apreciar Heráclito, em virtude de o filósofo pré-socrático afirmar que o ouro está nas profundezas. Vilela entende que, diante de um texto literário, o leitor deve cavar sempre, pois assim sairá gratificado da leitura. Os livros do escritor evidenciam tal concepção, muito embora, em Luiz Vilela, a profundidade seja construída com a capa de uma simplicidade enganosa. 
O escritor — que nasceu em Ituiutaba, MG, em 1942 — despontou em 1967, ao ganhar, em Brasília, o Prêmio Nacional de Ficção. Daí para cá, recebeu diversos outros prêmios, foi adotado em vestibulares, traduzido em diversos países e adaptado para teatro, cinema e TV. A crítica elogia a concisão, o coloquialismo, a maestria do diálogo e o vigor da linguagem, o que é alcançado sem pirotecnias ou truques.
Perdição, lançado no final de 2011, é o quinto romance do escritor. Vilela é também autor de seis coletâneas de contos e três novelas. Publicou quase duas dezenas de antologias. Trabalhou, em seu último romance, mais de uma década. Resultou, desse lapidar incessante, amplificar ao limite os recursos linguísticos e narrativos de seu repertório, para — com ainda menos — expressar mais.
Mas, ao contrário da exigência de cavar sempre, o leitor sai gratificado tanto da leitura despretensiosa quanto do estudo compenetrado. Isso porque, como em toda a sua obra, Vilela opta por palavras do dia-a-dia, por diálogos corriqueiros, por questões cotidianas. As soluções empreendidas não deixam à mostra os andaimes, o leitor mergulha na obra, vivencia as pequenas dores, vitórias e dramas das personagens.
Contracenam, em Perdição, mandatários políticos e populares anônimos de uma pequena cidade, Flor do Campo. O narrador é o jornalista Ramon, formado em Letras, espírito racional e humanista. Uma mistura de Voltaire com Diderot. Satírico, se manifesta de modo claro no convívio com as muitas personagens humildes do romance. O mote da narrativa é a trajetória do pescador Leonardo, conhecido como Leo.
Convidado para ser pastor de uma nova igreja, Leo vai para o Rio de Janeiro, torna-se o Pastor Pedro, passa a viver com luxo e, devido ao seu novo status, ao carro, ao terno e à gravata, impressiona a todos quando visita Flor do Campo. Depois de uma cena patética com a filha, percebe que sua vida é uma farsa, mergulha nas drogas e termina de modo trágico. Não há, felizmente, juízo moral dessa trajetória.
Talvez pudesse o romance, em vez de trinta e três capítulos em quatrocentas páginas, ter quarenta e quatro capítulos em seiscentas páginas. Talvez algumas personagens, como o excêntrico e interessante Barroso, pudessem aparecer em mais capítulos. Talvez a procura pelo protagonista perdendo-se no Rio de Janeiro merecesse o relato de alguém à sua procura, sem encontrá-lo, como em uma descida aos infernos.
Isso, sem o romance perder suas sombras e seus silêncios, sem que esse mais —mantendo a sobriedade e as ambiguidades da narrativa — signifique menos. Teríamos outras nuances em temas como o da viagem, o do filho que sai de casa, o da queda inexorável, o da vida que se faz ruínas, o do retorno trágico em trajes do século XXI, aprofundando o indecidível sobre o qual o romance se afirma.
Talvez, também, pudesse Perdição conter outros gêneros textuais ou estratégias narrativas, em vez do idioleto de Vilela, fixado com predominância do diálogo. Tal variação, quando surge, dá força e vigor ao discurso romanesco, na maior parte esgarçado pela reiteração do diálogo, ainda que naturais e verossímeis. Exemplo disso é o clímax do romance, encenado pela voz interposta de uma reportagem de televisão.
Parece haver, assim considerando, insistência em um único modo de conduzir a narrativa, por cenas dialogadas em que o dito tem menor importância do que o silenciado, em sintonia com a obra anterior de Vilela, ainda que agora a fábula seja nova. Talvez tenha faltado o assombro do abismo, o mergulho no incerto, a reinvenção de procedimentos, a virgindade desbravada, a conquista de um novo modo de dizer.
“Às vezes”, diz o protagonista, “o que ficou para trás é o que está pela frente. [...] o que está pela frente é o que ficou para trás. [...] o que está embaixo é o que está em cima; e o que está em cima, o que está embaixo. [...] Às vezes o começo é o fim, e o fim, o começo” (Vilela, Perdição, p. 247-248). Talvez não tenha sido mimetizada na trama textual tal cambiante instabilidade do enredo, em que nada se firma como certo.
O narrador entremeia à trajetória do protagonista uma miríade de acontecimentos banais da cidade. Iluminista, seu olhar desesperançado desvela as personagens por suas falas, no mais desimportantes. Cético, sem compartilhar das crendices dos conterrâneos, o narrador, para nos valermos de uma metáfora, eviscera e desnuda as emoções das demais personagens, ainda que as motivações do protagonista permaneçam em sombras.
Vilela afirmou que Perdição é um épico de inspiração bíblica. Como pode ser épico, no retrato de pessoas simples, na tragédia de vidas secundárias, no enredo de miudezas, nas histórias sem glória que se sucedem? Uma leitura apressada diria ser epopeia do banal, elogio da mediocridade ou aglomerado de crendices rodeando entrecho previsível. Tal parecer se origina de profundo engano.
Se a vida encenada é medíocre, vulgar, previsível, sensaborona, agarrada a patuás, o romance de Vilela — sem escapismos — desvela a irrelevância do nosso modo de viver. A arte do escritor é, com tal argamassa, manter o pique por quatrocentas páginas que prendem até o dolorido final, mesmo sem que o leitor tenha motivo para se apaixonar por personagens tão comuns, tão próximas, tão gente como a gente.
A construção do romance — em sua linguagem coloquial, simples, e suas personagens triviais — é presidida por engenho e arte: técnica, conhecimento, talento, experiência, estudo. A simetria da divisão da narrativa, com onze capítulos em cada uma de suas três partes, não revela, por si só, a cuidadosa sequência de fatos, ainda mais que alguns parecem — embora não sejam — alheios ao relato da vida de Leo.
O que significam as remissões intertextuais (e não só à Bíblia), a tragédia do protagonista e, implícitas a cada passo, as tragédias cotidianas? Discernir tais questões deve ser o primeiro passo para cavar as profundezas. Decifrar o mediano de previsível banalidade, o segundo. E o terceiro, determinar o significado dos eventos sem (aparente) ligação direta com o núcleo central da narrativa.
Na verdade, Perdição é um épico que revela o Brasil do início do terceiro milênio, o Brasil profundo, sangrado por uma elite gananciosa, por políticos corruptos, por falta de ação geral das personagens e pelo desengajado modo de ser dos intelectuais. A obra de Luiz Vilela é um retrato do qual nenhum dos retratados deve se orgulhar, pois revela a alienação em que todos vivem: uns, por inconsciência; outros, por comodismo.
Em Perdição, Vilela constrói o portentoso edifício de uma epopeia que nos revela em nossa insignificância humana, em nossa brasilidade ridícula, em nossa civilização decadente e em nossa mediocridade pessoal. Tudo compõe um painel do descompasso de um país que não sabe o que fazer com a própria grandeza. Tudo reflete o ocaso de uma civilização sem vislumbre quanto ao seu futuro, se é que há algum futuro.
A tragédia de Leo, a mesquinharia de sua esposa, a ganância de Mister Jones e seus pastores, a ignorância dos feirantes, a crendice da dona da pensão, a cultura inútil do dono do jornal, o iluminismo, satírico e sem consequências, do jornalista narrador: nada resta — no desencanto com que o olhar épico vê a cidade de Flor do Campo, metonímia do Brasil — a não ser o laivo amargo da Perdição.


*  Rauer Ribeiro Rodrigues
Doutor em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara, faz estágio pós-doutoral na UERJ, sob supervisão do prof. Roberto Acízelo de Souza, com pesquisa sobre o conto de Machado de Assis; professor de literatura brasileira e teoria da literatura no Câmpus de Corumbá da UFMS, coordena o Grupo de Pesquisa Luiz Vilela (acesse o blog do GPLV em http://gpluizvilela.blogspot.com/) e atua no Mestrado em Letras, no Câmpus de Três Lagoas, e no Mestrado em Estudos de Linguagens, no Câmpus de Campo Grande; escritor, tem sete livros de ficção publicados, e outros sete prontos por publicar; rauer.rauer@uol.com.br.

















       PERDIÇÃO
       Luiz Vilela
         Ed. Record, 2011
       R$ 39,90
         400 p.




Trecho do romance

Ele ficou um instante rememorando.
“Não sei”, disse; “não estou me lembrando muito bem do que eu disse aquele dia... Minha memória não anda muito boa, Ramon; não sei o que é...”
“Bom, mas isso também não tem importância”, eu disse. “Isso já ficou para trás.”
“Às vezes o que ficou para trás é o que está pela frente”, ele disse. “E às vezes o que está pela frente é o que ficou para trás.”
“É...”, eu concordei, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
“Às vezes também”, ele prosseguiu, “às vezes o que está embaixo é o que está em cima; e o que está em cima, o que está embaixo.”
Eu balancei a cabeça.
“Às vezes o começo é o fim, e o fim, o começo.”

 (Luiz Vilela, Perdição, p. 247-248)

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O sentimento familiar em contos de Luiz Vilela

Patrícia Martins COZER (UNIOESTE) 
Profa. Dra. Regina Coeli MACHADO E SILVA (UNIOESTE)

RESUMO: A proposta deste artigo é, basicamente, uma análise do sentimento afetivo no cerco familiar, correntemente exposto na narrativa de Luiz Vilela cuja temática envolve relações familiares. Dificilmente aceita em toda sua completude, a idéia de que o amor, tanto paterno quanto materno, e, ainda, o do filho para com seus pais, não é inato, será o eixo condutor deste trabalho. Com base em três contos de Luiz Vilela, pretendo apresentar a evolução da afetividade entre os membros de uma mesma família, e até a ausência desta, o que inclui implicações culturalmente impostas, traçando assim as influências de séculos passados para a atualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Família; Literatura Contemporânea; Antropologia da arte; Luiz Vilela.

XIX Seminário CELLIP, Unioeste, Cascavel - PR, 2009

http://projetos.unioeste.br/eventos/cellip/moodle/mod/glossary/view.php?id=282&sortkey=CREATION&mode=date

domingo, 23 de dezembro de 2012

"A cabeça" - conto é mencionado em diversos estudos

O conto "A cabeça", que integra o livro homônimo, lançado há dez anos — em julho de 2002 — pela Cosac & Naify, é analisado ou mencionado em diversos estudos. 

Reproduzimos abaixo trechos de alguns desses estudos.

Rinaldo de Fernandes, no Jornal Rascunho, de maio de 2010, in < http://rascunho.gazetadopovo.com.br/o-conto-brasileiro-do-seculo-21/ >:
  • Um conto como A cabeça, do mineiro Luiz Vilela, vale por toda uma série de textos de brutalidade, não só pela (mais que insólita) situação narrada, mas também por sua alta qualidade estética, notadamente a costura dos diálogos. A matriz narrativa dos (bons) autores citados são certamente os textos de Rubem Fonseca. Paulo Lins, Patrícia Melo, Marçal Aquino e Ferréz são — algo não muito difícil de perceber — epígonos do autor de A coleira do cãoFeliz Ano NovoPasseio noturno e O cobrador, entre outras obras-primas da literatura brutal. Nos contos de Rubem Fonseca, que privilegia a primeira pessoa, vale especialmente a tessitura do narrador, o ponto de vista violento (e incrivelmente verossímil) adotado por ele. A cabeça, escrito em terceira pessoa, é um conto que, no que se refere à vertente violenta, ao que tudo indica, não tem matriz em nossa literatura. É original. E sua originalidade, ao invés do narrador, reside especialmente na profunda ironia dos diálogos. Isto é um achado de Vilela (e o diálogo é, certamente, um dos recursos mais notáveis desse autor — é só conferir, nesse sentido, a novela Bóris e Dóris, de 2006). Manhã quente de domingo. Uma rua de um bairro distante do centro. Aí é encontrada uma cabeça humana. Logo se juntam em torno dela alguns populares — “o homem de terno e gravata”, “o da bicicleta”, “o baixote”, “o gordo”, “o barbicha”, “a moça”, “a ruiva”, “dois meninos”… A cabeça do morto desconhecido é, de repente, identificada pela “moça” como sendo a de uma conhecida — “A Zuleide lá do salão”. Mas a sua amiga, a “ruiva”, rejeita a hipótese: “Que isso, menina? Você está é doida!”. O conto (exemplo primoroso, em certos passos, da chamada função fática), cujas falas vinham se tecendo em torno de questões como o odor dos defuntos, Deus, o homem, a vida (“Deus uma cagada, o homem uma cagada, a vida uma cagada”, resume em determinado momento um dos personagens), passa então a se desenvolver em torno da questão de gêneros, pois um dos curiosos ali presentes, “o gordo”, acredita que o crime envolveu adultério: “A mulher estava chifrando o cara, e aí ele — sssp!…” (“sssp!” é o gesto de cortar a cabeça, conforme indica o narrador). A reação da “ruiva”, preocupada com a reputação feminina, é intempestiva: “Como você pode falar uma coisa dessas sem saber de nada?”. Homens e mulheres, a partir daqui, tornam mais tensos os diálogos (em que é visível a carga machista e preconceituosa da fala dos homens). No final, os meninos ficam imaginando uma bola da cabeça. Um diz: “Dá vontade de dar um balão”; o outro emenda: “Aí eu corro lá pra frente e mato no peito”. A brutalidade de nossas relações está em tudo neste conto de Vilela. Está na cabeça cortada e atirada na rua. Nos diálogos, repito, beirando o deboche, e tão espontâneos, dos populares. No choque de uma visão masculina das coisas com uma visão feminina. Na forte ironia do narrador, que expõe tudo isso com uma sutileza tal, que termina nos assombrando e exigindo, inevitavelmente, uma reflexão acerca da natureza da violência que nos cerca. E a ironia, no caso, torna-se talvez a forma mais eficiente de abordagem de questão tão grave de um tempo.

Geraldo Majella de Souza, em Reflexos dos confrontos suburbanos na narrativa de Dalton Trevisan, Tese defendida na UFMG em 2009, disponível em < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP-7XRG6X/tese_completa_e_revisada.pdf?sequence=1 >:
  • O sentido da contribuição que essa reflexão poderá trazer às leituras críticas dos textos de Trevisan se relaciona com a conjunção expressiva de dois tipos de violência que encontram sua representação na ficção concisa do escritor curitibano. Villaça exemplifica essa relação usando o famoso “Uma vela para Dario”, não sem antes chamar a atenção para o conto “A cabeça”, de Luiz Vilela.
  • A história de Vilela apresenta a violência numa forma banalizada e dialógica com o conto citado de Trevisan: “No conto, diante da cabeça decepada, abandonada no asfalto, as falas das personagens se enquadram numa desqualificação generalizada, evocando o lado bovino do homem” (VILLAÇA, 2004, 65).
  • Nesse conto, as pessoas deparam com uma cabeça decepada de seu corpo e abandonada na rua. O repúdio é a expressão dos transeuntes, e o evento perde, aos poucos, o sentido assustador e cruel, transformando-se em motivo de piada. Cada pessoa isola a cabeça do contexto e a dessacraliza, enxergando nela o signo que lhe interessa. Nessa ocorrência, ela se transforma em apenas um elemento utilitário. Similar reificação se representa em “Uma vela para Dario”, segundo Villaça (2004, 66).
  • A cabeça decepada do conto de Vilela perde o vínculo com o todo, desfigurando-se de concepções morais e ontológicas para suscitar metáforas corriqueiras, irônicas ou simplesmente lúdicas. Dessa mesma forma, Dario também é visto, mesmo diante da morte: é apenas um corpo com seus objetos. Esses objetos revertem o sentido altruísta que a história poderia ter e justificam a banalização da violência em um corpo que se assume tão objeto quanto seus adornos e valores roubados. Importante notar que se “A cabeça” é fragmento da violência, a partir da qual se chega à crueldade do ato, já no conto “Uma vela para Dario”, a crueldade no corpo completo é a potência em si. É o inteiro que transborda metonimicamente na parte violentada.
  • Referência: VILLAÇA, Nízia.  Cemitério de mitos: Uma leitura de Dalton Trevisan. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984. Artigo de Villaça que trata do conto "A cabeça" está em < http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/publicacoes/nvillaca_7.pdf >. 


Rauer Ribeiro Rodrigues, em Faces do conto de Luiz Vilela, tese disponível na aba Fortuna Crítica deste blog:
  •  [...] exercício virtuosístico da escrita, uma cristalização do estilo e das fixações temáticas de Vilela. Uma cabeça no meio da rua, curiosos, o sol estalando. Já chamaram “os home”? A resposta é um chiste: “Se quando é um corpo inteiro eles já demoram pra aparecer, que dirá quando é só uma cabeça...” Os personagens são identificados por características fisionômicas ou corporais: é o gordo, o barbicha, o de óculos, o de terno e bíblia que está voltando do culto.
  • No universo desindividualizado de “A cabeça”, a cabeça ganha nome: “É a Zuleide!”, grita uma moça, espalhafatosa. Aí, inicia-se uma discussão: os homens questionam se a mulher não tivera a cabeça decepada por haver traído o marido. Um outro pergunta pelo picolezeiro ou pipoqueiro. A moça fala e gesticula defendendo a honra da... cabeça. E os cabelos ruivos da moça que fala e gesticula deslocam-se, sozinhos, apartados dela e de sua gesticulação. Chegam meninos “vestidos com a camisa de seu time”: a cabeça? É uma bola de futebol com a qual eles farão o gol da conquista do campeonato. É a inversão, a subversão completa de valores, uma das formas de manifestação do riso literário.
  • Nós, leitores, diante desse mundo de cabeça para baixo, nos perguntamos: esse ajuntamento é circo ou festa? É gozo ou sátira?
  • [...]
  • Conto paradigmático de todas as considerações que fizemos da contística de Luiz Vilela é o conto-título de sua última coletânea, A cabeça. Trata-se de um conto que reúne em si o enfraquecimento do narrador quase até à ausência, com predominância do diálogo e o debate, incisivo e em curtas trocas de palavras, dos principais temas de Vilela: a religião, o conflito amoroso, a incomunicabilidade entre os homens, a infância e a velhice, a morte, a violência humana.
  • As estratégias semionarrativas também se multiplicam nesse conto de poucas páginas (AC, p. 123-132): é o riso literário percorrendo gradações que vão do cômico ao satírico; é a sintaxe de transformação dos atores se dando em ritmo veloz, em poucas pinceladas, para logo em seguida se passar para outra cena; são as notações descritivas, rápidas e sintéticas, como que emoldurando a seqüência de cenas ligadas pelo motivo comum da cabeça cortada que apareceu no meio da rua; é a série de isotopias temáticas decorrendo de valores modais sendo realizados em rápida sucessão; é o leitor, atônito, patemizado pelo absurdo da cena, que é vista de modo plácido e jocoso pelos circunstantes. Um personagem (o autor estaria nele explicitado?) como que desiste desse mundo sem alma: “a prosa está boa, mas...” (AC, p. 132) – o conto fecha-se, o enunciador parte, e o leitor, desconsolado com o mundo, fecha o livro.


Algumas considerações sobre a coletânea A cabeça:
“Luiz Vilela confirma ser um dos maiores contistas do país com A cabeça, livro em que mostra raro domínio da técnica do diálogo.” - Almir de Freitas, Bravo!.

            “Dez contos magistrais: sim, existe grande escritor fora do eixo Rio-SP e dos holofotes da mídia.” - Luiz Roberto Guedes, Trip
“Os diálogos mais parecidos com a vida que a literatura brasileira já produziu.” - Sérgio Rodrigues, Jornal do Brasil.

            “O livro de Luiz Vilela tem uma grande importância não porque seja um livro extraordinário, mas porque pisa fundo, e com finíssimo sarcasmo, no centro da ferida de nosso meio literário.” - José Castello, O Estado de S. Paulo.

“Esses contos proporcionam uma surpresa ao leitor: relembrar o poder que frases perfeitamente triviais têm para seduzir, coagir e enganar.” - Carlos Graieb, Veja.

“São textos construídos em cascatas de conversas que se sucedem e surpreendem, logo no início, no meio ou no fim, ao desnudarem desejos e comportamentos humanos que costumam ser camuflados, escondidos como sujeira ou um corpo morto, debaixo do tapete imaculado da sala.” - Cecília Costa, O Globo.

“O tema preferido de Luiz Vilela é o contato humano.” - Francesca Angiolillo, Folha de S.Paulo.

“Na busca da fluência de uma escrita enxuta, Vilela cria uma musicalidade que envolve o leitor aos poucos, à medida que seus personagens costuram conversas reveladoras. São situações prosaicas, mas que captam o fluxo da vida sob o véu das aparências.” - Ivan Cardoso, Istoé.

              “Habitante de um território único em nossa ficção, o mineiro Luiz Vilela é dono de um estilo cristalino como a água de um rio de montanha.” - Miguel Sanches Neto, Rascunho.

“O maior fabricante de diálogos da literatura brasileira.” - Paulo Paniago, Correio Braziliense.
           
“Mesquinharias, sonhos, devaneios, ganância, devassidão, corrupção, violência — um amplo painel construído com um vigor incomum na literatura nacional.” - Néri Pedroso, A Notícia.

“Uma prosa cortante.” - Roberto Nicolato, A Gazeta.

“As narrativas, aparentemente despretensiosas, são sofisticadas armadilhas, armadas pela ironia ou pelo humor, que prendem o leitor e o levam a refletir sobre a vida e sobre o que fazemos dela.” - Francisco de Morais Mendes, O Tempo.

“Vilela, com sua prosa límpida e fluente, é mesmo um excelente contador de histórias. Será necessário mais do que isso?” - Mário Pereira, Diário Catarinense.

“Sua literatura é uma grande invasão à mente e ao coração daqueles que sabem se entregar à voz do escritor. Invasão elaborada com vozes, silêncios e artimanhas literárias dignas de um mestre.” - Valéria Lamego, Veredas.

“Um soco no estômago do formalismo e um tapa na inconsequência moral da classe média.” - João Paulo Cunha, Estado de Minas.

“A inconfundível habilidade de Luiz Vilela em retratar o meandro das conversas e o subentendido dos diálogos está mais uma vez presente em seu novo livro, A cabeça.” - Maurício Moreira, Weblivros.

“Vilela, assim, mostra-se um contista absolutamente contemporâneo, revelador de recalques, temores e truculências que assustam e paralisam o nosso tempo — um tempo que parece não ter passado e que não se permite nenhum futuro.” - Haroldo Ceravolo Sereza, estadao.com.br.

“Os diálogos precisos, fartamente estudados e traduzidos, encontram um lugar de destaque nesses novos textos.” - Whisner Fraga, Brasília Literária.

            “O ritmo dramático apresenta sequências onde o aleatório e o ‘nonsense’ se somam a uma certa crueldade cínica e perversa.” - Nízia Villaça, Rio Letras
“Eis a fala mansa de um ficcionista que impressiona exatamente pelo modo imperturbável — e impecável — com que cria contos.” - Paulo Bentancur, www.bestiario.com.br.

            “Vilela faz de seus contos a geometria do silêncio.” - Rogério Pereira, Jornal do Estado.

“Os personagens de Vilela são sujeitos que, numa falsa tranquilidade, escondem tormentos.” - Cláudia Chalita Azevedo, Scripta.

            “Textos densos e fortes, que criticam com veemência a mediocridade humana.” - Alécio Cunha, Hoje em Dia.

            “Os dez contos deste livro evidenciam a maestria de Vilela no domínio da tessitura narrativa, com diálogos bem armados, não-ditos reveladores e situações cheias de ambiguidade, acidez e humor.” - Bravo! Edição 100 — O Ranking do Melhor da Cultura em Oito Anos.
  
Biobibliografia atualizada de Luiz Vilela está disponível na aba Vilela. E uma relação de estudos sobre sua obra encontra-se na aba Fortuna Crítica.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A alteridade na obra de Luiz Vilela

Está disponível na aba "Fortuna Crítica" a dissertação A alteridade em narrativas de Luiz Vilela, defendida por Laura Delgado em março de 2012. Reproduzimos, abaixo, o resumo do trabalho. Clique no título para ter acesso à íntegra da dissertação, e nos nomes sublinhados para ir ao Lattes da autora ou do orientador.

DELGADO, Laura Eliane de Magalhães AlvarezA alteridade em narrativas de Luiz Vilela. Campo Grande, 2012. 182 f. Dissertação (Mestrado, Estudos de Linguagens) – DLE/CCHS /UFMS. Orientador: Rauer Ribeiro Rodrigues. 
RESUMO: Este trabalho propõe a análise das relações de alteridade presentes em oito contos do escritor Luiz Vilela. Os contos selecionados apresentam personagens em confronto com alteridades definidas por serem estrangeiras (imigrantes e aquelas que não se sentem pertencentes ao lugar). Temos o "Outro", como aquele que não pertence ao grupo "nós" (os migrantes e o exótico) e também temos a "Outridade" (condição de acolhimento do outro por personagem local). O objetivo do estudo é estabelecer a forma com que Luiz Vilela representa o Estrangeiro, o "outro" e a "outridade". Para tanto, descrevemos o relacionamento que tais personagens estabelecem entre si. Utilizamos como método analítico os preceitos da semiótica greimasiana, em específico o quadrado semiótico. Valemo-nos também de referencial teórico embasado em estudos de Julia Kristeva, Todorov e Octavio Paz. Dialogamos com a fortuna crítica de Luiz Vilela, utilizando estudos de Wania Majadas, Yvonélio Nery Ferreira, Rauer Ribeiro Rodrigues e Ronaldo Vinagre Franjotti. A primeira hipótese, neste trabalho, é de que, em Luiz Vilela, como verificamos nos contos de explícito contato do "eu" com o "outro", o espaço social é cruel e desumano e o homem é um ser sem complacência com a alteridade. No extremo, o que parece é que o "nós" elimina o "outro", quando não pode submetê-lo aos seus ditames. A segunda hipótese é de que o narrador não é conivente com a crueldade, forjando alternativas de entendimento entre a alteridade que simboliza o diferente, o "outro", e o "eu", que representa um "nós" coletivo. Nossa proposição central é de que o narrador, em Luiz Vilela, passa da dissociação "eu"/alteridade para situações nas quais o "eu" incorpora, em si, a alteridade.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

LUIZ VILELA NA BALADA


Luiz Vilela na Livraria da Vila, em São Paulo, no dia 30 de 
novembro, durante a Balada Literária, respondendo às 
perguntas do público sobre sua vida e sua obra.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Análise de um conto de Luiz Vilela

Transcrito [corrigido e atualizado] de:

MONTAG, 29. AUGUST 2011 - http://contosntd2011.blogspot.com.br/


Conto: "Luz sob a porta"

Autor: Luiz Vilela

Nascido em 1942 em Ituiutaba (MG), publica seu primeiro artigo em 1956 num jornal de estudantes. Filósofo, romancista e contista. Formou-se em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte Estreou na literatura aos 24 anos, com o livro de contos Tremor de terra, pelo qual recebeu o Prêmio Nacional de Ficção em Brasília. Participou de A Revista e da Página dos Novos, editada pelo jornal Estado de Minas. Foi também premiado no I e II Concurso Nacional de Contos, do Paraná. Seus contos, romances e novelas já foram traduzidos em vários países, como Estados Unidos, Alemanha,                                                                                     FrançaInglaterraItáliaArgentinaParaguaiChile,Venezuela e México.


Morou em São Paulo, onde foi jornalista do Jornal da Tarde. Residiu nos Estados Unidos e na Europa e foi jurado do Prêmio Casa de las Américas, em Cuba. Há vários estudos sobre suas obras nas universidades brasileiras, com alguns trabalhos também no exterior.

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Obras [relação corrigida e atualizada]

Tremor de Terra (contos, 1967, Prêmio Nacional de Ficção de Brasília)
No Bar (contos, 1968)
Tarde da Noite (contos, 1970)
Os Novos (romance, 1971)
O Fim de Tudo (contos, 1973, Prêmio Jabuti)
O choro no travesseiro (novela, 1979)
Lindas Pernas (contos, 1979)
O Inferno é Aqui Mesmo (romance, 1979)
Entre Amigos (romance, 1983)
Contos Escolhidos (antologia, 1985)
Uma Seleção de Contos (antologia, 1986)
Contos (antologia, 1986)
Os Melhores Contos (contos, 2001)
O Violino e Outros Contos (antologia, 1989)
 Graça (romance, 1989)
Te Amo Sobre Todas as Coisas (novela, 1994)
Contos da Infância e da Adolescência (antologia, 1996)
Boa de Garfo e Outros Contos (antologia, 2000)
Sete Histórias (antologia, 2000)
Histórias de Família (contos, 2001)  
A cabeça (contos, 2002)
Bóris e Dóris (novela, 2006)
Perdição (romance, 2011)


O Conto

 Estética:
     Característica marcante no estilo de Luiz Vilela é a arte difícil de expressar com economia de palavras o que transita entre as pessoas, atrás do óbvio, do aparente. Segue a tendência mineira de evitar excessos. Cria, em atmosferas densas, situações em que o leitor recebe através de um código sutil. As palavras como um gesto leve, quase um olhar, brotam espontâneas.

       A futilidade dos diálogos entre os amigos do bar (“Imaginem só: me deu a maior cantada!” - Kafka? Estou lendo. O processo.”) sobrepõe-se a densidade do diálogo entre mãe e filho (“Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?” - “Passei, mas não teve importância; arrumei uma costurinha pra fazer.”).

       O conto é mais um pequeno drama da miséria humana. Como várias outras dessas pequenas narrativas, este não tem propriamente um final, mas algo como uma interrupção, ou suspensão. Não há nenhum suspiro de alívio nem grande emoção com o desfecho, apenas a triste constatação de que a velhice é assim mesmo.


Elementos narrativos: 

Narrador:
Narrador observador, em 3ª pessoa, não participa da história.

Tempo:
O tempo é curto e cronológico. 

Espaço:
A história se passa na casa de amigos (Maria) e na casa da mãe do protagonista (Nélson).

Personagens
Nélson, amigos de Nélson (Toninho, Guido, Maria) e a mãe de Nélson.

Enredo (síntese do conto): 
       Nélson está com alguns amigos de classe média bebendo em uma festa. Eles discutem Kafka, dizem que lê Sartre e ouvem os Beatles. Preocupado com as horas, precisa deixar a festa para visitar a mãe, que aniversaria. Por isso é motivo de chacotas dos amigos e amigas e é com muita dificuldade que consegue desvencilhar-se. Embora pressionado, ele insiste e vai. Ao chegar à casa de sua mãe, já são cinco para a meia-noite. “Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o”.

        A recepção é triste.   Na casa da mãe, fica sabendo que ela não recebeu nenhuma visita naquele dia. Dulce não foi, nem Rubens, nem Álvaro, nem ninguém. A mãe reclama da idade e do esquecimento a que foi relegada. Fala-lhe do medo que tinha que ele não viesse. A mãe se emociona, e chora baixinho, com medo da velhice, da solidão, e Nélson a consola.