PERDIÇÃO, SILÊNCIOS E NUANCES
Anna
Caroline Assis Fioravante
Mestranda no Mestrado em Letras da
UFMS, Câmpus de Três Lagoas; integrante do GPLV- Grupo de Pesquisa Luiz Vilela; email - annafioravante_@hotmail.com.
PERDIÇÃO
Luiz Vilela
Romance,
2011
Ed. Record
R$ 39,90
Luiz Vilela (Ituiutaba, MG, 1942) foi consagrado ainda jovem, aos 24
anos, recebendo o Prêmio Nacional de Ficção pelo livro de contos Tremor
de Terra (1967). Como romancista, seu reconhecimento deu-se com os
livros Os novos (1971) e Entre amigos (1983). No ano de 1968
foi premiado no II Concurso Nacional de Contos do Paraná e em 1974 ganhou o
Prêmio Jabuti por O fim de tudo(1973).
Sua maestria está presente nos diálogos, cuja linguagem simples prende o
leitor. Em entrevista ao programa Encontros de Interrogação, do Itaú Cultural,
em 2011, Luiz Vilela afirmou que seu tema é o ser humano no mundo contemporâneo
e sua matéria prima o cotidiano.
Depois de trabalhar no texto por doze anos, Luiz Vilela lançou, em
dezembro de 2011, o romance Perdição. A narrativa foi concebida
inicialmente como conto, tomou forma de uma novela e se transformou em um
romance de quase quatrocentas páginas. Em Perdição, a realidade surge de forma
desencantada, o universo social se regula pelas falsas aparências e muitas
personagens padecem por falta de informação ou de preparo.
O romance aborda a vida de um jovem pescador conhecido como Leo. Rapaz
cheio de indagações, de fala fácil e sedutora, herdada do pai. Convidado por
Mistes Jones, líder de uma nova religião, torna-se pastor. O narrador da
história é um amigo de Leo, Ramon, formado em Letras e redator-chefe de um
jornal.
Leo muda-se da pequena Flor do Campo para o Rio de Janeiro. Pastor
Pedro, como passa a ser chamado, realiza supostos milagres e é um sucesso. A
partir daí, Leonardo tem sua vida mudada completamente, transformando-se de
jovem pescador em um comerciante da fé, enriquecendo-se com a crença alheia.
Porém, em decorrência de um acidente com sua filha, as coisas começam a
ruir. Leo entra em decadência moral e física, e retorna a Flor do Campo, onde,
na forma de nudez, símbolo de pureza, escolhe, ou se entrega, ao seu destino.
O título das três partes em que o romance está dividido sugere a busca
de Leo pelo sentido da vida. No primeiro, “O rapaz dos peixes”, a personagem
surge questionando acerca da vida. Procura entender o motivo de ter nascido, e
se indaga de qual seria seu papel neste mundo.
No segundo, ”Pastor das almas”, Leo torna-se uma pessoa totalmente
diferente do simples pescador de vida pacata, que antes pescava peixes para seu
sustento: agora pesca almas e dissemina uma nova religião. Por fim, “Ninguém”:
nesta parte, após buscas frustradas, Leo percebe que o mundo é uma realidade
inapreensível, cujos caminhos são areia movediça prestes a engolir a todos.
Tudo seria diferente se o jovem pescador não tivesse aceito o abraço de
Mister Jones? Esse abraço que, no primeiro momento, parece caridoso, ao lembrar
a figura de Jesus Cristo com seus braços abertos?
São vários os abraços no romance, e eles configuram sentidos que se
cristalizam. Na figura de Mister Jones o abraço parece como um acolhimento e no
de Moçalinda é um convite. Ah, a Moçalinda, a sereia mitológica do lago em que
Leo e Ramon pescam... Os braços abertos, os sorrisos convidativos e o
deslumbramento causado nas vítimas resultam em corpos boiando no lago.
Seria Mister Jones como a Moçalinda? Leo teria selado seu destino no
momento em que aceitou o abraço ….ou seria convite?
É o convite para sua perdição.
A narrativa entremeia nuances e silêncios. Os fatos da vida de Leo surgem
nuançados por silêncios, lacunas e contradições. O que se apreende não permite
ao leitor discernir quais fatos realmente aconteceram daqueles que são lendas.
O silêncio provoca um vazio de sentidos, mesmo com as pessoas falando
muito: quanto mais falam, mais os fatos ficam difusos, inapreensíveis. Ninguém
tem certeza da verdade do que falam. Ramon escuta a maioria das conversas e
responde com um simples “hum”. Talvez desinteresse, talvez soberba, talvez por
não se importar com o pensamento das pessoas, talvez por saber serem
informações sem compromisso com os fatos. O tom irônico da personagem, antes de
se tornar narradora do romance, passa despercebido aos seus interlocutores.
Com um enredo de fatos triviais e a incerteza do que realmente acontece,
pois os acontecimentos parecem tão só impressões de terceiros, Perdição
é um romance de nuances e de silêncios perturbadores. Em tempo de certezas mutantes
e vazias, nesse nosso tempo, de convicções frouxas e sem lastro, o romance de
Luiz Vilela é um testemunho de leitura indispensável.
TRECHO DO
ROMANCE
Poucos
minutos depois, a chuva despencou. Corremos para debaixo da velha e imensa gameleira,
e lá ficamos, sentados nas pedras, meio amuados, esperando a chuva passar - se
é que ela passaria...
Foi então
que Leo, não muito dado a reflexões, fez uma série de perguntas das quais eu,
algum tempo depois e em mais de uma ocasião, me lembraria, pelo seu caráter
premonitório.
[...]
Ele começou
meio de repente:
“Para que a
gente está aqui?”, perguntou.
“No lago?”,
eu, por minha vez, perguntei.
“Não, ele
disse, “no lago, não: aqui na Terra; aqui no mundo.”
[...]
“Será que eu
vou ficar a vida inteira pescando? Será que, se eu fizer 90 anos, eu vou chegar
lá arrastando um caniço na mão e uma rede na outra?”
Eu ri.
“Ou será que
eu não descobri ainda a minha missão, como você disse? Às vezes Deus não me
mostrou ainda qual é ela.”
“Então peça
a ele que mostre logo e não fique enrolando.”
Ele riu.
(Luiz
Vilela, Perdição, p.13-15).