14/01/2012
às 9:05 \ Livros da Semana‘Perdição’: em novo romance, contista Luiz Vilela perde força
O escritor mineiro Luiz Vilela é conhecido, antes de tudo, por ser um contista especializado em diálogos. A fama de Vilela neste quesito é tão grande que as narrativas breves do autor viraram exemplos obrigatórios em oficinas literárias, quando o professor necessita ensinar os alunos a construir uma conversa entre personagens que soe natural. Não é difícil esquartejar o estilo do autor para descobrir alguns artifícios recorrentes. Apesar disso, o ouvido de Vilela para diálogos é tão assombroso e as falas de seus personagens (sejam eles cultos ou iletrados) soam tão plausíveis que, por mais que seu estilo possa ser imitado, dificilmente se conseguirá criar algo no mesmo nível.
Vilela não é inexperiente no território do romance e, no entanto, este não é seu habitat natural. Contista por natureza, o mineiro sempre se valeu da concisão. De certo modo, todas essas características continuam presentes em sua obra mais recente, Perdição (Record, 400 páginas, 39,90 reais). Embora se trate de uma narrativa longa, ela está dividida em pequenos capítulos, alguns deles contando histórias quase à parte, fechadas em si, como contos, e muitos desses capítulos são conduzidos inteiramente pelos diálogos.
O enredo, narrado por Ramon, um jornalista que trabalha em um pequeno jornal diário de uma cidade do interior de Minas Gerais, gira em torno de Leonardo, pescador e amigo de infância de Ramon. Leo, como é chamado, passa por um período de vacas magras – ou melhor, de peixes magros. Pressente que a pesca não será mais suficiente para a sua subsistência, ainda mais com a chegada da filial de uma grande corporação na cidade, o Disk-Peixe. É então que Leo decide, em uma história para lá de brasileira, aceitar o convite de um grupo de pastores para entrar em uma nova (e gananciosa) igreja que está sendo fundada no Rio de Janeiro pelo enigmático Mister Jones.
A história, que começa deveras interessante, logo afunda no previsível. Como era de se esperar, a entrada na seita não traz a menor alegria ao pescador, e ele é manipulado e corrompido. Por outro lado, acontecimentos marcantes, como o acidente da filha de Leo e a reação dele, são pouco explorados. Os longos diálogos de personagens coadjuvantes sobre suas crendices, no entanto, dominam vários capítulos do romance, e não adicionam muito à trama. Há vários capítulos que poderiam ser, se não cortados, bastante reduzidos, para assim diminuir a aparência “inflada” que o romance de Vilela apresenta.
Há um universo interessante e crível em Perdição, e o autor possui pleno domínio da técnica. Porém, o formato do romance longo talvez não seja ideal para o enredo que Vilela queria contar. Além disso, a fixação do narrador nos “causos” dos habitantes da cidadezinha faz predominar um tom anedótico, como se o livro fosse apenas isso: uma coleção de histórias de pouca relevância entremeada com a trajetória de ascensão e queda de Leo. O resultado final é um livro que vai progressivamente perdendo força, e cujo impacto final é pequeno. Muito distante dos contos breves do autor mineiro que desferiam um poderoso golpe no leitor.
Antônio Xerxenesky
OBSERVAÇÃO:
A foto que consta no site da Revista Veja é da jornalista Pauliane Amaral e pertence aos arquivos do GPLV. Eis a foto, que aqui reproduzimos sem cortes:
Grupo de Pesquisa Luiz Vilela / Pauliane Amaral
Luiz Vilela no encerramento da 4ª Semana Luiz Vilela, em Ituiutaba (MG), maio/2011.
2 Comentários
- A foto reproduzida na crítica pertence aos arquivos do GPLV – Grupo de Pesquisa Luiz Vilela, e foi feita pela jornalista Pauliane Amaral no dia 13 de maio de 2011, uma sexta-feira, em Ituiutaba (MG), no encerramento da 4ª. Semana Luiz Vilela. A foto original, sem corte e sem tratamento, está no facebook do GPLV e também no blog do Grupo. Nem a fotógrafa nem o GPLV se opõem, uma vez mencionada a fonte, à reprodução da foto.
- “passo o dia todo evitando escrever. Sinto cada vez menos prazer em escrever ficção” (Antônio Xerxenesky, autor desta resenha, ao ser perguntado numa entrevista como era seu “processo de escrever”). Ou seja, é melhor lermos nós mesmos o livro do Vilela antes de concordarmos com o conteúdo de uma crítica cujo autor emite opiniões tão “inusuais”, nas quais o ato da escrita aparece como algo tão desagradável.