ENTREVISTA
Espaço exclusivo da literatura
“A necessidade de se expressar pela palavra pode tocar todo mundo. Por isso, é muito importante estimular isso.”
LAURA MARIA - PUBLICADO EM 26/03/17 - 03h00
Responsável pela organização da edição comemorativa de 50 anos da “Revista Literária”, que será apresentada na próxima quinta-feira, na UFMG, Luis Alberto Brandão, professor da Faculdade de Letras da universidade, comenta que o lançamento pode representar a volta das atividades da revista, inativa desde 2002. Ao todo, 50 textos, entre contos e poemas, compõem a publicação e traduzem questões que marcaram a segunda metade do século XX
Na edição comemorativa dos 50 anos da “Revista Literária” também foram reunidos 50 textos entre contos e poemas. Como essa curadoria foi feita?
Há dois anos, montei um grupo de professores e de alunos, tanto da Faculdade de Letras como de Belas Artes, para fazer uma pesquisa. Nosso primeiro passo foi ler todos os textos das 27 revistas publicadas. Como nós queríamos ver os trabalhos na íntegra, a medida que fazíamos a leitura dos poemas e contos, selecionávamos os materiais que julgávamos mais representativos. Até então, não havíamos estabelecido um número exato de textos. Mas depois de discutirmos sobre quais publicações entrariam nesta edição e como não queríamos mais de um texto por autor, ao fazer as contas, percebemos que selecionamos 50 textos, feliz coincidência pois é o mesmo número de anos da revista. Quanto à curadoria, foi pensado que a revista, ao ser lida sequencialmente, deveria tomar a forma de uma narrativa que discutisse a segunda metade do século XX. Então, os textos trazem questões que marcaram tal período, como violência urbana, feminismo, problemas fundiários e de posse de terra e narrativas sobre a ditadura militar. É claro que não são reportagens sobre o Brasil, mas a literatura também refletia muito sobre esses contextos sociais.
Então, a revista foi feita seguindo uma ordem cronológica?
Não. A gente viu que era importante fazer cruzamentos de épocas e alternância de gêneros, entre contos e poemas, para ter um conjunto que se misturasse. Além disso, também alternamos os textos entre homens e mulheres. Então, não existe separação na revista até mesmo porque a história não é tão dividida. Pelo contrário, quisemos articular os acontecimentos com os gêneros literários.
A história da revista também se confunde com a da universidade, que está comemorando 90 anos em 2017?
Sem dúvida! Recuperar essa história é importante para mostrar a importância da universidade, principalmente no momento atual, como com a aprovação da PEC, que vai afetar o congelamento da educação. Há dúvidas, por exemplo, para saber o que acontecerá com a universidade e com o ensino público daqui pra frente.
Como foi a participação da Faculdade de Belas Artes na montagem desta edição?
A equipe ficou responsável por toda parte gráfica da revista, coordenada pela Fernanda Goulart. Eles fizeram pesquisas e levantamentos de todas as ilustrações anteriores para a textura visual da revista. As ilustrações não estão lá aleatoriamente: elas entram em todo ponto de mudança. A equipe também ficou responsável por pensar nas cores, no formato e na padronização da coruja, mascote que acompanha a revista desde o surgimento dela. Houve várias alterações do animal ao longo dos anos, e depois de muitas pesquisas, eles montaram uma ilustração em que a coruja também voa.
E a dos alunos?
Nas disciplinas da letras, eram dadas atividades para que os alunos pudessem participar do trabalho. Eles ficaram apaixonados ao conhecer o projeto porque se reconheceram nele. Viram que, há 50 anos, outros alunos também gostavam de literatura tanto quanto eles. Os estudantes também estarão no lançamento do livro com um sarau preparado por eles, com a apresentação de textos inéditos. São escritores muito talentosos, mas ainda meninos e meninas que estão começando agora e que têm dúvidas sobre o que querem. A revista ajuda muito nisso.
A revista foi marcada por um concurso anual que premiava alunos da UFMG pelos textos originais. Como ele era realizado?
Hoje, o concurso não existe mais. Mas em todos os anos que a revista era publicada, os organizadores lançavam um edital para que os alunos de qualquer curso de graduação ou de pós-graduação da UFMG pudessem apresentar seus textos em forma de poemas ou de contos. Os trabalhos passavam por uma comissão avaliadora, e os três primeiros lugares ganhavam um prêmio em dinheiro com valores significativos. Os demais selecionados recebiam uma menção honrosa. O concurso era interessante porque havia muita procura por parte dos estudantes e, por isso, sempre tinha um número alto de inscritos. Na penúltima edição, por exemplo, foram inscritos 1.148 trabalhos. Os textos do concurso compunham uma parte da revista. A outra, chamada de “Segunda Seção”, trazia publicações de outros autores e de alunos premiados, de jornalistas ou mesmo trabalhos de gente profissional. A revista e o concurso serviam como estímulo para quem estava começando a carreira.
Você chegou a participar de algum concurso na época em que era estudante?
Sim, cheguei a escrever vários textos para a revista e recebi algumas premiações. Mas é claro que não poderia colocar textos e trabalhos nesta edição, porque seria uma autopromoção. A revista teve um papel fundamental na minha vida, me ajudou a decidir minha carreira. Na época em que escrevia, estudava engenharia química, que cursei durante dois anos e meio. Mas depois que comecei a mandar textos, e eles foram publicados, a literatura falou mais forte, e eu mudei para as letras. Apesar de na época gostar do curso, hoje não me imagino engenheiro químico.
A revista relevou grandes nomes da literatura brasileira. Quem são eles? Seus textos estão na revista comemorativa?
Sim, há várias estrelas na antologia que foram alunos da UFMG como Humberto Werneck, Sérgio Sant’Anna, Guiomar de Grammont, Jaime Prado Gouvêa, entre outros.
Por que a revista chegou ao fim?
Na verdade, as atividades nunca foram encerradas. O que aconteceu é que ninguém se dispôs a fazer um novo número desde 2002. Inclusive, essa edição comemorativa tem também a função de avaliar a possibilidade de retomada da revista. A esperança é que a repercussão do lançamento chame a atenção dos setores da faculdade para voltar a produzi-la. A revista, porém, praticamente não teve muitas interrupções. As primeiras 17 edições, por exemplo, foram consecutivas. Quando o Plínio Carneiro, um dos responsáveis pela revista, decidiu sair é que se levou um tempo até que outros grupos voltassem a retomá-la.
Como a revista foi criada?
Quando ela surgiu, não estava ligada à faculdade de letras, mas à reitoria. Plínio Correia, na época, era assessor de imprensa da faculdade e trabalhava junto com o reitor. Ele se juntou ao aluno de filosofia Luiz Vilela, que acabou virando escritor, e ao estudante Luiz Gonzaga Vieira, que também se tornou escritor. Os três foram até o reitor, Aluísio Pimenta, que chegou, inclusive, a ser Ministro da Cultura, e propuseram a revista. O Aluísio não só aceitou, como tornou-se padrinho da publicação e foi o responsável pela criação do concurso. A partir daí, alunos de vários cursos passaram a mandar textos para a revista. Há, inclusive, trabalhos premiados de estudantes de engenharia e medicina. Isso prova que a literatura não interessa só a quem é da área das letras.
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