quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Filho de Machado de Assis - 4

Correio Braziliense, 24/10/2016

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2016/10/25/interna_diversao_arte,554517/o-filho-de-machado-de-assis-torna-o-autor-de-dom-casmurro-personagem.shtml 


O filho de Machado de Assis' torna o autor de Dom Casmurro personagem


O livro escritor mineiro Luiz Vilela explora a trama de que o autor teria deixado um suposto herdeiro


 postado em 25/10/2016 07:00 / atualizado em 24/10/2016 18:55


Editora José Olympio/Reprodução

Grandes autores vivem um instigante desafio: uma vez consagrados, terão a tarefa de se equilibrar vida afora no fio da navalha que separa o escritor comum daqueles capazes de dar um passo que nos conduza à excepcionalidade. Então, aquilo que era glória se transforma numa espécie de provação que se põe diante de artistas e escritores a cada vez que apresentam uma nova publicação. Se aos 24 anos o mineiro Luiz Vilela surpreendeu a literatura brasileira com seu consistente Tremor de terra (contos, 1967) e reafirmou sua grandeza com o também premiado O fim de tudo (contos, 1973) e em outros trabalhos, o brilho é menor em O filho de Machado de Assis, recém-lançado.
A novela pode perfeitamente ser enquadrada na categoria “bom livro”, o que é pouco para um Luiz Vilela. Ainda assim, estão lá a eficiente narrativa e o grau de requintada simplicidade de seus textos, traduzido naquela capacidade de elaboração tão própria de autores que nos falam como se estivessem numa conversa informal em nossa cozinha. Mas esta qualidade, mesmo que somada às formas calculadamente concisas emprestadas aos personagens e aos cenários (predominantemente, uma sala de apartamento), não é o bastante para que produzir uma peça “instigante”, como apresenta a editora.

Além disso, falta o novo na exploração da temática central, como indica o nome da novela: o escritor Machado de Assis (1839-1908) de fato teve um filho e manteve isso em segredo? Num romance de 2008, A filha do escritor, Gustavo Bernardo explorava essa abordagem por um ângulo assumidamente ficcional: ambientava num hospital psiquiátrico de Itaguaí, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Lívia, uma mulata como o Bruxo do Cosme Velho, a quem se referia como seu pai.

Relação extraconjugal
A teoria de que Machado teve um filho é quase centenária. Foi alimentada pelo escritor maranhense Humberto de Campos (1886-1934), membro da Academia Brasileira de Letras a partir de 1919. Ganhou ares de fofoca, já que sugeria uma traição: Mário de Alencar, filho de José de Alencar (1829-1877), na verdade teria sido gerado num romance extraconjugal da mulher do romancista com Machado, de quem era amigo. E o icônico Dom Casmurro, lançado em 1899, ensaia uma suposta confissão, ao expor Capitu, fuzilada pela convicção do marido, Bentinho, de que o filho, Ezequiel, tem rigorosamente todos os traços do amigo Escobar.

Vilela revisita o tema com o professor Simão, que em suas pesquisas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro descobre uma referência ao que seria o filho de Machado – ainda que contrarie os relatos oficiais e citações literárias machadianas, como em Memórias póstumas de Brás Cubas (“Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”). A aura de ansiedade vai devorá-lo, a ponto de revelar o segredo a Mac, um de seus ex-alunos.

A descrição da trama no apartamento do professor e os diálogos cirúrgicos dão o tom de quase sussurro à narrativa. E ajudam a criar o clima em que os personagens centrais, Simão em especial, são movidos pelo temor de que a informação secreta perca seu caráter de verdade não revelada de uma forma que fuja ao caráter solene, emblemático, como pediria uma descoberta como aquela.

Ao mesmo tempo, Vilela contrapõe o dilema de convicções entre o professor e Mac, o que apimenta a polêmico em torno dessa nova versão. O primeiro, seguro de que está diante de uma das revelações do século, mas disposto a desnudá-la tão somente em doses homeopáticas. O segundo, num grau de desconfiança que coloca à prova tanto a teoria quanto a sanidade de seu interlocutor, tentando insistentemente puxar os fios do novelo de uma só vez. O desfecho de O filho de Machado de Assis, porém, vai privilegiar o suspense. E Vilela, com seu jeito comezinho, hábil narrador, há de deixar perguntas para um próximo capítulo.

O filho de Machado de AssisRecord. 127 páginas. R$ 39,90

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Abertas inscrições para os Seminários do GPLV e de Linguística

PROGRAMAÇÃO
Faça aqui sua inscrição
7º Seminário do GPLV e 2º Seminário de Linguística
22 a 25 de novembro – Campus 1 da UFMS
Três Lagoas, MS
Terça, 22/11
Quarta, 23/11
Quinta, 24/11
Sexta, 25/11
Manhã
8h-12h00 – 
Comunicações:
Literatura e linguística

Envie seu resumo até 11/11, às 11h.


I CONGRESSO DO GPLV

Mediador: Rauer Ribeiro Rodrigues (CPAN/UFMS)

9h20-9h40 – Intervalo
8h-11h30 – Minicursos

Introdução à Epistemologia do Romance, por Wilton Barroso Filho (UnB)

Mídias digitais no ensino do gênero notícia: construindo uma sequência didática, por Janaína Zaidan Bicalho Fonseca (CPAQ/UFMS)

Da literatura ao sistema literário: questões de método, por Jorge Augusto Balestero (UNESP/SJRP)

9h20-9h40 – Intervalo
8h-11h30 – Minicursos

Literatura e(m) Cinema: por um novo olhar sobre Adaptação, por Maria Cristina Cardoso Ribas (UERJ)

Faces do niilismo no conto brasileiro contemporâneo,
por Ronaldo Vinagre Franjotti


Intervalo - 9h20-9h40
8h-11h30 – Minicursos

Por uma Imagem da Literatura: o caso do diretor Luiz Fernando Carvalho, por Cristiane Passafaro Guzzi (UNESP /Araraquara)

Fortuna crítica: metodologia de trabalho nos estudos literários, por Karina de Fátima Gomes (PG-UFMS) e Eloíza Fernanda Marani (PG-UFMS)

Intervalo - 9h20-9h40

Tarde
13h15-17h30 - Minicursos

Lexicografia Pedagógica: reflexões teóricas e práticas, por Renato Rodrigues Pereira (CPTL/UFMS)

Práticas de leitura em sala de aula, utilizando o método recepcional, por Angela Nubiato Lopes e Priscila Feliciano da Costa

Elementos constitutivos e aspectos elusivos em contos de A cabeça, de Luiz Vilela, por Marcos Rogério Heck Dorneles (UFMS/CPAQ / PG-CPTL/PPG-Letras)

15h20-15h40 – Intervalo

13h15-17h30 - 
Comunicações:
Literatura e linguística

Envie seu resumo até 11/11, às 11h.

15h20-15h40 – Intervalo
13h15-17h30 - 
Comunicações:
Literatura e linguística

Envie seu resumo até 11/11, às 11h.

15h20-15h40 – Intervalo
13h15-17h30
Debates de projetos – GPLV

Envio de projetos de pesquisa com relatório de atividades já desenvolvidas até 31/10, às 11h.

15h20-15h40 – Intervalo
Noite
18h - Atividade cultural

19h – Abertura Oficial

19h30 – I CONGRESSO DO GPLV

20h – Conferência de Abertura:

Acervos literários: a prática, a teoria, a experiência - meu caso de  amor com Machado de Assis, por Maria Cristina Cardoso Ribas (UERJ)

21h20 – Mesa-redonda


Por confirmar


18h-19h - 
Atividade cultural

19h – Mesa 1

Por confirmar

Mesa 2

Janaína Zaidan Bicalho Fonseca (UFMS/CPAQ): A autoconfrontação cruzada como experiência formativa no curso de Letras

Solange de Carvalho Fortili (UFMS/CPTL): Aspectos constitutivos do texto sob diferentes abordagens

Ana Lúcia Spindola (UFMS/CPTL): O professor e a leitura

Mediador:  Amaya Obata Mourino de Almeida Prado (UFMS/CPTL)
18h-19h – 
Atividade cultural: Lançamento do livro  Os meninos da colina, de Ravel Paz (UEMS)

18h30-19h – Ravel Paz fala sobre seu livro

19h - Mesa 1

Kelcilene Grácia-Rodrigues (UFMS/CPTL): Introdução à poética de Manoel de Barros

Luiz Gonzaga Marchezan (UNESP/Araraquara): Poe, leitor de Balzac

Mediador: Eunice Prudenciano de Souza (GPLV/UFMS)

20h50 - Mesa 2
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento (UFMS/CPTL): Discurso indígena: processos identitários e exclusão

Claudete Cameschi de Souza (UFMS/CPTL): O discurso indígena
Mediador: (a confirmar)
18h-19h - 
Atividade cultural

19h – Mesa 1
Cristiane Rodrigues de Souza (UFMS/CPTL): Leitura e criação literária: matrizes

Márcio Scheel  (UNESP/ SJRP): Breve comentário sobre os precursores da narrativa brasileira dos anos 2000

Mediador: Kelcilene Grácia Rodrigues (CPTL/UFMS)

20h50 – Mesa 2
Rejane C. Rocha (UFSCAR): A literatura no contexto digital: desafios ao literário

Júlio Augusto Xavier Galharte (UFMS/CPAN): Os desgraçados risos: uma comparação entre 'Eu choro do palhaço', de Alciene Ribeiro Leite, e 'Palhaço da boca verde', de João Guimarães Rosa

Mediador: Rauer Ribeiro Rodrigues (GPLV/UFMS)


Carga horária total: 45 horas
Os resumos dos minicursos estão aqui.
Inscrições abertas, gratuitas, aqui.

Prazos de envio de:
- projetos para debate: 31/10
 - 11/1                               - resumo de comunicações (cada pesquisador pode inscrever até duas comunicações, individuais ou em trabalho coletivo) - 11/11


Os projetos e os resumos de comunicação devem ser encaminhados para o email seminariogplv@gmail.com.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Convocação de reunião para 22 de outubro

EDITAL DE CONVOCAÇÃO DE REUNIÃO DO GPLV

CONVOCAÇÃO

Ficam convocados os integrantes do Grupo de Pesquisa Luiz Vilela e convidados os demais interessados para reunião do GPLV no dia 22 de outubro, sábado, no Câmpus 1 da UFMS de Três Lagoas, das 8h às 12h, para discutirem e deliberarem sobre a seguinte pauta: 
  
1. Informes; 

2. Organização do 7º Seminário do GPLV e 2º Seminário de Linguística;

3. Leitura e análise de O filho de Machado de Assis, novela recém-publicada de Luiz Vilela.

4. Expediente.


Três Lagoas, 17 de outubro de 2016.

Rauer Ribeiro Rodrigues/Líder do GPLV
Eunice Prudenciano de Souza/Co-Líder do GPLV

domingo, 16 de outubro de 2016

Prof. Saraiva, da Universidade do Porto, debate projetos em Três Lagoas

Nos dias 14 e 15 de outubro de 2016, os alunos do PPG-Letras/UFMS/Três Lagoas, a convite da Profa. Kelcilene Grácia-Rodrigues, contaram com a presença do Prof. Dr. Arnaldo Saraiva, docente catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto/Portugal, que debateu os projetos de pesquisa dos alunos Eliza Peron, Eloiza Marani, Enedir Silva, Érica Rossi, Lucas Neves e Paulo Benites, que desenvolvem estudos sobre Claudia Roquette-Pinto, Guimarães Rosa, Luiz Vilela, Manoel de Barros, Márcia Denser, Maria Amélia de Melo, Marina Colassanti e Wilson Bueno.
As atividades do Prof. Arnaldo Saraiva continuarão nos dias 17, 18 e 19 de outubro de 2016, dias em que ministrará, no PPG-Letras, a disciplina “O Modernismo Português e O Modernismo Brasileiro”. O debate do projeto da doutoranda Milena Wanderley, sobre Hilda Hilst, ocorrerá em um desses dias.
Fazemos, abaixo, uma descrição das atividades desenvolvidas, e publicamos no final fotos que registram as primeiras atividades do Prof. Saraiva em Três Lagoas. 
A doutoranda Eliza da Silva Martins Peron apresentou o projeto Hibridização e o devir da linguagem: A mescla de gêneros e línguas na prosa de Wilson Bueno. O professor  enalteceu a boa articulação das palavras e a escolha do tema do projeto, fez considerações alertando para o cuidado com o uso das palavras, uma vez que há palavras que têm sentidos diversos daquilo que se quer afirmar, citando algumas palavras adequadas a alguns contextos elencados. O Prof. Saraiva fez indicações bibliográficas teóricas para aprofundamento do estudo.
O segundo debate partiu da apresentação do projeto Guimarães Rosa poeta: Veredas a desbravar, da doutoranda Érica Alves Rossi. O Prof. Saraiva considerou o projeto muito importante por trabalhar com poemas inéditos do autor e discorreu sobre a diferença entre poesia a prosa. 
Paulo Eduardo Benites de Moraes apresentou seu projeto, Manoel de Barros e Antonio Vieira: Por uma poética do contraste. O professor considerou o trabalho “surpreendente e original” pelo ineditismo do paralelo entre  os autores, e fez considerações sobre a importância de se colocar  na tese o que Manoel buscou em Vieira para a sua obra; também fez sugestões bibliográficas, voltadas para a fortuna crítica do Padre Vieira. 
A  doutoranda Eloiza Fernanda Marani debateu o projeto Jardim ensimesmado: A vertigem metafórica de Claudia Roquette-Pinto. O debatedor-convidado enfatizou que trabalhos com temas  específicos são melhores que os gerais e fez ampla explanação sobre o tema da metáfora, destacando que a metáfora opera com vários níveis do mundo natural e da linguagem. 
A Profa. Kelcilene Grácia-Rodrigues apresentou o projeto O erótico e o feminino na literatura realizada por ficcionistas mulheres que lançaram seus livros de estreia sob o regime militar, da doutoranda Enedir da Silva Santos. Nas considerações, o Prof. Saraiva  citou ser importante trabalhar o  teor psicanalítico no erotismo, mencionando a importância fundamental de  se trabalhar a literatura feminina americana, uma das bases das lutas femininas.
O mestrando Lucas Rodrigues Neves, integrante do GPLV, apresentou o projeto A simbologia dos nomes em Tremor de terra, de Luiz Vilela. O mestrando iniciou sua fala  fazendo um apanhado geral  sobre o desenvolvimento de sua  pesquisa e o porquê de estudar os nomes das personagens da coletânea Tremor de terra, destacando que algumas das personagens dos vinte contos do livro não têm nome. Lucas afirmou que nas obras de Vilela é peculiar o autor repetir nomes ou apelidos de personagens, discorrendo sobre a  importância dos nomes na construção das personagens nas obras do autor.
O professor Saraiva sugeriu  para constar na dissertação o trabalho  do crítico Fábio Lucas, um dos primeiros a destacar a grandeza da obra literária de Luiz Vilela. O prof. enfatizou a importância da análise do nome próprio nas obras literárias, com destaque para se distinguir o foco linguístico do filosófico. Sugeriu como referencial o livroNomes próprios poucos comuns, de Mario Souto Maior, para enriquecimento do trabalho, assim como outros títulos da área de "Onomazologia". Comentou ser importante para o estudo a verificação da ordem sintática de colocação dos nomes no interior das frases. Sugeriu verificar se há alguma relação na escolha dos nomes considerando a cultura do nome, o seu  significado comum ou histórico, a psicanálise religiosa dos nomes, e a sua presença, ou não, como nome usual em Minas Gerais, estado natal do escritor Luiz Vilela.
Eis o resumo da projeto em desenvolvimento por Lucas Neves:
A simbologia dos nomes em Tremor de terra, de Luiz Vilela
RESUMO: Com o trabalho proposto, pretendemos analisar o primeiro livro de contos do escritor mineiro Luiz Vilela, Tremor de terra (1967). O intuito é desenvolver um estudo onomástico das personagens. Acreditamos que a nomenclatura das personagens não ocorre de forma aleatória, constituindo-se em signos dispostos de significado, o que o torna primordial na construção do texto. Ao pensarmos no texto ficcional como uma estrutura, descrevemos os efeitos de sentido dos contos, nos quais as personagens são nomeadas de forma a compor um todo significativo com a cena. Tal estudo nos propicia um modo de aproximação do fazer poético do escritor. Para embasar teoricamente o estudo, vamos nos valer, inicialmente, do seguinte referencial: de Ana Maria Machado, Recado do nome; de Clóvis Bulcão, Personagens da Literatura Brasileira; de Antonio Candido e Anatol Rosenfeld, A Personagem de Ficção; de Autran Dourado, Personagem, Composição, Estrutura; de Beth Brait, A personagem. Também teremos sob perspectiva as dissertações de Ronaldo Vinagre Franjotti e Lucas Gonçalves Fernando, pois ambas tratam da composição dos nomes das personagens principais do romance Graça, de Luiz Vilela.

Professor Saraiva ao centro, ao lado da Profa. Kelcilene, em registro com doutorandos
e mestrandos do PPG-Letras e um aluno da graduação que assistiu aos debates 

Prof. Saraiva e Maria do Carmo, mestranda, integrante do GPLV
Eloíza Marani e o Prof. Saraiva 
Érica Rossi e o Prof. Saraiva
Prof. Saraiva, ladeado por integrantes do GPLV, mestrandos Lucas Neves e Maria do Carmo

Eliza com o Prof. Arnaldo Saraiva

.Profa. Kelcilene e Prof. Saraiva durante o debate

Prof. Arnaldo Saraiva e Maria do Carmo, do GPLV
Lucas Neves com o Prof. Saraiva, no final do debate

sábado, 15 de outubro de 2016

O Filho de Machado de Assis - 3

DAS IDOLATRIAS

O Filho de Machado de Assis
Luiz Vilela – Ed. Record
2016, 128 p.

         O escritor mineiro Luiz Vilela está cada vez mais escrevendo narrativas de cunho dissertativo, nas quais, por meio de diálogos, geralmente dois homens, expõe a sua “tese” sobre um fenômeno social da contemporaneidade. Já havia feito isso em pelo menos dois contos da sua última coletânea, Você Verá, de 2013, com as narrativas “Mataram o rapaz do posto”, que discorre sobre a violência nas cidades do interior, e “Corpos”, sobre a invasão de privacidade na internet. Esses contos contêm muitas galhofas (e no caso nos valemos de uma expressão bem machadiana), travestidas de diálogos cortantes, recheados de ironia. Pode-se observar a mesma tendência na novela O filho de Machado de Assis, recentemente publicada. Através de uma longa conversa entre um professor e um aluno, quase um discípulo, e que é o narrador, discorre-se, entre outros assuntos, sobre a idolatria, mote presente ou subterrâneo na maior parte dos diálogos encenados.
         Elementos do gênero novela se fazem presentes na narrativa, evocando, assim, na estrutura, suas outras novelas, Bóris e Dóris (2006), Te amo sobre todas as coisas (1994) e O choro no travesseiro (1979). Revisitemos a definição do gênero novela no Dicionário de Termo Literários, de Massaud Moisés. Segundo Moisés, a novela possui “pluralidade dramática”, ou seja, uma série de ações que se encadeiam umas nas outras, cada uma com começo, meio e fim, mas que participam todas de um conjunto único.
 É o caso de O filho de Machado de Assis. Um narrador em primeira pessoa, Mac, formado em Letras, recebe um telefonema de seu professor, Simão. O professor diz a Mac que tem um assunto muito importante, “um segredo de Estado” a lhe contar, por isso pede que ele vá até a sua casa. Mac está de saída para a praia com a namorada (o enredo se passa no Rio de Janeiro), mas adia o passeio e vai até a casa do professor. Quando Mac chega à residência do professor, este lhe fala de uma pesquisa que fazia na Biblioteca Nacional, na qual fez uma descoberta que considera “bombástica”: diferente do que todos acreditam, Machado de Assis tivera um filho, contrariando a última fala das Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O foco narrativo se concentra basicamente na figura de Simão, tornando Mac, apesar de algumas interferências, quase que um narrador testemunha, que atua como escada para as digressões do professor. São as impressões de Simão, sob o foco do narrador-testemunha, que constroem a sucessão de nós dramáticos da novela.
A partir desse ponto, temos, apesar de ser uma longa conversa, uma série de pequenos blocos de assuntos, como se fossem uma sequência de “pequenos contos”, entremeados de algumas digressões, mas que formam um único corpo, configurando, assim, a “pluraridade dramática” preconizada por Massaud Moisés para a novela.
O autor é hábil em encadear cada “bloco” de assunto, nesse longo e interessante diálogo, de modo que podemos ver, com clareza, outra característica da novela, segundo Massaud Moisés: a “sucessividade”. O fato de Simão ter dito que fez uma grande descoberta desencadeia uma série de outros assuntos. Primeiro, o professor questiona-se de qual será o impacto dessa notícia para o ambiente literário, em particular para os pesquisadores que escreveram trabalhos sobre a obra de Machado baseados no fato dele não ter tido filhos.
Ainda segundo Massaud Moisés, ao teorizar sobre o gênero novela, “o tempo da narrativa acompanha essa estrutura linear”, e, uma vez “não havendo restrição cronológica, o novelista pode fazer uso arbitrário do tempo da ação”, desde que observe “o transcurso vital das personagens desde o seu nascimento” e se concentre “nos momentos em que se processa cada ‘aventura’ e reduz[a] o passado a breves notações”.
Em O Filho de Machado de Assis, toda a ação se concentra em um único momento, uma tarde de sábado, como o narrador deixa claro ao começar narrativa. Esse tempo cronológico só é interrompido quando o narrador, por meio de uma digressão, lembra de uma visita que fizera a um padre, que fora seu professor, e hoje está em um sanatório. O que não deixa de ser curioso, pois o nome do professor remete ao Simão Bacamarte, diretor de um hospício, personagem dos mais célebres de Machado de Assis, da também novela O alienista. Esse tempo cronológico sem intervalos terá uma pequena variação apenas no fim da narrativa de Luiz Vilela.
O espaço em O filho de Machado de Assis está associado ao tempo, assim, quando este se altera, o espaço também se altera. O espaço se concentra na sala da casa do professor Simão, mas antes temos a casa do narrador, e quando há uma digressão, temos o espaço do sanatório; esses espaços evocados surgem em passagens curtas, e são acompanhados da mudança no tempo narrativo.
Há uma concentração da ação sobre poucos personagens, basicamente dois: Mac e o professor Simão. Por vezes aparece a voz da namorada de Mac, a da empregada e a da vizinha do professor Simão, além da alusão a um irmão do professor. Com relação a essa personagem, Vilela “apronta” mais uma das suas galhofas, num dos momentos geniais da novela, a começar pelo nome: Judete Jordão ­– alcunhado “Cão Hidrófobo” pelo professor, nomeado de “Caim”, e que chama ao professor como “Simão Escorpião".
E assim as conversas e digressões vão se sucedendo, tendo como leitmotiv, ora de maneira velada, ora de maneira explícita, o tema da idolatria. Um assunto que, parece, realmente, incomoda ao professor de “vasta cabeleira toda desgrenhada”. 
O dicionário eletrônico Houaiss registra as seguintes definições para “idolatria”: “1.culto que se presta a ídolos. 2.fig. Amor excessivo, admiração exagerada”. No longo discurso, disfarçado de diálogo, o professor Simão (não nos pareceria exagero tê-lo como alterego de Luiz Vilela), entre outros assuntos, sempre retoma esse “amor excessivo, admiração exagerada”, primeiro por Machado de Assis, depois por tudo que as pessoas tendem a admirar demais. A conversa com Mac já está bem adiantada, e então o professor Simão diz:
“O Machado o quê? Está pensando que o Machado era santo?”
“Não, não é isso”, eu disse
“Ninguém é santo, meu caro.”
“Eu sei.”
“Ninguém é santo. Santidade é uma invenção da igreja.”
(p. 31).
Outro exemplo dessa idolatria vemos um pouco mais adiante, quando o narrador, Mac, diz que Machado de Assis foi o maior escritor brasileiro. O professor Simão então questiona tal classificação. E emenda:
“Será que já não é tempo de pararmos com essa machadolatria?”, ele disse.
“Machadolatria...”, eu repeti
“Toda idolatria é nefasta. Essa não o é menos.”
(p. 34-35).
Um pouco mais a frente, o professor se lembra de algumas curiosidades sobre a vida dos escritores Arthur Miller e Günter Grass: o primeiro rejeitou um filho “mongoloide” e o segundo “fizera parte da Juventude Hitlerista” (p. 43). E então o professor Simão acrescenta mais um argumento a respeito da idolatria: “Então é isso. Há muita mentira, muita invenção, muita fantasia. É muito difícil saber a verdade sobre as pessoas e as coisas. Muito difícil...” (p. 43).
         O tema da idolatria volta a fazer parte da conversa entre o professor e Mac quando lembram de Tiradentes e os vários mitos que envolvem a sua figura, a presença de uma filha, até então também desconhecida, e a sua imagem, com cabelos grandes e barba, associada à imagem de Cristo, etc.
         Mais adiante, em outra cena memorável e engraçadíssima, o professor Simão, dando continuidade à narração da sua descoberta, conta o encontro que teve com uma mulher jovem na Biblioteca Nacional assim que descobrira que Machado de Assis tinha tido um filho. Querendo compartilhar essa grande notícia com alguém, resolve contar para essa moça. Ela se confunde sobre episódios da vida de Machado de Assis, e o diálogo dos dois, outro argumento a respeito da idolatria e do quão essa pode levar a interpretações por vezes desastrosas sobre a vida de alguém importante, é um dos momentos mais hilários e interessantes da narrativa.
Vilela extrai esses momentos humorísticos das relações humanas no diálogo encenado. Por outro lado, há momentos em que o narrador da novela tenta criar humor em situações um tanto forçadas, como é a cena do estalo dos dedos. Aqui, embora pareça forçado, o bloco narrativo do tlec (o estalo dos dedos) tem como função destacar a futilidade que permeia o mass media contemporâneo, futilidade que se espalha pela sociedade ─ ou, ao contrário, que permeia a contemporaneidade e é assumida e glorificada pela mídia.
         A ideia da idolatria como um problema que assola a sociedade continua a permear o discurso, disfarçado de diálogo, do professor Simão, que insiste na história de Tiradentes; na sequência, o professor fica preocupado com o que dissera à moça da Biblioteca, fica temeroso de que ela espalhe a notícia, e que a grande novidade chegue ao mundo acadêmico antes que ele mesmo a divulgue oficialmente. Luiz Vilela, agora pela voz do professor Simão, faz uma dura crítica, que já havia feito em outras ocasiões e em entrevistas, ao mundo acadêmico, acusando-o de hipocrisia: “Inveja, despeito, ressentimento: esse é o feijão com arroz dessa gente. Vaidade é o ar que eles respiram. Vaidade e falsidade. Longe dos rapapés e dos salamaleques, a perfídia, a maledicência, a calúnia – a vontade, em suma, de aniquilar o outro.” (p. 81).
         O que parece escapar ao Prof. Simão Serapião é que o motivo da crítica à academia é o mesmo temor que o move ao esconder de Mac onde encontrou a notícia sobre o filho de Machado de Assis, assim como é o mesmo motivo que o faz temer alguma inconfidência da moça da Biblioteca Nacional: a vaidade, a vã glória de ser o autor da descoberta. Simão, também professor acadêmico, não está acima nem é diferente daqueles a que critica ­– como ele mesmo diria, “ninguém é santo”.
         Com um final um tanto quanto imprevisível, a novela termina por reforçar e retomar a “tese” inicial da idolatria; para muitas pessoas, na verdade, o fato de uma figura pública e importante ter escondido ou não que teve um filho não faz a menor diferença. Como exclama a namorada do narrador quando este lhe diz que Machado de Assis havia tido um filho: “E daí?” Se a pergunta da namorada demonstra, talvez, desinteresse pelo assunto, a desimportância do tema, ainda que assuntos como tais sejam dos mais explorados por jornais populares e revistas de fofocas, temos aqui outro motivo recorrente da obra de Vilela: a alienação da mulher quanto à informação, à formação básica, ao raciocínio lógico mais elementar.
           Tratemos da linguagem em O filho de Machado de Assis.
         Segundo o professor Rauer Ribeiro Rodrigues, em uma resenha sobre o romance Perdição, “A linguagem, em Luiz Vilela, desde a obra de estreia, o volume de contos Tremor de terra, de 1967, tem por característica a simplicidade vocabular, a seleção lexical de exatidão expressiva, o registro coloquial, a ordem direta, as metáforas sem rebuscamento, a profundidade do pensamento não sendo obscurecida por torneios ou gongorismos” (veja aqui). Tais características se mantêm em O Filho de Machado de Assis: a simplicidade vocabular, numa linguagem cristalina, registros coloquiais, e até brincando com esses registros, na voz de Mac, que o tempo todo corrige o professor para o politicamente correto, “afrodescendente” ao invés de “preto”, entre outros comentários. Predomina a ordem direta e metáforas sem rebuscamento. Tudo isso ainda está lá, na escrita de Vilela. Porém, ao olharmos para as suas obras anteriores, percebemos que Vilela se repete em algumas fórmulas narrativas, encena a cena seguindo estratégias de contos, novelas ou romances anteriores, como o começo e o fim com ares fortemente mecânicos, com um deus ex machina se impondo no cotidiano, já vistos em outras narrativas ­– o discurso enunciado e a vida vivida se impõem entre os clichês da própria vida e da enunciação anteriormente enunciada.
Em suma, ao tratar, em O Filho de Machado de Assis, do tema da idolatria, entrelaçando-a com temas candentes da sociedade brasileira, entre outros assuntos contemporâneos aqui reiterados por Luiz Vilela e sempre presentes em sua obra, a novela traz o mesmo autor de sempre, em suas obsessões, em suas qualidades e em seu modo de narrar que se repete. Escritor sempre determinado a buscar novos caminhos em sua práxis, O Filho parece repetir passos de narrativas anteriores, como que obediente a um pai autoritário. São passos divertidos e envolventes, é verdade, mas que têm pouco do frescor que Vilela costuma projetar a cada nova empreitada. Claro, há aspectos novos, nuances do inventor criativo na pena de um mestre da escrita. A novidade em O filho de Machado de Assis está na derrisão da idolatria, mais uma crítica feroz do Luiz Vilela iconoclasta de sempre.

Rodrigo Andrade Pereira
Doutorando em Estudos Literários