quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sou escritor de ficção, diz Luiz Vilela

 / Luiz Vilela 

“Sou escritor de ficção”
Flávio de Almeida


Luiz Vilela: escrever exige solidão

escritor Luiz Vilela sempre foi conhecido – e reconhecido – como autor de contos, graças, principalmente, ao sucesso de seu primeiro livro, Tremor de Terra, vencedor do Prêmio Nacional de Ficção, em 1967. Embora não renegue a fama de contista, argumenta que tem uma obra consolidada de novelas e romances. “Se você procurar, vai constatar que todos os meus romances estão esgotados. E nenhum deles parou na primeira edição”, afirma o escritor, que esteve na UFMG em dezembro para uma conferência sobre a dor humana, dentro da série Encontros Transdisciplinares.

Durante visita ao Acervo dos Escritores Mineiros, na Biblioteca Universitária, Luiz Vilela concedeu a seguinte entrevista ao BOLETIM, na qual fala sobre a geração de escritores mineiros que se projetou nas páginas do Suplemento Literário e do seu processo de criação na distante Ituiutaba, no Triângulo Mineiro.
O senhor ganhou projeção nos anos 70 nas páginas do Suplemento Literário, ao lado de escritores como Sérgio Sant’ana e Jayme do Prado Gouvêa. Como era a cena literária daquela época?

Meu nome, de fato, está muito associado à geração do Suplemento Literário, mas, na verdade, eu apareci no cenário nacional da literatura na década de 60. Meu primeiro livro, Tremor de Terra, foi publicado em 67 e ganhou o Prêmio Nacional de Ficção, o mais importante da época. Ainda na década de 60, publiquei meu segundo livro e participei de outros projetos literários, como a Revista, produzida com alguns companheiros, e a Página dos Novos, editada no jornal Estado de Minas pelo Afonso Ávila. Portanto, quando comecei a escrever para o Suplemento, já era conhecido como autor, tinha livros publicados. Independente disso, o Suplemento exerceu papel importante na época, porque aglutinou escritores de vários lugares e possibilitou um convívio muito rico em sua redação.
A geração Suplemento chegou a gerar algum tipo de movimento?

Não. O que havia eram discussões muito espontâneas de nossos trabalhos. Era algo que fazíamos lá na redação e continuávamos nos botecos das imediações da Imprensa Oficial. Os mais freqüentados eram o Saloom e a Cantina do Lucas.
Como conseguiu publicar o primeiro livro?

Juntei todo o dinheiro que tinha na época para publicar Tremor de Terra. Procurei a gráfica mais barata, que ironicamente se chamava Grafiquinha, e fiz uma tiragem muito modesta. Depois de publicado, o inscrevi num concurso em Brasília e ganhei o principal concurso nacional de ficção. Ganhei, mas com muitos protestos de escritores famosos que também concorriam.
De quem por exemplo?

Um dos mais enfáticos era o José Geraldo Vieira, que ficou uma arara. Ele chegou a dizer que objetivo do concurso era aposentar autores de obras feitas e premiar meninos saídos da creche (na época Vilela tinha 24 anos). Os jornais entraram na polêmica e me vi, da noite para o dia, conhecido em todo o Brasil.
Embora tenha também uma obra de romances, o senhor sempre foi conhecido (e reconhecido) como um grande contista. Por que isso aconteceu?
Creio que ter ganhado este prêmio com um livro de contos me tornou muito conhecido. Em seguida, fui premiado nas duas primeiras edições do Concurso Nacional de Contos do Paraná e veio aquela onda do contista mineiro, que virou um fenômeno nacional, e que, de certa forma, eu encabecei. Assim, fiquei marcado como escritor de contos, fenômeno muito natural na literatura. Mas, por outro lado, se você procurar, não encontrará qualquer um dos meus romances. Estão todos esgotados e nenhum deles parou na primeira edição. Sempre fiz ficção. Escrevi romances, novelas e contos. Para mim, não há diferença de valor entre os três gêneros. Meu próximo livro é um romance e se chama Perdição (o livro sairá, neste primeiro semestre, pela Editora Record, que reeditará os 13 livros de sua obra).

Do que ele trata?

Não posso falar muito dele antes de ser publicado, porque acabaria reduzindo o seu valor. O que posso dizer é que é um épico de inspiração bíblica, sem, no entanto, ter sentido religioso.

O senhor tem fama de recluso, até porque mora em Ituiutaba, no Pontal do Triângulo Mineiro, um lugar muito distante. Por que o senhor continua lá, não fixou residência em Belo Horizonte ou partiu para o Rio ou São Paulo, destino quase natural de tantos escritores?

Morei em Belo Horizonte, São Paulo, Estados Unidos e na Espanha. Vivo em Ituiutaba como poderia estar em qualquer outro lugar. E não sou tão recluso como dizem. Há pouco tempo, participei da Festa Literária de Parati e estive também em São Paulo num seminário de literatura. É simples: se me convidam para uma coisa boa, eu vou. Mas a reclusão tem a ver com o ofício do escritor. Escrever exige solidão, obriga o autor a se isolar dos fatos para trabalhar com tranquilidade.
Morar no interior ajuda no seu processo de criação?

Tenho um sítio, mas na verdade fico mais tempo em casa, no centro da cidade. O interior de hoje não é mais o mesmo dos versos de Drummond. Ituiutaba tem 180 mil habitantes (segundo o IBGE, são 91 mil habitantes), vários prédios, assaltos à luz do dia, seqüestros, tráfico de drogas. Enfim, tudo que os moradores das grandes cidades já conhecem. Não disponho de todo o tempo para escrever, devido aos compromissos, família, amigos.
Quanto tempo levou para escrever o último livro?

Se lhe disser que gastei três anos, estarei fornecendo uma informação precária. Até entregar o livro para a editora é um longo processo. Substituo palavras, reescrevo frases e trechos até chegar a uma forma que considero ideal. Todo trabalho tem seu ponto de perfeição, ainda que o leitor o considere uma porcaria. Se é possível melhorar o livro, tento fazê-lo. Considero um texto pronto quando não há nada a acrescentar ou a retirar dele. Aí não há nada mais a fazer.

https://www.ufmg.br/boletim/bol1469/sexta.shtml
BOLETIM, Belo Horizonte, UFMG, n. 1469 - Ano 31 - 20.1.2005

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