No último dia 9 de julho, Eunice
Prudenciano de Souza, doutora em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara e
integrante do GPLV, apresentou, no Simpósio da ABRALIC, o trabalho Em Luiz Vilela, a volta ao passado e à infância
como reinvenção dos sonhos perdidos.
A comunicação se deu no Simpósio “Literatura e Dissonância”, mediado pelos Profs. Drs. André Dias e Rauer
Ribeiro Rodrigues. O XIII Congresso
Internacional da Associação Brasileira de
Literatura Comparada aconteceu de 8 a 12 de
julho em Campina Grande, PB.
O simpósio tinha por
proposta examinar a manifestação da dissonância nos discursos literários,
permitindo o diálogo entre pesquisadores que se voltam para o estudo de autores
e intelectuais que, de alguma maneira, divergiram ou divergem da ideologia
dominante de seus respectivos momentos históricos e sociais. Nesse sentido, ao final de cada dia, foram feitos debates, intensos e produtivos, com
os estudos ramificando-se em interfaces com a Filosofia, a História, a
Linguística e outros ramos das Ciências Humanas.
Reproduzimos abaixo a Comunicação de Eunice e a ementa do Simpósio. A ementa está disponível aqui, e a lista de todas as comunicações aprovadas para o evento, está aqui.
Eis o resumo da Comunicação da
Eunice:
RESUMO: Nossa proposta é demonstrar de que maneira
a narrativa de Luiz Vilela se torna dissonante em relação ao contexto no qual
está inserida. Essa dissonância configura-se como resistência ao que oprime o
indivíduo — inserindo-se, aí, as relações sociais encarceradoras, a barbárie do
mundo capitalista de nossos dias e a solidão. Entre os contornos que esta
resistência adquire, destacamos a volta ao passado e à infância como formas de
resgate e valorização de sonhos que reinventam a vida. Partimos do conto
“Lembrança” para explicitar o modo como o idoso está à margem da sociedade e
como o tema aparece nas narrativas do ficcionista mineiro. Para demonstrar
nossas proposições, destacamos “A volta do campeão”, conto em que o
protagonista, um homem doente de quase sessenta anos, passa seus dias entediado
e desinteressado de tudo, até encontrar um grupo de garotos jogando bilocas que
o faz reviver a emoção dos tempos de menino. O colorido das bilocas
figurativiza os ideais e desejos que, de algum modo, permaneciam nos recônditos
da infância perdida. E, a despeito de Edmundo ter encontrado um novo sentido
para sua vida, as pressões da família fazem com que a personagem desista dos
novos amigos. De mesmo modo, no conto “O violino” é a figura de uma criança que
possibilita o resgate de valores positivos, pois estas não foram ainda tolhidas
pelos falsos conceitos cristalizados do mundo adulto. É um menino que, ao
descobrir o velho violino no porão — espaço simbólico que abriga sonhos do
passado —, possibilita o despertar de tia Lázara para antigas emoções.
Novamente aqui, as pressões familiares serão as responsáveis pela conformação
da personagem à desistência e à renúncia dos sonhos. Nos contos em questão, normas
e comportamentos sociais situam a velhice à margem da vida e a voz do narrador,
ao solidarizar-se com a profunda solidão a que são relegados, é dissonante
diante do status quo.
Palavras-chave: opressão, resistência, sonhos.
LITERATURA E DISSONÂNCIA
Coordenadores: ANDRÉ DIAS, RAUER RIBEIRO RODRIGUES
A proposta do simpósio é examinar a
manifestação da dissonância nos discursos literários, para discutir o modo pelo
qual os mais variados autores se constituíram, através desses discursos, como
vozes questionadoras de seus tempos e de suas sociedades. O tema está associado
aos artistas e intelectuais que analisaram de maneira profunda e intensa
aspectos primordiais das mais variadas épocas e construíram uma crítica aos
valores presentes nessas realidades sociais. A ideia central é abrir espaço
para o diálogo entre pesquisadores que concentram o olhar sobre autores e
intelectuais que divergiram das ideologias dominantes, na poesia e na prosa,
nos mais variados momentos históricos, nacionalidades ou segmentos sociais. O
que se espera é que os trabalhos apresentados discutam, entre outras questões,
o problema teórico do intelectual frente às variadas ideologias, quer sejam
elas hegemônicas ou não, e o problema histórico dos escritores diante do status
quo, manifestado no âmbito da política, da moral, dos costumes, da economia,
etc. Nenhum discurso é proferido no vazio, já advertiu Mikhail Bakhtin (2003)
em Estética da Criação Verbal. Não há razão para ser diferente com a
literatura. Sendo assim, ao abordarmos a temática Literatura e Dissonância
necessariamente levamos em conta o fato de que todo enunciado — unidade básica
do conceito de linguagem em Bakhtin — exige a presença de um enunciador (quem
fala, quem escreve) e de um receptor ou enunciatário (quem ouve, quem lê).
Consideramos ainda que um enunciado é único e impossível de se repetir, pois
exige uma realização histórica, acontece em um determinado local e em um tempo
determinado, é produzido por um sujeito histórico e recebido por outro. Dessa
forma, ao nos aproximarmos dos discursos literários temos sempre em vista tais
premissas, que norteiam o desenvolvimento das nossas reflexões e ajudam a
ampliar os sentidos das análises. O fórum, observada a premissa da dissonância
no âmbito de estudos de literatura e do comparativismo, acata propostas que vão
desde o enfoque do ensino da literatura à discussão teórica do embate entre o
local e a dissolução das identidades, passando por descrições de obras e por
interpretações de propostas estéticas. De modo que, seja no âmbito das
territorialidades cujos limites se esvaem diante da instantaneidade das
comunicações globais, seja no âmbito do regional esvaziado no mesmo diapasão em
que os conceitos de literatura e de literariedade vigentes nos séculos XIX e XX
perdem sentido com as realizações e as propostas estéticas dos autores do
século XXI, procura-se o dissonante na antiga ordem hierarquizada, no recente e
finado mundo bipolar ou no universo multilateral que se instaura. Há que se
considerar, ainda, estudos comparativos entre autores que, mesmo distantes no
tempo e no espaço, fixam a seu modo o questionamento de valores hegemônicos,
constituindo uma família literária pelo liame da rebeldia e da
inquietação.“Numa obra bem sucedida”, nos diz o ficcionista Cristovão Tezza
(2012), estudioso do pensamento de Bakhtin (Tezza, 2003), “partilhamos a utopia
de um mundo possível que, sem ocupar lugar real no espaço, será sempre uma
chave generosa para que encontremos, narradores e leitores, nosso próprio
espaço real.” Diante disso, vemos que há, pois, encontros vários, tanto os possíveis
quanto os utópicos, construídos no espaço entre a estesia da representação
literária e sua recepção, entre a proposição autoral idealizada, a atuação
indiciada do narratário criado ficcionalmente e a resposta concreta obtida pelo
leitor que divaga ou pela crítica, sendo a crítica e as leituras suplemento que
se acumulam em palimpsestos infindos.Do ponto de vista da historiografia
literária, qualquer que seja o modo analítico proposto, os problemas se
sucedem, pois os últimos anos têm sido de deslocamento incessante dos
postulados teóricos, cujos embates com o mundo concreto vem sendo cada vez mais
inglórios, considerando a acelerada mutabilidade das circunstâncias sociais,
políticas, históricas e das representações simbólicas, no âmbito das artes em geral
e da literatura em particular.Levantar questionamentos, de preferência
contundentes, e, eventualmente, produzir alguma conclusão, ainda que dissonante
e provisória, é o que se espera alcançar.Referências BibliográficasBAKHTIN,
Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Cia
das Letras, 2002.DIAS, André. Lima Barreto e Dostoiévski: vozes dissonantes.
Niterói, RJ: Editora da UFF, 2012.SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Trad.
Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e
a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.TEZZA,
Cristovão. O espírito da prosa: uma autobiografia literária. Rio de Janeiro;
Record, 2012.TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de
Janeiro: DIFEL, 2009.VARGAS LLOSA, Mário. A verdade das mentiras. Trad.
Cordelia Magalhães São Paulo: ARX, 2004.
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