Quem tem medo do Vampiro de Curitiba?
Publicado
em em 12/06/2015 às 12:27:39 - Atualizado em 12/06/2015 às 13:23:57
Jonatan Silva
Dalton Trevisan completa 90 anos neste domingo (14). Muito menos
misterioso que Elena Ferrante e mais discreto que Rubem Fonseca, o escritor curitibano carrega consigo a
imagem de outsider literário. Em tempos de feiras e festivais literários ao
redor do mundo, Dalton parece se manter incólume à exposição exagerada,
tentando preservar a si e à sua obra.
Durante a entrega do
prêmio Portugal Telecom em 2007, honraria à qual não compareceu, o Vampiro de
Curitiba disse – por meio de uma representante – que a figura do autor pouco
importava e que o que realmente valia era o livro. E não estava errado. A sua
reclusão só vem a confirmar essa espécie de lema literário que o escritor leva
consigo há tantos anos.
Figura importante da literatura paranaense, o autor de A Polaquinha (1985) eNovelas nada exemplares (1959)
criou a revista Joaquim que circulou entre
1946 e 1948 e acabou justamente por fazer sucesso demais. As histórias sobre o
fim da revista são as mais diversas – e divertidas – inclusive de que, após
receber um elogio público do Deputado Gilberto Freyre, Dalton teria se
enfurecido e encerrado as atividades.
Ulisses
em Curitiba
A 21ª e última edição da Joaquim, publicada
em dezembro de 1948, trazia a primeira parte do conto “Ulisses em Curitiba” e
anunciava que a revista de número 22 teria a conclusão do texto. Ainda assim, o
criador não poupou a criatura e a decepou. Com o fim da revista, o conto ficou
sem final.
A derradeira edição tinha também um
anúncio do livro Sete anos pastor (1948), obra
que o próprio autor fez questão de esquecer.
|
|
Uma das raras vezes em que
Dalton 'se deixou' fotografar. Foto: Reprodução.
|
Pequenos
demônios
A literatura de
Dalton Trevisan é a literatura da carne. Joões e Marias. Balas Zequinhas. Rio
Belém. Cenários e personagens se repetem vertiginosamente em uma prosa lapidada
e esculpida pelo minimalismo obsessivo e perfeccionista do Vampiro. É
impossível não notar o cotidiano da gente simples de Curitiba.
O retrato é fiel, mas
não é bem esse o universo do escritor. Morando há muitos anos na mesma casa no
Alto da Glória, Dalton pode ser visto pelas ruas próximas – e até cruzando a XV
de Novembro – praticamente invisível, mas não qualquer amigo que o tenha
encontrado nos locais mais sujos da cidade.
Essa ‘distância’
explica o susto da família do autor ao ler seus primeiros contos. Quando
perguntado por Luiz Vilela, em 1968, se seus irmãos liam o que escrevia, o
curitibano disse que sim, mas que preferia que não o fizesse. “Eles devem
pensar: como uma pessoa educada com carinho, nos melhores sentimentos, se
tornou esse monstro moral?” [Outras informações, aqui, aqui e aqui].
Para o jornalista e escritor Edilson Pereira, Dalton revela a realidade dos
“pequenos demônios de Curitiba, pessoas que os demais olhavam e não
enxergavam”.
Universal
Curitiba é somente a
plataforma, uma parte da literatura daltoniana - já traduzida na Alemanha, na
Holanda, na Argentina e Estados Unidos.
“Dalton não é curitibano, ele é brasileiro. Diria até que ele é
latino-americano ou universal”, comentou Pereira e completa: “Dalton é um dos raros escritores
originais”. O jornalista comenta que grandes escritores, como Kafka, Joyce e
Borges. são lembrados por sua literatura pessoal.
O escritor Marcos Peres, autor de O
Evangelho segundo Hitler, coloca Dalton como um soberano das
palavras, “um altar, tão fugidio e não comprovável quanto qualquer postulado
religioso”. Na sua visão, a Curitiba de Dalton é um contraponto à imagem de
cidade sorriso e ecológica que transborda nos comerciais.
“A Curitiba organizada, modelo, dos
shoppings e das férias, de repente, virava uma cidade escura, hermética,
violenta, permeada de vampiros notívagos, de encontros furtivos, de pontes sem
rio por baixo e de lambaris do rabo dourado. Dalton, como outros gigantes, mostrou-me
a possibilidade de ser espectador e ouvinte, testemunha e recriador de seu
povo, de sua gente, de sua cidade”, comentou.
Jonatan Silva é
formado em Jornalismo e apaixonado por literatura e cinema.
Escreve sobre o
hábito neurótico e pouco ortodoxo de ler.
Publicado originalmente
aqui.