No último dia 29 de agosto, aconteceu, no
Mestrado em Letras da UFMS, Câmpus de Três Lagoas, a defesa de dissertação da
integrante do GPLV Raquel Celita Penhalves dos Reis. Um dos integrantes da
banca, o professor Luiz Gonzaga Marchezan (UNESP / Araraquara), proferiu
palestra na véspera, dia 28 de agosto, reunindo - no período noturno - diversas
turmas do Curso de Letras.
A palestra teve por tema "Regionalismo e
dissonância", sendo abordada a obra de Monteiro Lobato, escritor
considerado por Marchezan como "um dissonante no interior do
regionalismo". O palestrante destacou o perfil de Lobato como homem
público, uma personalidade envolvente, controvertida, contraditória,
voluntarista, paradoxal e dissonante, "grande em sua impetuosidade, e
apesar de seus erros". Em trocadilho com conhecida narrativa de
Lobato, Marchezan considerou haver uma "velha praga no regionalismo, no
percurso do indianismo ao caboclismo".
Após a palestra, o professor respondeu a
diversas perguntas dos presentes. No dia seguinte, participou da banca de
defesa do trabalho O antropófago mineiro: um estudo sobre a ficção
de Luiz Vilela (veja detalhes aqui e notícia com fotos aqui).
A mestranda Milena Wanderley,
da área de Estudos Literários, escreveu texto sobre a exposição feita pelo
professor Marchezan. Reproduzimos abaixo, após foto que registra momento da
palestra, essa resenha.
GPLV, 28.05.2013
.
Professor Luiz Gonzaga Marchezan
REGIONALISMO E DISSONÂNCIAS
Palestra/Aula de Luiz Gonzaga
Marchezan
na UFMS, Três Lagoas - Campus I,
no dia 28 de agosto de 2013.
Encontramo-nos com o professor Luiz Gonzaga
Marchezan em uma sala de aula nas dependências do Campus I da UFMS de Três
Lagoas. Todos sentados nas carteiras, professores, alunos da graduação e da
pós, compartilhando o mesmo espaço de construção de conhecimento. Estávamos
todos ali em um cenário escolar, de aula. E foi a isso que assistimos: uma
excelente aula do professor Marchezan, que no final ainda promoveu o costumeiro
processo de interação do educador ao dialogar com os estudantes que o
procuraram.
Através da análise do modo de dizer fabulesco de
Monteiro Lobato em Urupês,
o professor Marchezan nos apresentou de que forma essa obra colocou o autor
entre o fato e a ficção, já que muito do conteúdo ideológico lobatiano aparece
nas críticas que faz acerca do comportamento dos caboclos, os quais ele
transubstanciou em “tipo nacional”. No entanto, mesmo tendo tal posicionamento
em relação ao tipo nacional que construiu, Lobato editou Os caboclos, de Valdomiro
Silveira, que traz no seu texto uma visão terna em relação ao caboclo, ao
contrário - segundo expôs Marchezan - da visão lobatiana. Eis aí o primeiro
contato com o elemento dissonante no regionalismo: um escritor que edita outro
cujo texto possui desencontros ideológicos com o seu.
Segundo Marchezan, Lobato possuia uma visão
reacionária em relação ao homem rural: deparou-se com as limitações analíticas
de seu tempo frente à tipificação do caboclo, de modo que não havia como não
infringir sobre o personagem sua própria carga ideológica. O espaço do conto
lobatiano, segundo o pesquisador, é a sociedade em momento de transição, um
momento intervalar entre duas consciências, uma amena, outra caótica, e o seu
conto é testemunha desse tempo.
O autor de Urupês traz uma definição moralizante do
universo caipira: as suas personagens são trágicas e excessivas por conta do
enunciador, como ocorre, exemplificou Marchezan, no conto “Colcha de
retalhos”. A ficção de Lobato traduz uma indignação: o autor transpõe para o
conto as suas experiências em forma de fábula. Através da construção da imagem
da natureza que engole o homem, Lobato estabelece, de acordo com Marchezan, uma
dissonância entre a ação humana e a força da natureza; exemplo modelar está em
“Vingança da Peroba”, conto com desfecho moralizante em que há uma
desumanização do indivíduo e uma personificação da natureza. O narrador
lobatiano, nesses contos, segundo o pesquisador, é muito próximo do narrador da
fábula, trazendo um raciocínio que se desenvolve rumo a uma conclusão. Há nessa
estratégia de enunciação a intenção de lançar um elo de credibilidade entre a
narrativa e o leitor já que a fábula - explicou o pesquisador
- constitui uma instituição de narrar, contar algo de relevância. Ao longo
da história de sua articulação, a fábula promoveu a postulação de muitas
demandas sociais, o que aproximou o texto lobatiano do leitor, diferente do que
ocorreu com o texto de Valdomiro Silveira, com articulação mais próxima do
“causo”.
Luiz Gonzaga Marchezan finalizou sua fala
destacando as dissonâncias provocadas por esse modo de dizer fabulesco
utilizado por Lobato em Urupês. O estudioso do regionalismo na literatura
brasileira apontou, ainda, que o regionalismo literário surge da necessidade de
um olhar mais honesto sobre os interiores espaciais e tipológicos dos sertões
do Brasil. Nos questionamentos finais, falou sobre a atualidade do
regionalismo em narrativas que destacam grupos rurais que passam a viver nas
periferias das cidades. Marchezan destacou a necessidade da criação de uma
“sociologia do leitor” que possa contemplar mais profundamente os processos de
recepção na intenção de entender o que ocorre com o leitor brasileiro frente ao
contexto editorial.
Milena Wanderley
Pós-graduanda em Letras / Literatura da UFMS – Três Lagoas,
sob
orientação da profª Drª Kecilene Gracia-Rodrigues.
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