Grandes autores vivem um instigante desafio: uma vez consagrados, terão a tarefa de se equilibrar vida afora no fio da navalha que separa o escritor comum daqueles capazes de dar um passo que nos conduza à excepcionalidade. Então, aquilo que era glória se transforma numa espécie de provação que se põe diante de artistas e escritores a cada vez que apresentam uma nova publicação. Se aos 24 anos o mineiro Luiz Vilela surpreendeu a literatura brasileira com seu consistente Tremor de terra (contos, 1967) e reafirmou sua grandeza com o também premiado O fim de tudo (contos, 1973) e em outros trabalhos, o brilho é menor em O filho de Machado de Assis, recém-lançado.
A novela pode perfeitamente ser enquadrada na categoria “bom livro”, o que é pouco para um Luiz Vilela. Ainda assim, estão lá a eficiente narrativa e o grau de requintada simplicidade de seus textos, traduzido naquela capacidade de elaboração tão própria de autores que nos falam como se estivessem numa conversa informal em nossa cozinha. Mas esta qualidade, mesmo que somada às formas calculadamente concisas emprestadas aos personagens e aos cenários (predominantemente, uma sala de apartamento), não é o bastante para que produzir uma peça “instigante”, como apresenta a editora.
Além disso, falta o novo na exploração da temática central, como indica o nome da novela: o escritor Machado de Assis (1839-1908) de fato teve um filho e manteve isso em segredo? Num romance de 2008, A filha do escritor, Gustavo Bernardo explorava essa abordagem por um ângulo assumidamente ficcional: ambientava num hospital psiquiátrico de Itaguaí, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Lívia, uma mulata como o Bruxo do Cosme Velho, a quem se referia como seu pai.
Relação extraconjugal
A teoria de que Machado teve um filho é quase centenária. Foi alimentada pelo escritor maranhense Humberto de Campos (1886-1934), membro da Academia Brasileira de Letras a partir de 1919. Ganhou ares de fofoca, já que sugeria uma traição: Mário de Alencar, filho de José de Alencar (1829-1877), na verdade teria sido gerado num romance extraconjugal da mulher do romancista com Machado, de quem era amigo. E o icônico Dom Casmurro, lançado em 1899, ensaia uma suposta confissão, ao expor Capitu, fuzilada pela convicção do marido, Bentinho, de que o filho, Ezequiel, tem rigorosamente todos os traços do amigo Escobar.
Vilela revisita o tema com o professor Simão, que em suas pesquisas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro descobre uma referência ao que seria o filho de Machado – ainda que contrarie os relatos oficiais e citações literárias machadianas, como em Memórias póstumas de Brás Cubas (“Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”). A aura de ansiedade vai devorá-lo, a ponto de revelar o segredo a Mac, um de seus ex-alunos.
A descrição da trama no apartamento do professor e os diálogos cirúrgicos dão o tom de quase sussurro à narrativa. E ajudam a criar o clima em que os personagens centrais, Simão em especial, são movidos pelo temor de que a informação secreta perca seu caráter de verdade não revelada de uma forma que fuja ao caráter solene, emblemático, como pediria uma descoberta como aquela.
Ao mesmo tempo, Vilela contrapõe o dilema de convicções entre o professor e Mac, o que apimenta a polêmico em torno dessa nova versão. O primeiro, seguro de que está diante de uma das revelações do século, mas disposto a desnudá-la tão somente em doses homeopáticas. O segundo, num grau de desconfiança que coloca à prova tanto a teoria quanto a sanidade de seu interlocutor, tentando insistentemente puxar os fios do novelo de uma só vez. O desfecho de O filho de Machado de Assis, porém, vai privilegiar o suspense. E Vilela, com seu jeito comezinho, hábil narrador, há de deixar perguntas para um próximo capítulo.
O filho de Machado de AssisRecord. 127 páginas. R$ 39,90
7º
Seminário do GPLV e 2º Seminário de Linguística
22 a 25 de
novembro – Campus 1 da UFMS
Três
Lagoas, MS
Terça,
22/11
Quarta,
23/11
Quinta,
24/11
Sexta,
25/11
Manhã
8h-12h00 –
Comunicações:
Literatura e linguística
Envie seu
resumo até 11/11, às 11h.
I
CONGRESSO DO GPLV
Mediador: Rauer Ribeiro Rodrigues (CPAN/UFMS)
9h20-9h40 – Intervalo
8h-11h30 – Minicursos
Introdução
à Epistemologia do Romance, por Wilton Barroso Filho (UnB)
Mídias digitais no ensino do gênero
notícia: construindo uma sequência didática, porJanaína Zaidan Bicalho Fonseca (CPAQ/UFMS)
Da literatura ao sistema literário:
questões de método, por Jorge
Augusto Balestero (UNESP/SJRP)
9h20-9h40 – Intervalo
8h-11h30 – Minicursos
Literatura
e(m) Cinema: por um novo olhar sobre Adaptação, por Maria Cristina Cardoso Ribas
(UERJ)
Faces do
niilismo no conto brasileiro contemporâneo,
por Ronaldo Vinagre Franjotti
Intervalo - 9h20-9h40
8h-11h30 – Minicursos
Por uma Imagem da Literatura: o
caso do diretor Luiz Fernando Carvalho, por Cristiane Passafaro Guzzi (UNESP /Araraquara)
Fortuna crítica: metodologia de
trabalho nos estudos literários, por Karina de Fátima Gomes (PG-UFMS) e Eloíza Fernanda Marani (PG-UFMS)
Intervalo - 9h20-9h40
Tarde
13h15-17h30 - Minicursos
Lexicografia Pedagógica: reflexões teóricas e práticas, por Renato Rodrigues Pereira (CPTL/UFMS)
Práticas de leitura em sala de aula,
utilizando o método recepcional, por Angela Nubiato Lopes e Priscila
Feliciano da Costa
Elementos constitutivos e aspectos
elusivos em contos de A cabeça, de Luiz Vilela, por Marcos Rogério Heck
Dorneles (UFMS/CPAQ / PG-CPTL/PPG-Letras)
15h20-15h40 – Intervalo
13h15-17h30 -
Comunicações:
Literatura e linguística
Envie seu
resumo até 11/11, às 11h.
15h20-15h40 – Intervalo
13h15-17h30 -
Comunicações:
Literatura e linguística
Envie seu
resumo até 11/11, às 11h.
15h20-15h40 – Intervalo
13h15-17h30
Debates de
projetos – GPLV
Envio de projetos
de pesquisa com relatório de atividades já desenvolvidas até 31/10, às 11h.
15h20-15h40 – Intervalo
Noite
18h - Atividade cultural
19h – Abertura Oficial
19h30 – I CONGRESSO DO GPLV
20h – Conferência de Abertura:
Acervos literários: a prática, a teoria, a
experiência - meu caso de amor com
Machado de Assis, por Maria
Cristina Cardoso Ribas (UERJ)
21h20 – Mesa-redonda
Por confirmar
18h-19h -
Atividade cultural
19h – Mesa 1
Por
confirmar
Mesa 2
Janaína Zaidan Bicalho Fonseca (UFMS/CPAQ): A autoconfrontação cruzada como experiência formativa no curso de
Letras
Solange de Carvalho Fortili(UFMS/CPTL): Aspectos constitutivos do texto sob diferentes abordagens
Ana Lúcia Spindola
(UFMS/CPTL): O professor e a leitura
Mediador:
Amaya Obata Mourino de Almeida
Prado (UFMS/CPTL)
18h-19h –
Atividade cultural: Lançamento do livro Os meninos da colina, deRavel Paz (UEMS)
18h30-19h – Ravel Paz fala
sobre seu livro
19h - Mesa 1
Kelcilene Grácia-Rodrigues (UFMS/CPTL): Introdução à poética de Manoel de Barros
Luiz
Gonzaga Marchezan
(UNESP/Araraquara): Poe, leitor de
Balzac
Mediador: Eunice Prudenciano de Souza (GPLV/UFMS)
20h50 - Mesa 2
Celina
Aparecida Garcia de Souza Nascimento
(UFMS/CPTL): Discurso indígena:
processos identitários e exclusão
Claudete Cameschi de Souza
(UFMS/CPTL): O discurso indígena
Mediador: (a confirmar)
18h-19h -
Atividade cultural
19h – Mesa
1
Cristiane
Rodrigues de Souza (UFMS/CPTL): Leitura e criação literária: matrizes
Márcio
Scheel (UNESP/ SJRP): Breve comentário sobre os precursores
da narrativa brasileira dos anos 2000
Mediador: Kelcilene Grácia Rodrigues (CPTL/UFMS)
20h50 – Mesa 2
Rejane
C. Rocha (UFSCAR): A literatura no contexto digital: desafios
ao literário
Júlio
Augusto Xavier Galharte
(UFMS/CPAN): Os desgraçados risos: uma
comparação entre 'Eu choro do palhaço', de Alciene Ribeiro Leite, e 'Palhaço da
boca verde', de João Guimarães Rosa
Ficam convocados os integrantes do Grupo de Pesquisa Luiz Vilela e convidados os demais interessados para reunião do GPLV no dia 22 de outubro, sábado, no Câmpus 1 da UFMS de Três Lagoas, das 8h às 12h, para discutirem e deliberarem sobre a seguinte pauta:
1. Informes;
2. Organização do 7º Seminário do GPLV e 2º Seminário de Linguística;
3. Leitura e análise de O filho de Machado de Assis, novela recém-publicada de Luiz Vilela.
Nos dias
14 e 15 de outubro de 2016, os alunos do PPG-Letras/UFMS/Três Lagoas, a convite
da Profa. Kelcilene Grácia-Rodrigues, contaram com a presença do Prof. Dr.
Arnaldo Saraiva, docente catedrático jubilado da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto/Portugal, que debateu os projetos de pesquisa dos alunos
Eliza Peron, Eloiza Marani, Enedir Silva, Érica Rossi, Lucas Neves e Paulo Benites, que desenvolvem estudos sobre Claudia
Roquette-Pinto, Guimarães Rosa, Luiz Vilela, Manoel de Barros, Márcia
Denser, Maria Amélia de Melo, Marina Colassanti e Wilson Bueno.
As
atividades do Prof. Arnaldo Saraiva continuarão nos dias 17, 18 e 19 de outubro
de 2016, dias em que ministrará, no PPG-Letras, a disciplina “O Modernismo
Português e O Modernismo Brasileiro”.O debate do projeto da doutoranda
Milena Wanderley, sobre Hilda Hilst, ocorrerá em um desses dias.
Fazemos,
abaixo, uma descrição das atividades desenvolvidas, e publicamos no final fotos
que registram as primeiras atividades do Prof. Saraiva em Três Lagoas.
A doutoranda Eliza
da Silva Martins Peron apresentou o projeto Hibridização e o devir da linguagem: A mescla de gêneros e línguas na
prosa de Wilson Bueno. O professor enalteceu a boa articulação
das palavras e a escolha do tema do projeto, fez considerações alertando
para o cuidado com o uso das palavras, uma vez que há palavras que têm sentidos
diversos daquilo que se quer afirmar, citando algumas palavras adequadas a
alguns contextos elencados. O Prof. Saraiva fez indicações bibliográficas
teóricas para aprofundamento do estudo.
O segundo debate partiu da apresentação do projeto
Guimarães Rosa poeta: Veredas a desbravar,
da doutoranda Érica Alves Rossi. O Prof. Saraiva considerou o projeto muito
importante por trabalhar com poemas inéditos do autor e discorreu sobre a
diferença entre poesia a prosa.
Paulo Eduardo Benites de
Moraes apresentou seu projeto, Manoel de
Barros e Antonio Vieira: Por uma poética do contraste. O professor
considerou o trabalho “surpreendente e original” pelo ineditismo do
paralelo entre os autores, e fez considerações sobre a importância
de se colocar na tese o que Manoel buscou em Vieira para a sua obra;
também fez sugestões bibliográficas, voltadas para a fortuna crítica do Padre Vieira.
A doutoranda Eloiza
Fernanda Marani debateu o projeto Jardim
ensimesmado: A vertigem metafórica de Claudia Roquette-Pinto. O debatedor-convidado
enfatizou que trabalhos com temas específicos são melhores
que os gerais e fez ampla explanação sobre o tema da metáfora, destacando que
a metáfora opera com vários níveis do mundo natural e da linguagem.
A Profa. Kelcilene Grácia-Rodrigues apresentou
o projeto O erótico e o feminino na
literatura realizada por ficcionistas mulheres que lançaram seus livros de estreia sob
o regime militar, da doutoranda Enedir da Silva Santos. Nas
considerações, o Prof. Saraiva citou ser importante trabalhar o
teor psicanalítico no erotismo, mencionando a importância fundamental de
se trabalhar a literatura feminina americana, uma das bases das lutas femininas.
O
mestrando Lucas Rodrigues Neves, integrante do GPLV, apresentou o projeto A simbologia dos nomes em Tremor de terra, de Luiz
Vilela. O mestrando iniciou sua fala fazendo um apanhado geral
sobre o desenvolvimento de sua pesquisa e o porquê de estudar os
nomes das personagens da coletânea Tremor de terra, destacando que
algumas das personagens dos vinte contos do livro não têm nome. Lucas afirmou que
nas obras de Vilela é peculiar o autor repetir nomes ou apelidos de personagens,
discorrendo sobre a importância dos nomes na construção
das personagens nas obras do autor.
O
professor Saraiva sugeriu para constar na dissertação o
trabalho do crítico Fábio Lucas, um dos primeiros a destacar a grandeza da obra literária de Luiz Vilela. O prof. enfatizou a
importância da análise do nome próprio nas obras literárias, com destaque
para se distinguir o foco linguístico do filosófico. Sugeriu como
referencial o livroNomes
próprios poucos comuns, de Mario
Souto Maior, para enriquecimento do trabalho, assim como outros títulos da
área de "Onomazologia". Comentou ser importante para o estudo a
verificação da ordem sintática de colocação dos nomes no interior das frases.
Sugeriu verificar se há alguma relação na escolha dos nomes considerando
a cultura do nome, o seu significado comum ou histórico, a
psicanálise religiosa dos nomes, e a sua presença, ou não, como nome usual em
Minas Gerais, estado natal do escritor Luiz Vilela.
Eis o
resumo da projeto em desenvolvimento por Lucas Neves:
A simbologia dos nomes em Tremor de
terra, de Luiz Vilela
RESUMO: Com o trabalho proposto,
pretendemos analisar o primeiro livro de contos do escritor mineiro Luiz
Vilela, Tremor de terra (1967). O intuito é desenvolver um
estudo onomástico das personagens. Acreditamos que a nomenclatura das
personagens não ocorre de forma aleatória, constituindo-se em signos dispostos
de significado, o que o torna primordial na construção do texto. Ao
pensarmos no texto ficcional como uma estrutura, descrevemos os efeitos de
sentido dos contos, nos quais as personagens são nomeadas de forma a
compor um todo significativo com a cena. Tal estudo nos propicia um modo
de aproximação do fazer poético do escritor. Para embasar teoricamente o estudo,
vamos nos valer, inicialmente, do seguinte referencial: de Ana Maria Machado, Recado
do nome; de Clóvis Bulcão, Personagens da Literatura Brasileira;
de Antonio Candido e Anatol Rosenfeld, A Personagem de Ficção;
de Autran Dourado, Personagem, Composição, Estrutura;
de Beth Brait, A personagem. Também teremos sob perspectiva as dissertações de
Ronaldo Vinagre Franjotti e Lucas Gonçalves Fernando, pois ambas tratam
da composição dos nomes das personagens principais do romance Graça,
de Luiz Vilela.
Professor Saraiva ao centro, ao lado da Profa. Kelcilene, em
registro com doutorandos e mestrandos do PPG-Letras e um aluno da graduação que assistiu aos debates
Prof. Saraiva e Maria do Carmo, mestranda, integrante do GPLV
Eloíza Marani e o Prof. Saraiva
Érica Rossi e o Prof. Saraiva
Prof. Saraiva, ladeado por integrantes do GPLV, mestrandos Lucas Neves e Maria do Carmo
Eliza com o Prof. Arnaldo Saraiva
.Profa. Kelcilene e Prof. Saraiva durante o debate
Prof. Arnaldo Saraiva e Maria do Carmo, do GPLV
Lucas Neves com o Prof. Saraiva, no final do debate
O escritor mineiro Luiz Vilela está
cada vez mais escrevendo narrativas de cunho dissertativo, nas quais, por meio
de diálogos, geralmente dois homens, expõe a sua “tese” sobre um fenômeno
social da contemporaneidade. Já havia feito isso em pelo menos dois contos da
sua última coletânea, Você Verá, de 2013, com as
narrativas “Mataram o rapaz do posto”, que discorre sobre a violência nas
cidades do interior, e “Corpos”, sobre a invasão de privacidade na internet. Esses
contos contêm muitas galhofas (e no caso nos valemos de uma expressão bem machadiana),
travestidas de diálogos cortantes, recheados de ironia. Pode-se observar a mesma
tendência na novela O filho de Machado de Assis, recentemente publicada. Através de
uma longa conversa entre um professor e um aluno, quase um discípulo, e que é o
narrador, discorre-se, entre outros assuntos, sobre a idolatria, mote presente
ou subterrâneo na maior parte dos diálogos encenados.
Elementos do gênero novela se fazem
presentes na narrativa, evocando, assim, na estrutura, suas outras novelas, Bóris
e Dóris (2006), Te amo sobre todas as coisas (1994)
e O
choro no travesseiro (1979). Revisitemos a definição do gênero novela
no Dicionário
de Termo Literários,de Massaud Moisés. Segundo Moisés,
a novela possui “pluralidade dramática”, ou seja, uma série de ações que se
encadeiam umas nas outras, cada uma com começo, meio e fim, mas que participam
todas de um conjunto único.
É o caso de O filho de Machado de Assis. Um
narrador em primeira pessoa, Mac, formado em Letras, recebe um telefonema de
seu professor, Simão. O professor diz a Mac que tem um assunto muito
importante, “um segredo de Estado” a lhe contar, por isso pede que ele vá até a
sua casa. Mac está de saída para a praia com a namorada (o enredo se passa no
Rio de Janeiro), mas adia o passeio e vai até a casa do professor. Quando Mac
chega à residência do professor, este lhe fala de uma pesquisa que fazia na
Biblioteca Nacional, na qual fez uma descoberta que considera “bombástica”: diferente
do que todos acreditam, Machado de Assis tivera um filho, contrariando a última
fala das Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O
foco narrativo se concentra basicamente na figura de Simão, tornando Mac,
apesar de algumas interferências, quase que um narrador testemunha, que atua
como escada para as digressões do professor. São as impressões de Simão, sob o
foco do narrador-testemunha, que constroem a sucessão de nós dramáticos da
novela.
A
partir desse ponto, temos, apesar de ser uma longa conversa, uma série de
pequenos blocos de assuntos, como se fossem uma sequência de “pequenos contos”,
entremeados de algumas digressões, mas que formam um único corpo, configurando,
assim, a “pluraridade dramática” preconizada por Massaud Moisés para a novela.
O
autor é hábil em encadear cada “bloco” de assunto, nesse longo e interessante
diálogo, de modo que podemos ver, com clareza, outra característica da novela,
segundo Massaud Moisés: a “sucessividade”. O fato de Simão ter dito que fez uma
grande descoberta desencadeia uma série de outros assuntos. Primeiro, o
professor questiona-se de qual será o impacto dessa notícia para o ambiente
literário, em particular para os pesquisadores que escreveram trabalhos sobre a
obra de Machado baseados no fato dele não ter tido filhos.
Ainda
segundo Massaud Moisés, ao teorizar sobre o gênero novela, “o tempo da
narrativa acompanha essa estrutura linear”, e, uma vez “não havendo restrição
cronológica, o novelista pode fazer uso arbitrário do tempo da ação”, desde que
observe “o transcurso vital das personagens desde o seu nascimento” e se
concentre “nos momentos em que se processa cada ‘aventura’ e reduz[a] o passado
a breves notações”.
Em
O
Filho de Machado de Assis, toda a ação se concentra em um único
momento, uma tarde de sábado, como o narrador deixa claro ao começar narrativa.
Esse tempo cronológico só é interrompido quando o narrador, por meio de uma
digressão, lembra de uma visita que fizera a um padre, que fora seu professor,
e hoje está em um sanatório. O que não deixa de ser curioso, pois o nome do
professor remete ao Simão Bacamarte, diretor de um hospício, personagem dos
mais célebres de Machado de Assis, da também novela O alienista. Esse tempo
cronológico sem intervalos terá uma pequena variação apenas no fim da narrativa
de Luiz Vilela.
O
espaço em O filho de Machado de Assis está associado ao tempo, assim,
quando este se altera, o espaço também se altera. O espaço se concentra na sala
da casa do professor Simão, mas antes temos a casa do narrador, e quando há uma
digressão, temos o espaço do sanatório; esses espaços evocados surgem em
passagens curtas, e são acompanhados da mudança no tempo narrativo.
Há
uma concentração da ação sobre poucos personagens, basicamente dois: Mac e o
professor Simão. Por vezes aparece a voz da namorada de Mac, a da empregada e a
da vizinha do professor Simão, além da alusão a um irmão do professor. Com
relação a essa personagem, Vilela “apronta” mais uma das suas galhofas, num dos
momentos geniais da novela, a começar pelo nome: Judete Jordão – alcunhado “Cão
Hidrófobo” pelo professor, nomeado de “Caim”, e que chama ao professor como “Simão
Escorpião".
E
assim as conversas e digressões vão se sucedendo, tendo como leitmotiv, ora de maneira velada, ora de
maneira explícita, o tema da idolatria. Um assunto que, parece, realmente,
incomoda ao professor de “vasta cabeleira toda desgrenhada”.
O
dicionário eletrônico Houaiss registra as seguintes definições para “idolatria”:
“1.culto que se presta a ídolos. 2.fig. Amor
excessivo, admiração exagerada”. No longo discurso, disfarçado de diálogo, o
professor Simão (não nos pareceria exagero tê-lo como alterego de Luiz Vilela),
entre outros assuntos, sempre retoma esse “amor excessivo, admiração
exagerada”, primeiro por Machado de Assis, depois por tudo que as pessoas
tendem a admirar demais. A conversa com Mac já está bem adiantada, e então o
professor Simão diz:
“O
Machado o quê? Está pensando que o Machado era santo?”
“Não,
não é isso”, eu disse
“Ninguém
é santo, meu caro.”
“Eu
sei.”
“Ninguém
é santo. Santidade é uma invenção da igreja.”
(p.
31).
Outro
exemplo dessa idolatria vemos um pouco mais adiante, quando o narrador, Mac,
diz que Machado de Assis foi o maior escritor brasileiro. O professor Simão
então questiona tal classificação. E emenda:
“Será
que já não é tempo de pararmos com essa machadolatria?”, ele disse.
“Machadolatria...”,
eu repeti
“Toda idolatria é nefasta. Essa não o
é menos.”
(p.
34-35).
Um
pouco mais a frente, o professor se lembra de algumas curiosidades sobre a vida
dos escritores Arthur Miller e Günter Grass: o primeiro rejeitou um filho
“mongoloide” e o segundo “fizera parte da Juventude Hitlerista” (p. 43). E
então o professor Simão acrescenta mais um argumento a respeito da idolatria:
“Então é isso. Há muita mentira, muita invenção, muita fantasia. É muito
difícil saber a verdade sobre as pessoas e as coisas. Muito difícil...” (p.
43).
O tema da idolatria volta a fazer parte
da conversa entre o professor e Mac quando lembram de Tiradentes e os vários
mitos que envolvem a sua figura, a presença de uma filha, até então também
desconhecida, e a sua imagem, com cabelos grandes e barba, associada à imagem
de Cristo, etc.
Mais adiante, em outra cena memorável e
engraçadíssima, o professor Simão, dando continuidade à narração da sua
descoberta, conta o encontro que teve com uma mulher jovem na Biblioteca
Nacional assim que descobrira que Machado de Assis tinha tido um filho.
Querendo compartilhar essa grande notícia com alguém, resolve contar para essa
moça. Ela se confunde sobre episódios da vida de Machado de Assis, e o diálogo
dos dois, outro argumento a respeito da idolatria e do quão essa pode levar a interpretações
por vezes desastrosas sobre a vida de alguém importante, é um dos momentos mais
hilários e interessantes da narrativa.
Vilela
extrai esses momentos humorísticos das relações humanas no diálogo encenado.
Por outro lado, há momentos em que o narrador da novela tenta criar humor em
situações um tanto forçadas, como é a cena do estalo dos dedos. Aqui, embora
pareça forçado, o bloco narrativo do tlec
(o estalo dos dedos) tem como função destacar a futilidade que permeia o mass media contemporâneo, futilidade que
se espalha pela sociedade ─ ou, ao contrário, que permeia a contemporaneidade e
é assumida e glorificada pela mídia.
A ideia da idolatria como um problema
que assola a sociedade continua a permear o discurso, disfarçado de diálogo, do
professor Simão, que insiste na história de Tiradentes; na sequência, o
professor fica preocupado com o que dissera à moça da Biblioteca, fica temeroso
de que ela espalhe a notícia, e que a grande novidade chegue ao mundo acadêmico
antes que ele mesmo a divulgue oficialmente. Luiz Vilela, agora pela voz do
professor Simão, faz uma dura crítica, que já havia feito em outras ocasiões e em
entrevistas, ao mundo acadêmico, acusando-o de hipocrisia: “Inveja, despeito,
ressentimento: esse é o feijão com arroz dessa gente. Vaidade é o ar que eles
respiram. Vaidade e falsidade. Longe dos rapapés e dos salamaleques, a
perfídia, a maledicência, a calúnia – a vontade, em suma, de aniquilar o outro.”
(p. 81).
O que parece escapar ao Prof. Simão
Serapião é que o motivo da crítica à academia é o mesmo temor que o move ao
esconder de Mac onde encontrou a notícia sobre o filho de Machado de Assis,
assim como é o mesmo motivo que o faz temer alguma inconfidência da moça da
Biblioteca Nacional: a vaidade, a vã glória de ser o autor da descoberta.
Simão, também professor acadêmico, não está acima nem é diferente daqueles a
que critica – como ele mesmo diria, “ninguém é santo”.
Com um final um tanto quanto
imprevisível, a novela termina por reforçar e retomar a “tese” inicial da
idolatria; para muitas pessoas, na verdade, o fato de uma figura pública e
importante ter escondido ou não que teve um filho não faz a menor diferença.
Como exclama a namorada do narrador quando este lhe diz que Machado de Assis
havia tido um filho: “E daí?” Se a pergunta da namorada demonstra, talvez,
desinteresse pelo assunto, a desimportância do tema, ainda que assuntos como
tais sejam dos mais explorados por jornais populares e revistas de fofocas,
temos aqui outro motivo recorrente da obra de Vilela: a alienação da mulher
quanto à informação, à formação básica, ao raciocínio lógico mais elementar.
Tratemos da linguagem em O
filho de Machado de Assis.
Segundo o professor Rauer Ribeiro
Rodrigues, em uma resenha sobre o romance Perdição, “A linguagem, em Luiz
Vilela, desde a obra de estreia, o volume de contos Tremor de terra,
de 1967, tem por característica a simplicidade vocabular, a seleção lexical de
exatidão expressiva, o registro coloquial, a ordem direta, as metáforas sem
rebuscamento, a profundidade do pensamento não sendo obscurecida por torneios
ou gongorismos” (veja aqui). Tais características se mantêm em O
Filho de Machado de Assis:a simplicidade vocabular, numa
linguagem cristalina, registros coloquiais, e até brincando com esses
registros, na voz de Mac, que o tempo todo corrige o professor para o
politicamente correto, “afrodescendente” ao invés de “preto”, entre outros
comentários. Predomina a ordem direta e metáforas sem rebuscamento. Tudo isso
ainda está lá, na escrita de Vilela. Porém, ao olharmos para as suas obras
anteriores, percebemos que Vilela se repete em algumas fórmulas narrativas,
encena a cena seguindo estratégias de contos, novelas ou romances anteriores,
como o começo e o fim com ares fortemente mecânicos, com um deus ex machina se impondo no cotidiano,
já vistos em outras narrativas – o discurso enunciado e a vida vivida se
impõem entre os clichês da própria vida e da enunciação anteriormente enunciada.
Em
suma, ao tratar, em O Filho de Machado de Assis, do tema da idolatria,
entrelaçando-a com temas candentes da sociedade brasileira, entre outros
assuntos contemporâneos aqui reiterados por Luiz Vilela e sempre presentes em
sua obra, a novela traz o mesmo autor de sempre, em suas obsessões, em suas
qualidades e em seu modo de narrar que se repete. Escritor sempre determinado a
buscar novos caminhos em sua práxis, O
Filho parece repetir passos de narrativas anteriores, como que
obediente a um pai autoritário. São passos divertidos e envolventes, é verdade,
mas que têm pouco do frescor que Vilela costuma projetar a cada nova
empreitada. Claro, há aspectos novos, nuances do inventor criativo na pena de
um mestre da escrita. A novidade em O filho de Machado de Assis está na
derrisão da idolatria, mais uma crítica feroz do Luiz Vilela iconoclasta de
sempre.